Lula com sorte? Mercado vê dados positivos, mas também está de olho no longo prazo

Para economistas e gestoras do mercado, números do 1º semestre surpreendem e governo mais ajuda do que atrapalha

Depois de algumas semanas animadas na Faria Lima, com o dólar abaixo de R$ 4,80, Bolsa acima de 120 mil pontos e empresas como a CVC captando via mercado financeiro, uma conversa que começa a ganhar força entre economistas e gestores é se, de novo, um ciclo positivo para a economia poderia coincidir com o início de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num repeteco do que aconteceu em 2002.

Naquela época, Lula enfrentava, como hoje, a desconfiança dos investidores e contava com uma forte oposição no Congresso Nacional. Mas beneficiado por um comércio mundial em estado de graça, que passou a crescer a um ritmo de 7% ao ano, surfou na valorização das commodities e entregou o governo para sua sucessora, Dilma Rousseff, com crescimento de 7,5% do PIB em 2010.

“O Lula parece que é sortudo”, brinca a economista Zeina Latif, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. “Alguns indicadores que ele apresenta, apesar de ainda serem modestos, são melhores do que os dos seus antecessores”, afirma.

Economista Zeina Latif. Foto: Gisele Martins/Divulgação

Governo Lula: dados positivos em seis meses

Até aqui, em pouco mais de seis meses, apesar do discurso crítico de Lula à política monetária do Banco Central, um dos destaques recentes é a queda nos preços, baixa causada principalmente pelo remédio amargo da Selic a 13,75% ao ano. A inflação no acumulado dos últimos 12 meses está em 3,94%, contra 11,73% no mesmo período do ano anterior.

A atividade econômica também surpreende. No primeiro trimestre, o PIB avançou 1,9% na comparação com os últimos três meses do ano, puxado pelo agronegócio que cresceu 21% no período.

Mais recentemente, o dado de abril do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), acompanhado pelos analistas como uma prévia para o PIB, subiu 0,56%, colocando o índice em 148,33 pontos, patamar mais alto desde dezembro de 2013.

Na próxima terça-feira (27), o IBGE vai divulgar a prévia da inflação de junho (IPCA-15), que atualmente está em 4,07% no acumulado de 12 meses. Se o resultado trouxer o indicador para baixo, será usado como mais pressão para Roberto Campos Neto, presidente do BC, afrouxar a Selic.

Uma queda nos juros certamente traria impacto positivo para as ações de empresas brasileiras negociadas na Bolsa, o que seria fartamente capitalizado pelo governo.

“Nos últimos governos, o Brasil estava crescendo a uma taxa de 1%. Agora, os números dos últimos relatórios Focus, do Banco Central, colocam o Brasil em um crescimento de cerca de 2% ao ano. É pouco ainda, mas um número maior”, pontua Zeina Latif.

Mercado financeiro vê sinais positivos

Felipe Garcia, chefe da mesa de operações do C6 Bank, diz que, na ponta do mercado financeiro, a trajetória recente dos indicadores econômicos tem criado um clima positivo com relação ao ativos brasileiros. Ele falou com a reportagem da Inteligência Financeira em um dia em que as bolsas da Europa e dos Estados Unidos caíam com dados fracos de indicadores econômicos da Alemanha, França e Inglaterra. Mas a bolsa brasileira caminhava relativamente bem. “Esse é um sinal de que existe uma atratividade (do investidor) pelo Brasil e isso tem trazido fluxo de capital”, diz.

Para Garcia, o relativo bom humor dos mercados com o país caminha ao lado da agenda econômica do governo. “Não é só responsabilidade do Brasil” ele afirma, mas de uma forma ou de outra o atual governo tem dado continuidade em pautas anteriores, tidas como positivas para o mercado.

“Estamos mais construtivos com o Brasil há alguns meses”, afirma Fabio Okumura, chefe de investimentos da Gauss Capital. “Nas primeiras semanas após a eleição, enxergamos um exagerado pessimismo com relação ao novo governo. Pessimismo esse que se dissipou e abriu espaço para um otimismo generalizado em todos ativos locais”, ele aponta.

Votação do arcabouço fiscal

De uma forma geral, a opinião de Okumura coincide com outros operadores do mercado. Embora com alguns ruídos, entre eles as críticas reiteradas ao BC (Banco Central) e aos juros altos e as discussões sobre mudanças na meta de inflação, a antecipação da apresentação do novo arcabouço fiscal é apontada pelo mercado como um importante avanço para endereçar a trajetória da dívida pública e o humor dos investidores.

“Surpreendentemente, o Brasil é hoje a nossa principal tese para investimento em risco”, afirma o gestor Marcos Mollica, do banco de investimentos Opportunity. Ele lidera as decisões de aporte em um fundo multimercado que investe em uma cesta de juros, moedas e ações em diferentes países.

No ano passado, a partir do início do segundo semestre, Mollica tinha zerado todos os aportes em ativos brasileiros com temor das eleições. Hoje, ele diz, o cenário mudou. “Estamos comprados de Brasil. Temos mais de 70% de nosso risco aplicado em Brasil”, afirma.  

Problemas estão blindados

“De uma maneira geral, o governo consegue compensar coisas negativas que são faladas pelo presidente”, diz o economista Joelson Sampaio, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “O ministro Fernando Haddad está, de certa forma, conseguindo trabalhar e passar tranquilidade.”

Joelson Sampaio dá como exemplo o imbróglio recente envolvendo a tributação das grandes varejistas chinesas. Apesar de pedidos contrários à taxação de sites como Shein, Shopee e AliExpress, o ministro da Fazenda encontrou espaço para avançar com a medida, pauta que agrada ao mercado por sinalizar empenho com o fiscal.

Esforço fiscal preocupa?

Mas se o mercado enxerga uma janela de alguns meses de oportunidade, o cenário para o final de 2023 e, principalmente, o começo do ano que vem já inspira preocupações.

Marcos Mollica, do Opportunity, aponta o próprio arcabouço fiscal como um fato de preocupação para 2024. O texto, que passou pelo Senado e depende agora da apreciação final da Câmara dos Deputados para poder ser sancionado por Lula, é elogiado por, basicamente, evitar uma disparada na dívida pública.

No entanto, Mollica lembra que ele é dependente do aumento da arrecadação do governo, que virá ou por aumento de carga fiscal ou por crescimento de PIB. “A gente vai ter um questionamento muito claro sobre a capacidade de entregar as metas que o governo prometeu”, afirma.

O economista Alexandre Schwartsman também duvida do novo teto fiscal. “Eu acho que o texto contrata um problema fiscal. A trajetória do superávit primário, que está lá embutida no arcabouço fiscal, não tem como alcançar as receitas que eles dizem que vão gerar”, aponta.

Na prática, ele diz que não está claro como o governo vai conseguir os cerca de R$ 120 bilhões adicionais para manter o funcionamento da máquina pública, sem contar os gastos adicionais. “Isso tudo é uma questão que vai aparecer lá na frente. E o mercado irá cobrar.”