ChatGPT recomenda ações e define alocação, mas dá para confiar? Gestores respondem

Confira avaliação sobre as sugestões feitas pela Inteligência Artificial; programa deve evoluir com o tempo
Pontos-chave:
  • A IF criou uma carteira de investimentos usando o ChatGPT. Depois, pediu a três gestores da Faria Lima que analisassem o resultado. Veja a conclusão deste experimento

Desde que se popularizou, o ChatGPT, chatbot desenvolvido com inteligência artificial (IA) pela norte-americana OpenAI, tem ajudado pessoas pelo mundo a formularem desde pedidos de reembolso até receitas de bolo. Mas será que ele é capaz de auxiliar um investidor a faturar no mercado financeiro?

Com a ajuda de um especialista, a Inteligência Financeira criou um perfil de investidor e, por duas horas, apertou o ChatGPT até ele entregar uma carteira completa, com porcentual de alocação por classe de investimentos e os ativos que compõem cada pedaço da cesta.

A ideia era simular uma consultoria de um assessor com um investidor, que planejava se aposentar em um prazo de 10 anos. Com uma poupança de R$ 1 milhão e capacidade de aporte mensal de R$ 10 mil, o objetivo desse suposto investidor seria o de parar de trabalhar com uma renda passiva de R$ 20 mil.

As respostas do ChatGPT, assim como o plano de investimento por ele desenhado, foram analisados por três gestores da Faria Lima, Pedro Simonetti, da Giant Steps, e Luciano França, da Avantgarde, além de Nohad Harati, da Harati Participações, family office especializada em milionários.

Erros ao longo da jornada

O experimento foi inspirado em um similar realizado pela Finder, empresa britânica que compara produtos financeiros. E, enquanto no reino unido o ChatGPT parece ter se saído bem nas respostas, com carteiras com alto potencial de ganho, por aqui ele derrapou nas indicações e, na opinião de especialistas, tomou decisões que colocariam em risco o patrimônio do investidor fictício.

As questões foram formuladas ao ChatGPT ao longo de duas horas entre os dias 12 e 13 de junho. O experimento foi conduzido pelo especialista Luis Felipe Vieira, líder de um escritório de assessoria de investimentos em São Paulo, a SVN Digital, que administra uma carteira com R$ 20 bilhões.

Apesar de ter discorrido com fluência sobre os produtos de investimento e citado conceitos técnicos de organização financeira, o ChatGPT, segundo Vieira, foi cometendo pequenos erros ao longo de toda a jornada, equívocos que obrigaram o especialista a confrontar ou mesmo alertar o programa das consequências de uma determinada tomada de decisão.

Risco moderado, mas nem tanto…

Segundo Luis Felipe Vieira, a derrapada mais importante tratou do percentual de alocação pelas classes de ativos. O especialista informou ao programa que o investidor tinha perfil moderado, ou seja, aceitaria uma dose de risco, desde que com uma limitação de oscilação.

Luiz Felipe Vieira, da SVN Digital. Foto: Divulgação

“Eu disse a ele que o objetivo era gerar uma renda passiva de R$ 20 mil para aposentadoria em até 10 anos. E informei que esse investidor tinha já um patrimônio líquido de R$ 1 milhão e que usaria esse dinheiro para um aporte inicial nesses investimentos”, conta.

O programa, então, sugeriu alocar cerca de 40% a 50% do portfólio em ações de empresas nacionais e internacionais, em diferentes setores e regiões. Aplicar entre 30% e 40% em títulos de investimentos de renda fixa de médio e longo prazos – para proporcionar estabilidade. E apimentar o portfólio com 10% a 20% em fundos imobiliários e multimercados.

“Esse cara iria quebrar”, afirma Nohad Harati. “Imagina alguém que já esteja próximo de se aposentar, mesmo que seja de perfil moderado, se ele coloca de 40% a 50% do dinheiro dele em ações e vem uma crise, ou então a economia mundial passa a crescer menos, o que vai sobrar para ele?”, pergunta.

Luciano França, da Avantgarde, pondera que esse porcentual de exposição a risco em uma carteira moderada pode ser comumente aceito em mercados internacionais, onde a taxa de risco é comparativamente baixa em relação ao Brasil. “Entretanto, no mercado local, um investidor arrojado, que não é o caso aqui, deve ter algo próximo a 40% em renda variável”, diz.

