PEC da Transição: entenda por que o Centrão resiste em dar ‘cheque em branco’ a Lula

Ciro Nogueira critica ‘licença para gastar’ de 4 anos em emenda à Constituição necessária para Bolsa Família de R$ 600 e reajuste real do salário mínimo em 2023

A chamada “proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição”, que busca abrir espaço para viabilizar o Bolsa Família de R$ 600 em 2023 e o reajuste do salário mínimo, entre outras demandas, enfrenta resistência entre parlamentares do Centrão. O texto da proposta, que só deve ser apresentado na quarta-feira (16), precisa ser aprovado no Senado e na Câmara para valer no próximo ano.

Integrantes de siglas do Centrão afirmam que não concordam em dar um “cheque em branco” ao novo governo e dizem que será necessário negociar a proposta para que ela seja votada.

Dois pontos suscitam divergência: o valor da “licença para gastar”, calculado em R$ 175 bilhões, que ficariam fora do teto de gastos (regra que limita o crescimento das despesas públicas) e o prazo de validade que o governo eleito tenta aproveitar para esta licença, de ao menos quatro anos.

Estes dois aspectos já foram acordados no Senado, segundo o relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI).

‘Não vamos tirar emendas’

No domingo, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), disse ser a favor da PEC somente para o primeiro ano de governo e para financiar os R$ 600 do benefício e o aumento do salário mínimo em 2023 — as duas propostas faziam parte da campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

Segundo Ciro, as outras iniciativas de Lula podem ser debatidas depois. Ontem, ele disse que tirar o Bolsa Família do teto de gastos por quatro anos, como tem defendido o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), é “usurpação de poder”.

O relator do Orçamento, porém, fala em alteração permanente, retirando o benefício social do teto. “A PEC da Transição tem um princípio justo e é urgente. Não vejo necessidade alguma de colocarmos um prazo de validade em uma medida social, que vai ter um impacto da mais alta importância na vida dos brasileiros mais pobres”, escreveu na segunda-feira em uma rede social. “Seria um desgaste desnecessário termos que fazer articulação política todos os anos para convencer os parlamentares do óbvio: a nossa responsabilidade social com os mais carentes”.

O PT quer incluir na PEC a recomposição de verbas do Farmácia Popular e obras do Minha Casa Minha Vida. Segundo o relator, o valor de R$ 175 bilhões já está “acertado verbalmente” até com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

O que há de novo são as declarações do Ciro Nogueira. É preciso saber se está falando em nome dele ou do Centrão todo, porque não foi isso que foi conversado — afirmou Castro ao GLOBO.

A avaliação de líderes do Centrão é que excluir permanentemente o Bolsa Família do teto daria muita força ao governo eleito. No governo Bolsonaro, exceções ao teto foram negociadas caso a caso, o que incluiu a liberação de emendas de relator, base do orçamento secreto, mecanismo em que parlamentares alinhados ao Palácio do Planalto podiam indicar mais recursos a seus redutos eleitorais do que os demais.

Elmar Nascimento (BA), líder do União Brasil na Câmara, disse que não houve acordo na Casa em relação ao valor final da PEC. Ao GLOBO, afirmou que o Congresso não dará “cheque em branco” e que só será possível debater a cifra após a apresentação do texto.

“A conta é para pagar o Auxílio, mas não é essa conta toda (R$ 175 bilhões). Está muito ‘disse me disse’. Não estou dizendo que estou contra ou a favor, mas ninguém vai dar cheque em branco”, diz Nascimento, do União Brasil.

Ele nega que o Centrão esteja buscando a continuidade das emendas de relator, o orçamento secreto, como moeda de troca, como alegou na semana passada o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Aliado do governo eleito, Calheiros vem criticando a necessidade de aprovar uma “PEC de Transição”.

Mas não é porque ele (Lula) é contra as emendas de relator que nós vamos ter que tirar. Não vamos tirar. As emendas de relator vão ser aperfeiçoadas, com um critério de distribuição melhor e mais transparência. Mas isso não tem nada a ver com a aprovação da PEC.

O deputado Cláudio Cajado (BA), presidente do PP, diz que a PEC deveria valer apenas para 2023.

“O que o senador Ciro falou tem lógica. Não dá para chegar e liberar tudo agora durante os quatro anos, porque o novo Congresso também precisa se manifestar”, diz Cajado , do PP.

Líder do governo Bolsonaro no Senado, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) diz que a bancada votará o que foi promessa em comum das duas campanhas. Hoje, no entanto, os bolsonaristas são minoria no Senado, e Pacheco tem articulado pela aprovação da PEC.

Economistas querem texto

Portinho diz ainda que a oposição só deverá dar início ao diálogo com o ministro da Economia indicado.

“Só sei o que leio na imprensa e o que vejo não é bom, porque a condução está errada e não tem o ministro indicado. Ele é o avalista de qualquer projeto econômico, de furar teto etc. Sem o nome do ministro, é um cheque em branco de R$ 175 bilhões”, diz o senador do PL.

Lira foi indagado sobre o acordo para os R$ 175 bilhões citado por Castro, mas não respondeu até o fechamento desta edição.

“O governo novo pode muito. Mas não pode tudo. Se exagerar, pode envelhecer logo na largada”, avalia Eduardo da Fonte (PP-PE).

Em outra frente, o grupo técnico de Economia da Transição informou em nota que fez a primeira reunião de trabalho na última sexta-feira e que solicitou à Coordenação da Transição acesso ao texto da “PEC de Transição” e aos dados que a embasam.

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