Bernard Appy: Boa parte da segunda etapa da reforma tributária ‘já está pronta’

Em entrevista exclusiva, secretário extraordinário revela quais são as próximas etapas da reforma

Duas semanas após a aprovação da reforma tributária do consumo na Câmara dos Deputados, o governo já tem “boa parte” da segunda etapa de reestruturação do Imposto de Renda da Pessoa Física e da folha de pagamentos pronta.

A afirmação é do secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. De acordo com ele, os dividendos “provavelmente” serão taxados.

Em entrevista exclusiva à Inteligência Financeira, Appy conta que, no momento, não é possível “cravar a alíquota do IVA”.

Nos tributos sobre o consumo, a nova reforma aplica o sistema de Imposto sobre Valor Acumulado dual, que deve substituir os impostos federais PIS, Cofins e IPI, o ICMS estadual e o ISS municipal. A mudança tem efeitos de curto prazo na melhora da economia, e deve ser sentida pelo brasileiro no dia a dia, diz.

Bernard Appy revela segunda etapa da reforma tributária

O governo pretende encaminhar propostas para alterar o regime de tributação do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e da folha de pagamentos para serem aprovadas pelo Congresso.

De acordo com o secretário extraordinário, o objetivo será de “justiça tributária”, ou seja, corrigir distorções na taxação entre mais ricos e mais pobres.

São aspectos que, segundo Appy, levam à “iniquidades na tributação, que é a de que pessoas de altíssima renda muitas vezes deixem de pagar imposto sobre seu patrimônio”. Bernard Appy afirma que “provavelmente” dividendos devem entrar na segunda etapa da reforma tributária.

Contudo, ele afirma que o Ministério da Fazenda avalia tributar proventos e, em contrapartida, reduzir a tributação nas empresas (IRPJ).

‘Não dá para cravar a alíquota’ do IVA, diz Bernard Appy

Ao ser perguntado sobre a possível taxa do IVA em 25%, Appy diz que “não é possível cravar a alíquota” do imposto agregado. Mas ele esclarece que, quanto mais exceções, maior deve ser a carga final do imposto.

Todavia, o secretário cita que a reforma tributária deve reduzir a sonegação, elisão – a possibilidade de pagar menos imposto por meio da interpretação da legislação – e a inadimplência. Esses fatores jogam a favor para que a alíquota final do imposto seja reduzida ao longo do tempo.

Confira abaixo a entrevista completa com o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy.

Inteligência Financeira: Secretário, que tipo de benefício o brasileiro do dia a dia pode esperar sentir da reforma tributária? E quando esse impacto será observado?

Bernard Appy: Na verdade, vou começar a responder pela segunda parte e depois respondo à primeira pergunta. Uma parte dos benefícios da reforma tributária tende a aparecer em um prazo relativamente curto, que é o efeito, sobretudo, da expectativa. Havia a percepção de que, com a aprovação da reforma tributária, aumentar-se-ia o potencial de crescimento do país no longo prazo. Isso leva a uma trajetória das contas públicas melhor do que se não houvesse esse impacto sobre o crescimento, o que, por sua vez, tende a se refletir na redução de juros de longo prazo e no aumento da taxa de investimentos do país. Porque nosso sistema tributário hoje afasta investidores que gostariam de investir no Brasil, mas a complexidade os faz pensar duas vezes. Tem esse efeito indireto da reforma tributária que tende a aparecer ao longo deste ano e ao longo do próximo ano, que devem aparecer na forma do ambiente geral da economia brasileira. E isso é sentido por todos os brasileiros porque leva ao maior crescimento econômico, com efeito positivo sobre emprego.

Agora, o grosso dos incentivos sobre a reforma tributária, sobretudo os efeitos diretos, são de prazo mais longo. Tem uma mudança muito relevante em 2027, quando são extintos os tributos federais: PIS, Cofins e a maior parte do IPI. A parte federal da mudança do sistema tributário passa a ser sentida já em 2027. E, na parte dos Estados e Municípios, do ICMS e ISS, essa transição tende a aparecer em um prazo mais longo, de 2029 a 2033, quando termina todo seu processo. Os efeitos cheios da reforma serão sentidos somente em 2033.