O especialista Felipe Vieira percebeu o erro e imediatamente confrontou o ChatGPT. Perguntou ao programa se ele não estava deixando a carteira exposta demais. O programa assumiu o erro e recalibrou o portfólio. “Uma alocação mais equilibrada para um investidor com perfil moderado pode ser algo em torno de 20% a 30% em ações. Isso ajudará a reduzir a exposição ao risco do mercado de ações, ao mesmo tempo em que proporciona a oportunidade de crescimento a longo prazo”, respondeu o programa.

E a definição da carteira de ações?

Outra recomendação que os gestores chamaram a atenção é, potencialmente, a funcionalidade mais popular dentre as possíveis pelo ChatGPT, a definição de uma carteira com oito ações, que o programa pinçou dentre as menos voláteis do Ibovespa, a cesta com as ações mais negociadas da B3.

Foram escolhidos quatro papeis de companhias financeiras, Banco do Brasil (BBAS3), Itaú-Unibanco (ITUB4), Bradesco (BBDC4) e B3 (B3SA3). Também foram indicadas três ações do segmento de energia, Petrobras (PETR4), Engie Brasil (ENGIE3) e CPFL Energia (CPFE3). Por fim, o ChatGPT indicou o papel de uma varejista, Magazine Luiza (MGLU3).

Para Hohad Harati, nove entre dez recomendações genéricas de carteira que se vê na internet trazem essas oito empresas. “A lista de oito ações está na ponta da língua de todos os assessores e carteiras distribuídas na internet. Mas é aquela história que as pessoas falam: ‘eu perdi dinheiro em ações'”, afirma Nohad.

Para ela, o momento não é bom para o setor de varejo, mesmo para a MGLU3, e empresas de energia, como a CPFL, ligada ao governo, são problemáticas. “São empresas que não se tem previsibilidade”, diz Nohad.

Observações sobre o ChatGPT: vai melhorar com o tempo

Para Pedro Simonetti, da Giant Steps, o experimento mostra que o ChatGPT comete um erro que se vê muito, principalmente entre influencers de finanças, que é o de deixar o investidor exposto ao risco em um país como o Brasil.

Pedro Simonetti, da Giant Steps. Foto: Divulgação

O gestor é especialista no uso de inteligência artificial e emprega programas do tipo para auxiliar em tomada de decisões e automatizar as ordens de compra e venda de ativos (leia mais aqui). Ele explica que, da forma como foi programado, softwares como o ChatGpt terão dificuldades em trabalhar em um mercado como o brasileiro, com fortes oscilações e mudanças de humor.

“Ele sofre de um problema que é o input, ou seja, os dados que você insere dentro da ferramenta”, explica. “Não tem nada brilhante ali no ChatGPT. E sabe por que? Ele está fazendo uma generalização de tudo o que está escrito na internet. Tem muita coisa boa escrita na internet, tem também muita coisa que é superficial. Então, ele pega tudo isso, dá um condensada e faz um ‘resumão’ para você.”

Simonetti se mostra crítico ao programa, mas pondera. “É muito impressionante ver o ChatGPT, ele consegue articular uma resposta como um ser humano.”

Para Simonetti, o programa deve, sim, impactar o mercado no futuro. “O negócio agora parece que entrou na curva exponencial de evolução. Eu tenho certeza que vai melhorar conforme o tempo passa”, afirma.

JP Morgan está desenvolvendo AI para finanças

Se o ChatGPT ainda não está pronto para ajudar o investidor, alguns desenvolvedores parecem não querer esperar até que isso aconteça para entrar em ação.

Uma opção do tipo deve ser apresentada em breve pelo banco americano JPMorgan. A instituição está desenvolvendo um serviço de inteligência artificial semelhante ao ChatGPT e que, dizem fontes próximas ao projeto, sairá do forno com conselhos de investimento.

Ao menos para os investidores de Wall Street.

A empresa solicitou o registro da marca de um produto chamado IndexGPT em maio, de acordo com o órgão que faz registro de patentes de Nova York. A informação foi noticiada, em primeira mão, pelo site da rede de televisão CNBC, mas foi confirmada à reportagem da Inteligência Financeira.

O sistema, segundo fontes próximas, empregará um software de computação em nuvem usando inteligência artificial para analisar e selecionar títulos do mercado financeiro, de opções à vista, até derivativos e fundos, adaptados às necessidades dos clientes do banco.