Campos Neto: É preciso olhar para o social, mas também para o equilíbrio das contas

Presidente do Banco Central observou que o mercado está nervoso sobre dúvidas a respeito das regras das contas públicas e aumento de gastos

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta sexta-feira (11) que o governo eleito precisa “ter um olho” para as questões sociais, ou seja, como atender à população carente, mas também deve atentar para o equilíbrio das contas públicas.

Caso isso não corra, explicou ele, pode haver desorganização do setor produtivo e impacto na geração de empregos.

“A gente precisa ter de um lado um olho pro social, e a gente entende que a pandemia deixou muitas cicatrizes, mas precisa também ter um olho pro equilíbrio fiscal”, declarou, em evento transmitido pela internet.

Ele explicou que se não houver equilíbrio fiscal, ou seja, nas contas públicas, a população pode ser prejudicada.

“A gente volta para um mundo de incerteza onde a expectativa de inflação sobe, você desorganiza o setor produtivo, em termos de investimentos, e no final quem sobre mais com isso é justamente a população que você quer ajudar, porque você machuca a geração de empregos”, declarou Campos Neto.

Promessas eleitorais

De acordo com o presidente do Banco Central, durante a campanha eleitoral foram feitas promessas, e o mercado começa a entender que parte do que se imaginava que seriam programas temporários vai se estendendo, e se tornando programas permanentes de gastos públicos.

Nesta quinta-feira (10), o relator da proposta do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou que a PEC que está sendo elaborada para garantir o Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023 deve prever que o benefício social seja imune ao teto de gastos de forma permanente.

Se o Congresso aprovar o programa social fora do teto de gastos, esses R$ 105 bilhões hoje reservados no Orçamento 2023 podem ser remanejados para bancar outras promessas de campanha como a Farmácia Popular, o reajuste do salário mínimo acima da inflação e a retomada de ações de infraestrutura.

Além disso, de acordo com Campos Neto, do Banco Central, também houve uma piora na percepção dos economistas do mercado sobre a economia brasileira devido à incerteza sobre o chamado “arcabouço fiscal”, ou seja, sobre as regras para as contas públicas.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, prometeu durante a campanha eleitoral acabar com o teto de gastos, mecanismo que limita a maior parte das despesas em relação à inflação do ano anterior. Ainda não há informação, porém, sobre a regra que pretende colocar no seu lugar.

Impacto nos mercados

De acordo com Campos Neto, os mercados estão “muito sensíveis ao tema fiscal [alta de gastos], vimos o que aconteceu na Inglaterra. Mercados tentam entender como vamos pagar a dívida que tem”.

“A gente tem por outro lado um problema social que ainda existe, vindo da pandemia, mas começa a ter um movimento agora de maior sensibilidade sobre a parte fiscal, como vamos pagar a conta da pandemia, tem implicações claras para o Brasil”, acrescentou.

Nesta quinta-feira (10), uma declaração de Lula gerou reação nos mercados. Ele questionou por que as pessoas são levadas a sofrer por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país.

“Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gasto? Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gasto não discutem a questão social deste país?”, afirmou ele, na ocasião.

A fala gerou reação nos mercados. Nesta quinta, o dólar fechou com alta de mais de 4%, a maior para um dia desde março de 2020, e o Ibovespa, principal índice da bolsa de valores de São Paulo, a B3, registrou a maior queda diária em quase um ano. Analistas apontaram que um dos fatores foi a declaração do presidente eleito.

BC independente

Questionado se teme pela independência do Banco Central, sancionada no ano passado, Campos Neto afirmou que qualquer mudança institucional passa por testes, mas disse que, em sua visão, a autonomia operacional da instituição seguirá.

“É importante que eu fique nesses dois anos para mostrar que a autonomia funciona. Mas o Banco Central é técnico, vai trabalhar com o governo novo, vai tentar cooperar o máximo possível. Nosso trabalho é para melhorar a vida dos brasileiros, não só na parte monetária fiscal, mas também na competição bancária, lançamento do PIX, inovações digitais. Somos um órgão técnico e olhamos para o Brasil”, afirmou.

A legislação atualmente em vigor no país prevê mandato de quatro anos para o presidente do Banco Central. Com isso, Campos Neto, indicado por Bolsonaro, permanecerá no posto até dezembro de 2024 e, assim, ocupará o cargo nos dois primeiros anos do governo Lula.