Como é que o brasileiro médio vai sentir esses efeitos? Ele vai sentir de duas formas: uma delas é que vai ficar mais transparente para ele o quanto paga de imposto. Hoje, o brasileiro paga um imposto bastante elevado sobretudo por aquilo que ele compra, sejam bens ou serviços, mas ele não sabe qual é esse imposto porque nosso sistema é tão complexo que é impossível saber de fato quanto imposto foi pago. Em segundo lugar, devem ter uma mudança de preços relativos. Alguns preços vão cair, alguns talvez subam um pouco, embora no agregado o efeito da reforma tributária tenha um efeito de redução de preços. Por quê? Porque a reforma mantém a carga tributária, ou seja, aquilo que os brasileiros pagam de imposto em média será mantido, mas a reforma elimina uma série de ineficiências de custos que acabam onerando aquilo que compramos e que vai deixar de existir. O principal desses custos é o custo burocrático de pagar imposto, que no Brasil é o mais alto do mundo, e que certamente está incorporado no preço daquilo que a gente compra.

E, por fim, o brasileiro vai sentir o efeito da reforma porque as mudanças promovidas, como já falei, criam ambiente mais propício ao investimento e a um crescimento maior da economia brasileira, aumentando a taxa de emprego e de renda das pessoas. Elas devem sentir isso ao longo do tempo, embora nem cheguem a associar isso com a reforma tributária. Mas certamente o efeito mais importante é que a qualidade de vida das pessoas vai melhorar porque a reforma tributária vai criar condições para a Economia crescer mais. 

As próximas etapas da reforma tributária

IF: Olhando para o futuro da economia brasileira e dos próximos passos da reforma do sistema tributário, não só do consumo, o que vem a seguir? O que mais precisa ser revisado?

Bernard Appy: Bom, essa etapa da reforma tributária que nós chamamos reforma da tributação do consumo, que são os tributos que incidem sobre a produção e consumo de bens e serviços. Basicamente são cinco tributos, PIS, Cofins e IPI que são federais, o ICMS que é dos Estados e o ISS dos municípios, que vão ser substituídos por dois Impostos sobre Valor Adicionado [IVA]. Um será federal e outro para estados e municípios, mas que terão a mesma legislação. O objetivo fundamental dessa primeira fase da reforma tributária é aumentar o potencial de crescimento da economia brasileira. Mas ela tem um efeito positivo do ponto de vista distributivo, porque o resultado vai ser desonerar o consumo das famílias de baixa renda e onerar um pouquinho mais o dos 10% mais ricos da população. Então vai desonerar o consumo dos 90% mais pobres e onerar um pouquinho o dos 10% mais ricos da população. E vai reduzir desigualdades regionais no longo prazo. Mas o objetivo fundamental é aumentar o crescimento da economia.

A segunda fase da reforma tributária, que é a reforma do Imposto de Renda e da tributação da folha de salários, essa tem também dois objetivos: tornar o sistema mais eficiente, mais favorável ao crescimento, mas, sobretudo, corrigir distorções que fazem com que nós tenhamos iniquidades na tributação, que é a de que pessoas de altíssima renda muitas vezes deixem de pagar imposto sobre a sua renda. Ou mesmo situações em que pessoas que têm a mesma renda são tributadas de forma muito diferente.

Então, o objetivo dessa segunda fase da reforma é mais de “justiça tributária”, embora ele tenha o foco de fomentar o crescimento também. Mas é mais justiça distributiva. E o da primeira fase é de fomentar mais o crescimento, embora ela tenha impacto positivo sobre justiça distributiva, também.

Bernard Appy na sede do Ministério da Fazenda. Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

Dividendos na reforma tributária

IF: Dentro dessa segunda fase também deve entrar a tributação sobre os dividendos?

Bernard Appy: Provavelmente sim. Isso já foi anunciado na campanha do presidente Lula. A ideia é de passar a tributar a distribuição dividendos, mas muito provavelmente com uma redução da tributação nas empresas (IRPJ). A alíquota do Brasil incide de forma muito mais alta nas empresas, mas não é feita a tributação na distribuição de dividendos. Então seria para aproximar muito mais do padrão mais comum nos outros países, que é ter a tributação da empresa com uma alíquota mais baixa e ter a tributação na distribuição dos dividendos, que tem um efeito positivo, porque a menor tributação nas empresas tem um impacto positivo sobre investimentos, crescimento. E a tributação na distribuição acaba tendo um efeito positivo do ponto de vista distributivo, porque vem da percepção de que pessoas que recebem mais dividendos, de renda mais alta, estão pagando mais impostos que hoje. Hoje essa percepção não existe, porque a tributação está sendo feita apenas na empresa.

Isso provavelmente deve constar, mas ainda não está definido exatamente qual vai ser o conteúdo dessa segunda fase. Se vai vir tudo de uma vez só, se virá em etapas. Isso ainda está para ser definido pelas instâncias políticas do governo.

