Mercado de capitais e os negócios do futebol: fuja das armadilhas

Futebol é atividade de ato risco, e exceto se o dono da SAF for realmente rico e avalizar operações, é um negócio high yield

Nos próximos dias teremos um evento organizado pela CVM para falar sobre os negócios do futebol e o mercado financeiro e de capitais. Deve tratar desde a orientação da entidade sobre investimentos em SAFs, e levar uma visão de mercado financeiro e de clubes (SAFs e futuras SAFs) sobre o tema.

Tudo muito bom, mas como sempre nesses eventos, os remos levam o barco para uma única direção. Como gestor e profissional de risco, eu tendo sempre a ponderar o que pode dar errado, e fazer avaliações que me permitam tomar decisões a partir de vários cenários.

Por que os clubes abrem capital?

Sobre abertura de capital de clubes de futebol (SAFs), já escrevi várias vezes, e vou chover no molhado. Então, há dois motivos para se abrir capital de um clube, e eles estão associados. Um é para possibilitar que o torcedor seja dono do clube, numa colocação minoritária e pulverizada.

Já o outro é sobre aumentar a governança e transparência para esses pequenos investidores.

Ainda assim, esses investidores seguirão sujeitos a gestões e decisões tomadas pelo clube associativo, que seguirá majoritário. Não se iluda: quem tem maioria, manda.

Negócios do futebol: clubes não nascem para dar lucro

Como investimento e negócios, clubes de futebol não são feitos para dar lucro, e sem lucro não se distribui dividendos, o que faz com que o valor do ativo não cresça. Ou o crescimento estará sujeito a aspectos tão aleatórios como a conquistas de um título, na vitória de um clássico ou na contratação de um atleta.

Isso porque investimento em futebol está associado ao crescimento, e à formação de talentos, com venda futura do ativo. São poucos os casos de cubes de capital aberto no mundo. Alguns são mal geridos, como a Juventus, da Itália.

O que importa é o business

Pois bem, mas mercado de capitais e mercado financeiro é mais amplo que isso, e certamente estão pensando na emissão de dívidas. Agora as SAFs emitem Debêntures-Fut, e, com isso, poderão tomar linhas de longo prazo a custos baixos, certo? Errado.

Tanto faz se falamos de SAF ou clube associativo. O que importa é o business. Como se faz receita? Como se gasta? Qual o ciclo operacional? Qual a garantia que se presta numa operação? Qual a segurança na estrutura?

Então, independente do modelo societário, ainda falamos dos negócios do futebol. Essa é uma indústria que opera cada vez mais com receitas de performance.

Além disso, costuma gastar mais do que arrecada para buscar essa performance. E ainda tem gaps estruturais de caixa no 1º semestre do ano, concentrando receitas no final da temporada. Portanto, não precisa de muito mais para ver que o risco é alto. Mas seguimos.

Os riscos do futebol

Então, no futebol, o investimento tem desempenho incerto. Gasta-se na contratação e com salários de uma estrela que simplesmente não se adapta e joga abaixo do esperado.

E a carteira de parceiros comerciais nem sempre tem risco de crédito que conforte o credor. A não ser quando falamos em programas de sócios-torcedores e bilheteria.

Portanto, operações de crédito que demandam garantias são sempre menos óbvias que emprestar para uma empresa com carteira de clientes pulverizada e estabilidade de demanda.

Logo, futebol é atividade de ato risco, e exceto se o dono da SAF for realmente rico e avalizar operações, é um negócio high yield. No mundo todo.

SAFs devem mostrar serviço

Isso significa que os clubes de futebol não precisam de financiamentos?

Também significa que as SAFs precisam primeiro mostrar serviço, coisa que até agora não fizeram do ponto-de-vista de gestão financeira.

Assim, demonstrações financeiras ruins e com pouca transparência, prejuízos, aumento de dívidas. Sem contar a opção em se tornarem “independentes” na formação da liga, interessadas na antecipação de recursos da venda dos direitos, para a qual iniciará pagando CDI+3% e chegará em breve a CDI+8% aa.

Precisamos de tempo, de capacidade de análise das idiossincrasias do futebol, e essencialmente de postura corporativa por parte dos dirigentes, seja o presidente de uma associação, ou o dono de uma SAF.

Por enquanto, seguem todos dependentes de poucos financiadores, que se apoiam em recebíveis de direitos de transmissão, e cobram caro por isso.

Eventos que tratam do tema devem apontar as fragilidades do sistema. Seja pela mudança no formato de acesso às receitas – previsibilidade é fundamental, e melhor qualidade dos parceiros comerciais também. Ou por maior transparência financeira, privilegiando a sustentabilidade.

Dá para fazer melhor. Logo, precisamos remar para o mesmo lado, desde que a direção seja a correta.