Quanto tempo é o longo prazo para investimentos no Brasil?

Uma das estratégias mais populares de investimento em ações é comprá-las e mantê-las por um período de tempo longo. No Brasil, quanto tempo é preciso esperar?
Pontos-chave:
  • Nos Estados Unidos o mercado de ações é bastante consistente e dificilmente um investidor perderá dinheiro se mantiver suas ações por um período superior a 10 anos
  • No Brasil o cenário é mais complexo e 10 anos podem não ser suficientes para um bom investimento
  • O Brasil é um país emergente complexo que exige mais dedicação e atenção dos investidores com suas carteiras de investimento, mas oferece excelentes oportunidades tanto na renda fixa quanto na renda variável

Uma das estratégias de investimento em ações mais populares entre os investidores é a chamada buy and hold. Consiste basicamente em escolher ações de empresas de alta qualidade, com potencial de crescimento, comprar estas ações e segurá-las em longo prazo para se beneficiar de sua valorização.

A lógica por trás desta estratégia é que os acontecimentos em curto prazo são imprevisíveis,  tudo pode acontecer para prejudicar temporariamente as ações da empresa: questões macroeconômicas adversas, problemas de mercado, novas tributações, novos concorrentes, entre muitas outras coisas.

Em curto prazo, portanto, os potenciais ganhos e perdas seriam muito imprevisíveis, o que impediria um bom investimento. Em longo prazo, contudo, se realmente a empresa for de alta qualidade, os fatores temporários seriam superados e as ações da empresa se valorizariam para refletir seus ganhos e crescimento consolidados no período.

Assim o buy and hold funcionaria em longo prazo. Conceitualmente é muito interessante, mas será que funciona na prática?

O Prêmio de Risco

Para responder esta questão há um detalhe técnico muito importante a ser observado: não basta a rentabilidade do investimento em ações, a chamada renda variável ser positiva, é preciso também que seja superior à rentabilidade da renda fixa no mesmo período.

Trata-se de uma questão bastante intuitiva, mas muitas vezes ignorada pelos investidores, de que o resultado de um investimento deve visto não somente como o retorno em si, mas como uma combinação entre retorno e risco.

Esta ideia foi formalizada por William Sharpe, vencedor do prêmio Nobel de economia de 1990, por meio do modelo CAPM (Capital Assets Pricing Model). De forma bastante resumida e simplificada, o modelo compara o retorno obtido com o investimento em ações com o retorno da renda fixa de risco teoricamente zero (ou muito baixo)

Ou seja, a Selic ou o CDI no caso do Brasil. Esta diferença é chamada de “prêmio de risco”. Por exemplo: se em 1 ano a sua carteira de ações no Brasil se valorizou em 10% enquanto o CDI no mesmo período pagou 6%, o prêmio de risco foi positivo em 4%.

As ações deveriam possuir um prêmio de risco positivo, ou seja, obter rentabilidade superior a renda fixa de risco zero, justamente por possuírem maior risco. Quanto maior for o prêmio de risco, mais bem-sucedido foi o investimento.

Voltando à questão se o buy and hold funcionaria na prática, uma forma de analisar a pergunta é verificar se, em longo prazo, haveria prêmio de risco positivo. Em caso afirmativo, seria uma evidência que a estratégia foi bem-sucedida, senão teria sido melhor simplesmente ter mantido os investimentos na renda fixa de baixo risco.

Para os Estados Unidos 10 anos como longo prazo funciona bem

Para os Estados Unidos, geralmente se considera “longo prazo” como 10 anos. O próprio Warren Buffett reforça esta ideia, dizendo que se um investidor não estiver disposto a manter uma ação por pelo menos 10 anos não deveria comprá-la. Este período faz bastante sentido quando analisamos os resultados passados deste país:

Estados Unidos (retorno % ao ano)AnosS&P500T-BondPrêmio de risco
Últimos 10 anos2013 – 202212,4%0,1%+12,3%
10 anos anteriores2003 – 20127,0%5,3%+1,7%
Últimos 50 anos1973 – 202210,2%6,1%+4,1%
Últimos 95 anos1928 – 20229,6%4,6%+5,0%