O encaminhamento da segunda fase

IF: Essa definição de fatiar ou não, nessa segunda fase, é uma decisão política?

 Bernard Appy: É uma decisão política. O nosso trabalho é o trabalho técnico de preparar sugestões para melhorar a tributação da renda do Brasil. E, na medida do possível, também vincular a um possível aumento da tributação da renda, como a redução na tributação da folha de salários. Mas a decisão política sobre como isso será feito e quando ainda não foi tomada.

IF: Essas sugestões do senhor e da equipe já estão prontas, secretário?

Bernard Appy: Uma boa parte já está pronta e uma parte não está pronta, mas mais avançada.

IF: E tem data para que elas sejam apresentadas?

Bernard Appy: Não tem data definida. Como eu falei, essa é uma decisão política, não é uma decisão técnica.

IF: Ainda sobre essa tributação das empresas ou melhor, dos dividendos, entrando numa próxima fase da etapa, como fica o imposto de Juros Sobre Capital Próprio (JCP)? Ele será extinto?

Bernard Appy: Então, na verdade, essa decisão de Juros sobre Capital Próprio faz parte das decisões que vão ser tomadas sobre as possíveis mudanças na tributação da renda corporativa. Como eu falei, o desenho final ainda está para ser decidido pelo governo.

O cashback e a reforma tributária

IF: Sobre o cashback previsto pela reforma, com a política de alíquota zero sobre produtos da cesta básica, ouvimos de especialistas e entrevistados por nós da inteligência Financeira sobre a perda de eficácia do retorno para focar na baixa renda. O que vai ser incluído nesse cashback?

Bernard Appy: O cashback é uma forma eficiente de mitigar a regressividade da tributação do consumo. Lembrando que as famílias mais pobres não consomem só a cesta básica, consomem outros bens e serviços também. E, portanto, o cashback continua fazendo sentido, mesmo tendo essa maior desoneração da cesta básica que foi decidida pelo Congresso Nacional. O que ocorre, obviamente, é que o espaço para o cashback – o montante de recursos que teria para ser alocado – tende a ser menor à medida em que você utiliza esses recursos para fazer a desoneração da cesta básica e não para utilizar mais o cashback. A nossa avaliação técnica é que o ideal seria ter mais cashback e menos redução da tributação de bens e serviços, como foi decidido pela Câmara dos Deputados. Mas é uma decisão política que tem que ser respeitada.

O desenho do cashback está em aberto. A gente tem que esperar terminar a tramitação no Congresso Nacional, ver qual vai ser de fato o espaço que vai ter depois de todas as mudanças feitas pelo Congresso para a política de cashback. Mas ela, como política, continua fazendo sentido. O ideal é que haja, sim, um sistema de devolução do imposto para as famílias, focalizado sobretudo nas famílias de menor renda, porque isso é uma forma bastante eficiente de reduzir a regressividade da tributação do consumo.

O papel do Senado a partir de agora

IF: Me corrija se eu estiver errado, mas o senhor comentou que houve mais exceções do que o esperado na Câmara. Como está sua expectativa? O senhor teme que mais exceções possam ocorrer no Senado, alterando o teor inicial da proposta?

Bernard Appy: O senado tem dado a entender que quer discutir as exceções e o impacto delas nas alíquotas, o que é positivo. É importante entender que quanto mais exceções, maior tem que ser a alíquota de quem não foi beneficiado pelas exceções para manter a carga tributária, que é o princípio dessa reforma tributária. E isso é positivo. Obviamente, o Senado é soberano. Ele terá que definir a questão dos tratamentos setoriais. Mas eu acho que já avançou muito em termos de exceções na Câmara dos Deputados. O ministro (Fernando) Haddad tem inclusive dito que até seria bom se o Senado pudesse “limar” um pouquinho o texto aprovado pela Câmara, ou seja, deixar ele mais arredondado. Mas o Senado é soberano e vai fazer tomar as decisões que tiver que tomar. A nossa função é dar o apoio técnico e ajudar a essas instâncias políticas a entenderem os custos e benefícios de diferentes alternativas que sejam colocadas na mesa para um eventual mudança no texto aprovado na Câmara dos Deputados.

IF: O Senado é, em última instância, a Casa da Federação que zela pelo Pacto Federativo. E é provável, pela configuração da casa, que haja uma disputa ainda maior em pleitos estaduais. O senhor não está preocupado isso?

