Mercado espera agilidade na definição de equipe econômica de Lula

Bancos avaliam que petista terá de lidar com questões macroeconômicas complexas

Diante de uma “lua de mel” mais curta com o Congresso, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda terá de “correr contra o tempo” na definição do orçamento para 2023, principalmente no que diz respeito à manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, afirma Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays.

Secemski diz acreditar que alguns nomes do gabinete de Lula podem ser anunciados como parte de sua equipe de transição nos próximos dias, mas que pode levar mais tempo até que nomes-chave sejam confirmados como ministros.

“Enquanto em 2002 Lula só confirmou seu gabinete mais de um mês depois de sua vitória (incluindo o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no início de dezembro), esperamos que isso aconteça mais cedo desta vez, nas próximas uma ou duas semanas, dependendo das negociações entre o presidente eleito, sua coalizão e partidos centristas no Congresso”, afirma.

Independentemente dos nomes escolhidos, diz Secemski, Lula “correrá contra o tempo” para trabalhar nos planos orçamentários, que, em princípio devem ser votados até o fim de dezembro para garantir que o Auxilio Brasil não volte a R$ 400 por mês em 1º de janeiro, em vez de continuar no nível prometido de R$ 600.

“Embora os representantes do PT no Congresso possam apresentar lei nos próximos dias para enfrentar as restrições fiscais impostas pelo teto de gastos (possivelmente acompanhada de uma ‘renúncia’ para gastar de 1% a 2% do PIB a mais no próximo ano), não está claro se uma proposta de emenda teria andamento em tempo hábil em uma sessão do Congresso, onde a esquerda continua sendo minoria”, diz Secemski.

A oposição explícita de Lula ao “orçamento secreto” também pode colocá-lo em rota de colisão com o Congresso caso seus dirigentes sejam reeleitos para comandar as casas, principalmente a Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2023, por mais dois anos, aponta o economista do Barclays.

“Encontrar um equilíbrio que funcione para todos em Brasília exigirá negociações extensas, o que pode resultar em um período de lua de mel mais curto para o presidente eleito”, afirma.

Estratégia ‘imposto e gasto’ vai dar certo?

Lula terá de lidar com questões macroeconômicas complexas — situação fiscal frágil, baixo potencial de crescimento do PIB, economia muito fechada e improdutiva — e gerenciar velhos e novos desafios políticos e sociais, ao mesmo tempo em que lidará com o Congresso mais autônomo e independente “em décadas”, diz Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para a América Latina do Goldman Sachs.

Na esfera social, afirma, a administração será desafiada a adotar políticas que atendam à ampla demanda por serviços públicos melhores e mais eficientes em áreas-chave, como educação, saúde, transporte urbano e segurança pública. “Tudo isso dentro dos estritos limites impostos pela responsabilidade fiscal e sem recorrer a grandes aumentos da já muito elevada carga fiscal”, observa.

A expectativa é que o quadro fiscal se deteriore significativamente em 2023, após um esperado superávit primário em 2022, observa Ramos.

Para cumprir promessas de campanha como manutenção do Auxílio Brasil, reajuste acima da inflação do salário mínimo, aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, entre outros, Lula terá de acomodar “pressões de gastos significativas”, diz Ramos. “Além disso, é improvável que o novo governo reverta totalmente imediatamente os onerosos cortes de impostos sobre combustíveis implementados em 2022”, afirma.

Assim, diz, será praticamente impossível respeitar o limite do teto de gastos. “Esperamos que o presidente eleito Lula proponha uma emenda constitucional para suspender o teto de gastos e, posteriormente, proponha uma nova regra fiscal (provavelmente mais flexível) para ancorar a política fiscal.”

Na esfera política, diz Ramos, o novo presidente terá o desafio de construir uma coalizão governista em um Congresso mais polarizado e direitista. Lula terá de lidar “com uma das legislaturas mais autônomas e independentes em décadas”, afirma Ramos, acrescentando que os partidos centristas provavelmente estabelecerão alguns limites políticos às iniciativas do Executivo.

“Um congresso dominado pelo centro-direita provavelmente limitará, por exemplo, o escopo para aumentos de impostos ou expansão muito grande de compromissos de gastos permanentes não financiados; mas também é provável que mostre um apetite limitado por grandes reformas”, afirma.

Ramos diz esperar também que Lula adote uma estratégia “tax-and-spend”, isto é, buscando o aumento da arrecadação de impostos para ampliar os gastos públicos, “dada a crença profundamente arraigada de que o setor público e as estatais devem ser os principais motores de crescimento e investimento”, afirma.

A estratégia, segundo ele, pode levar a um maior crescimento do consumo no curto prazo, mas também a uma inflação elevada e a maiores déficits fiscais e em conta corrente. No médio prazo, diz, implicaria em prêmios de risco fiscal mais altos, por causa da dívida maior, e menor crescimento potencial.

Por outro lado, Ramos afirma ser perceptível que o governo Lula está mais comprometido com uma agenda ESG, o que poderia eventualmente render frutos para a política externa.

Se a situação fiscal frágil, a burocracia pública “inchada”, a carga tributária alta e distorcida, a baixa produtividade da economia, o investimento fraco, o baixo nível de capital humano e grandes déficits de infraestrutura são desafios estruturais para Lula, o novo presidente contará, porém, com um cenário macroeconômico caracterizado por, entre outras coisas, um déficit em conta corrente modesto, um superávit comercial considerável, investimentos diretos estrangeiros sólidos, alto nível de reservas internacionais, baixa dívida externa.

O mercado, segundo Ramos, prestará especial atenção às principais indicações do gabinete de Lula, principalmente para o Ministério da Fazenda, ao orçamento para 2023, à magnitude da renúncia do teto de gastos para acomodar promessas de campanha e a um esboço mais detalhado do conjunto de propostas de políticas formuladas durante a corrida presidencial, como a reforma tributária, a nova âncora fiscal para substituir o teto de gastos e possíveis mudanças na reforma trabalhista.

“Em geral, espera-se que os mercados financeiros pós-eleitorais reajam positivamente aos sinais de paz social, estabilidade política e políticas públicas e reformas que alavancariam o investimento e o crescimento e deixariam para trás um longo período.