Fonte: Damodaran (2023)

Nos Estados Unidos o prêmio de risco tem sido positivo em quase todas as janelas de tempo acima de 10 anos. Considerando o S&P500 como renda variável e os títulos do governo (T-Bonds de 10 anos) como renda fixa, foi o que ocorreu nos últimos 10 anos de forma bastante significativa (+12,3% a.a.), mas também nos 10 anos anteriores, mesmo que em valor mais modesto. Quando se consideram os últimos 50 anos e até os últimos 95 anos o mesmo ocorre, todos prêmios positivos.

Para o Brasil 10 anos como longo prazo é mais complicado

Já no Brasil a questão é mais complexa. Dependendo da janela de tempo, mesmo superior a 10 anos, há uma probabilidade razoável do prêmio de risco ser negativo:

Brasil (retorno % ao ano)AnosIbovespaCDIPrêmio de risco
Últimos 10 anos2013 – 20226,6%8,7%-2,1%
10 anos anteriores2003 – 201220,2%13,6%+6,6%
Plano Real Jul 1994 – Fev 202311,8%15,9%-4,1%

Fonte: BCB e B3 (2023)

No Brasil, considerando o Ibovespa como renda variável e o CDI como renda fixa, nos últimos 10 anos o prêmio de risco foi negativo (-2,1% a.a.). Já nos 10 anos anteriores o prêmio foi positivo (+6,6% a.a.). Mesmo em um período mais longo, quase 30 anos de Plano Real, o prêmio de risco foi negativo em -4,1% a.a. Não foram considerados dados anteriores ao Plano Real, pois a altíssima inflação no Brasil no período distorceria a análise.

O que então o investidor deve fazer no Brasil?

O Brasil como país emergente possui um grande potencial de crescimento aliado a importantes fragilidades econômicas. Em outras palavras, retorno potencial mais alto, mas também maior risco quando comparado com os países desenvolvidos. 

Para lidar com isso e estabilizar a economia, historicamente, desde o Plano Real, o Brasil adotou uma taxa de juros alta. Este fato naturalmente dificulta a obtenção de prêmio de risco positivo e deixa o cenário mais complexo, do que nos Estados Unidos, por exemplo.

Apesar da taxa de juros ser hoje significativamente menor que no início do Plano Real, e dela ter diminuído de 2016 a 2021, tendo chegado à 2% a.a. durante a Pandemia, voltou a subir desde então para mais de dois dígitos (13,75% a.a. em março de 2023) e a perspectiva mais provável é de se manter alta nos próximos anos. Esta realidade brasileira traz duas implicações importante para o investidor.

A primeira é que o cenário no Brasil é mais complexo que nos Estados Unidos, com mais retorno potencial e mais risco ao mesmo tempo. O buy and hold continua interessante, mas o investidor deve fazer análises mais profundas do que simplesmente esperar 10 anos. Os ciclos econômico e político no Brasil podem demorar mais ou menos que esse período e assim o investidor deve estar sempre mais atento e acompanhar mais de perto a sua carteira.

A segunda é que no Brasil vale a pena manter sempre um percentual significativo da sua carteira de investimentos em renda fixa de baixo risco. Este investimento paga bem historicamente de forma consistente. Não se trata de abandonar a renda variável que pode ser bem interessante, veja o Ibovespa acima de 20% a.a. entre 2003 e 2012, por exemplo. Mas sim ficar mais vigilante e crítico quanto à composição de renda fixa versus renda variável na sua carteira, conforme o ciclo econômico e político do momento.

O Brasil é um país emergente complexo que exige mais dedicação e atenção dos investidores com suas carteiras de investimento. Apesar do maior risco e trabalho, oferece ao mesmo tempo excelentes oportunidades tanto na renda fixa quanto na renda variável. Saber navegar neste cenário e aproveitar as oportunidades é Inteligência Financeira.