Bernard Appy: Não. Acho que o Senado obviamente vai discutir questões de impacto federativo da reforma tributária. E, de fato, o Senado é a Casa da Federação. É normal que isso aconteça. Mas o que eu vejo como possíveis itens: a distribuição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR). É um tema que provavelmente aparecerá na discussão do Senado Federal, já que a Câmara delegou (a distribuição) para lei complementar. E tem alguma discussão sobre a governança do Conselho Federativo, que será o órgão responsável por arrecadar o imposto e distribuir a arrecadação (entre Estados e Municípios). Embora seja uma instituição técnica que irá basicamente executar algoritmos que vão estar definidos na lei complementar.

Acho que essas questões vão aparecer no debate do Senado Federal, mas nada que descaracterize a espinha dorsal da reforma tributária que, do ponto de vista federativo, tem como um dos objetivos migrar de um federalismo e de uma competição ruim entre os Estados para um federalismo cooperativo, o que resulta da proposta que está sendo discutida hoje no Congresso Nacional.

E é uma proposta que também tem preocupação com a questão federativa. Por exemplo, há uma transição bastante longa nos efeitos que a reforma tributária tem sobre a receita dos Estados e dos Municípios. É uma transição de 50 anos, que faz com que esse efeito (perda de arrecadação) seja muito mitigado com o tempo. Eu acredito que o Senado pode aperfeiçoar essas questões, mas não espero uma descaracterização completa do que já foi discutido e aprovado na Câmara dos Deputados, que é significante.

IF: E quanto a uma emenda aglutinativa sobre a criação de um novo imposto dos Estados sobre produtos primários e semielaborados. Essa emenda cria mais uma brecha para um regime de exceção no sistema tributário? Acha que ela deve ser considerada pelos parlamentares?

Bernard Appy: Essa emenda entrou em uma decisão de última hora dos parlamentares. É importante entender que ela tomou como base algo que já existe hoje. Alguns Estados do país, sobretudo no Centro-Oeste, têm um sistema de contribuições “voluntárias” para fundos estaduais, que são utilizados sobretudo para investimentos em infraestrutura em troca do diferimento da cobrança de ICMS, seja para os produtores rurais, sejam para as tradings que adquirem esses produtos.

Esses fundos já existem. O que a emenda incluiu na reforma foi prever que poderá ter uma contribuição para os Estados que possuem esses fundos. O que eu acho que foi demais foi que saiu uma redação em aberto, sem limitação de qual seria essa contribuição.

O Senado Federal vai ter que avaliar os prós e contras desse tema. Aberto do jeito que está, de fato, é um risco muito grande. O Senado decidirá se prefere manter esse dispositivo, idealmente mantendo o nível atual dessas contribuições, ou se quer na verdade eliminar isso. Porque, de fato, o objetivo da reforma tributária era desonerar completamente a produção e a exportação.

O nosso ponto de vista, do Mistério (da Fazenda), é de que o ideal é não ter uma contradição em aberto da forma como está.

Sobre a alíquota do novo imposto

IF: O ministro Haddad até falou recentemente sobre, com o passar do tempo, a alíquota do IVA ser 25%. O que dá para dizer sobre a alíquota, secretário? Dá para cravar a alíquota do IVA em 25% ou ela será maior?

Bernard Appy: Não dá para cravar a alíquota (do IVA). O que dá para dizer é que tem vários fatores que afetam a alíquota. Tem alguns que puxam a alíquota para cima, como a quantidade de exceções, ou seja, bens e serviços que vão ter uma tributação menor em função de estarem encaixados numa alíquota menor. Isso, obviamente, puxa alíquota para cima dos demais bens e serviços, e a alíquota básica do imposto tende a ser mais alta.

Em contrapartida, toda a mudança que está sendo feita vai ter um efeito muito positivo de redução de sonegação, de elisão – a possibilidade de pagar menos imposto por meio da interpretação da legislação – e a redução da inadimplência, porque há em discussão de um sistema de cobrança do imposto no momento do pagamento da operação. E teremos uma redução significativa, inclusive, do litígio tributário, que acaba fazendo com que a arrecadação seja menor do que ela poderia ser.

Tanto a simplificação da legislação tributária quanto o próprio modelo de cobrança que está sendo montado para os novos tributos, o IBS dos Estados e Municípios, e o CBS da União. Tudo isso aponta que todos esses fatores serão mitigados, o que puxaria a alíquota para baixo.

Agora é possível cravar um número com precisão? Nesse momento, não é possível. O que é possível cravar é que a arrecadação do novo modelo vai ser exatamente a que existe hoje. Ou seja, a carga tributária com proporção do PIB vai ser a mesma que existe hoje.

O que o ministro sinalizou é que, além desses efeitos que vão se manifestar agora, na transição para o novo modelo, no longo prazo o ideal é que a gente caminhe para ter um sistema que tribute mais a renda e menos o consumo. Não é possível fazer essa mudança de imediato no curto prazo, mas no longo prazo o ideal é que se caminhe para um sistema que permita uma alíquota menor que 25%.

IF: Não teremos um aumento de alíquota pelo custo de conformidade do sistema tributário de consumo?

Bernard Appy: Não. O custo de conformidade é o custo burocrático de pagar imposto, que no Brasil é altíssimo, provavelmente o mais alto do mundo hoje para os tributos indiretos. Todo o modelo de cobrança dos novos tributos está sendo desenhado para gerar o mínimo possível de obrigações adicionais para as empresas. A ideia é manter o sistema de emissão de documentos fiscais eletrônico que já existe hoje. Então as empresas que já emitem nota fiscal eletrônica vão continuar emitindo no mesmo sistema, mas talvez tenham que colocar um ou dois campos fiscais a mais por conta dos novos tributos. Mas é só isso. O resto vai ser mantido exatamente da forma como está.

O próprio sistema vai separar a parte relativa aos tributos atuais. A ideia é que o próprio sistema já faça uma escrituração pré-preenchida para enviar para os contribuintes. Então, o contribuinte não teria sequer o trabalho de fazer a escrituração dos novos tributos, basta emitir nota fiscal eletrônica nas vendas, registrar as compras feitas com nota fiscal eletrônica que dão direito a crédito e o próprio sistema já faz a escrituração. Se o contribuinte estiver de acordo, é só ir lá e pagar. Isso reduz muito o risco de litígio, porque significa que já há acordo quanto à interpretação da legislação, do ponto de vista do preenchimento dessa escrituração.

Óbvio que, se houver a venda sem nota fiscal, isso é fraude e terá que ser combatido. Mas tirando isso, é uma simplificação enorme na vida dos contribuintes.

Em segundo lugar está a ideia de que esse sistemas convivam somente em 2026, e mesmo assim será extremamente simples no novo sistema. Em 2027 já teria a extinção do PIS e da Cofins, que são extremamente complexos, e da maior parte do IPI e, portanto, já seria uma enorme simplificação para os contribuintes. Embora a verdade é que a simplificação completa só ocorre no final da transição, prevista para 2033.

IF: Quanto tempo mais o senhor estima para a tramitação da primeira fase e da segunda fase da reforma tributária?

Bernard Appy: Com relação à tributação do consumo, tanto o relator no Senado, o Senador Eduardo Braga (MDB-AM), quanto o presidente do Senado (Rodrigo Pacheco, PSD-MG), têm dado a entender que querem votar a PEC-45 em outubro. Se houver mudanças, é possível que ela volte para a Câmara, que teria que reanalisar, porque uma emenda constitucional tem que ser exatamente o mesmo texto aprovado na Câmara e no Senado. Isso poderia fazer a votação se estender até novembro, ou talvez até o começo de dezembro. Mas a expectativa é que a emenda esteja aprovada e promulgada até o final deste ano.

Mas, obviamente, a gente tem que respeitar o ritmo do parlamento. Na reforma do consumo também temos as leis complementares, mas que a gente espera aprovar no ano que vem. Com relação à reforma do Imposto de Renda, como eu disse, o timing vai ser decidido politicamente, mas a minha expectativa é que uma boa parte já seja aprovada talvez nesse ano e alguma parte fique para o começo do ano que vem.

Bernard Appy fica ou deixa o governo

IF: E o senhor deve deixar o governo após a conclusão de todas as etapas da reforma tributária? Ou pretende ficar?

Bernard Appy: Minha secretaria se chama ‘Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária’, o que significa temporária. Eu estou aqui temporariamente. Meu compromisso com ministro, quando eu fui convidado para vir para o ministério, era trabalhar pela aprovação da emenda funcional da reforma do consumo, a lei complementar e os projetos de reforma da renda e da folha de salários.

Eu acredito, em princípio, que até o fim do ano que vem eu terei cumprido essa missão. E aí, de fato, eu não permaneceria não. Minha secretaria é temporária, toda minha equipe sabe disso. A gente está aqui com uma missão para cumprir. Missão cumprida, a gente volta para casa.

Com reportagem de Daniel Fernandes