Juro alto aumenta apetite para crédito privado; saiba como o ativo funciona

Quem investe em crédito privado deve perseguir retorno superior ao pago por títulos públicos com as mesmas características

- Ilustração: Inteligência Financeira
- Ilustração: Inteligência Financeira

Quando a Selic está alta, a renda fixa naturalmente ganha adeptos. Depois de dois anos desafiadores, o segmento de fundos de crédito privado, uma das modalidades de investimento em renda fixa, teve um 2021 muito bom e entra em 2022 com boas perspectivas.

Esses fundos investem em títulos de dívida corporativa, como debêntures, debêntures incentivadas, recebíveis imobiliários (CRIs) e do agronegócio (CRAs), além de dívida bancária, como CDBs, LFs (Letras Financeiras) e outras operações estruturadas. Eles podem ainda ter títulos públicos para compor o restante do patrimônio.

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“Tivemos o melhor ano da história do mercado de capitais olhando dívida corporativa, com vários emissores diferentes captando via debêntures, FIDCs [Fundo de Investimento em Direitos Creditórios] captando e investindo. Ou seja, muito dinheiro de investidor disponível de um lado e as empresas precisando se financiar de outro, aproveitando a janela positiva para fazer isso”, resume Marcos Iorio, gestor da Integral Investimentos, casa que administra alguns fundos de investimento em crédito privado.

De fato, os números da Anbima mostram que os fundos que investem em dívida de empresas tiveram captação líquida de R$ 104,46 bilhões em 2021, depois de terem apresentado resgate de R$ 225,11 bilhões no ano anterior.

Só a categoria de renda fixa, que abrange desde fundos de crédito privado a fundos de títulos públicos, registrou um saldo líquido de R$ 215,2 bilhões, recorde da série histórica para a classe. Boa parte disso vem do crédito privado.

Rentabilidade ajudou

A rentabilidade também ajudou. Levantamento feito pelo economista Marcelo d’Agosto, a partir de dados da plataforma Morningstar e considerando os fundos de crédito privado acompanhados no Guia de Fundos do Valor, mostra que 91% desses produtos renderam em 2021 mais do que o CDI. Os dez fundos de maior rentabilidade na categoria, aliás, tiveram retorno positivo médio de 12,5%, quase três vezes o CDI.

O investidor deve entender que quem investe em crédito privado (direta ou indiretamente) está emprestando dinheiro para uma empresa ou instituição financeira. E só faz sentido correr o risco de tomar o calote de um desses pagadores se a taxa de retorno prometida for superior àquela paga por títulos públicos com as mesmas características.

Por que o momento é bom para os créditos privados?

O que explica o bom momento dos investimentos em crédito privado? Será que o bom cenário deve se estender para 2022 também? Quais os principais riscos e oportunidades que os gestores enxergam para este ano? Gilberto Kfouri, responsável pela área de Investimentos e especialista em renda fixa da gestora do BNP Paribas explica que que em 2019, o mercado de crédito privado já havia passado por uma turbulência, com reajustes de preços dos títulos corporativos para baixo, devido à rápida queda dos juros e a um movimento de resgates em massa (entenda melhor aqui). E mal esse mercado tinha se equilibrado novamente e veio a pandemia.

“Tivemos em 2019 uma abertura das taxas e resgates dos fundos. Mal tínhamos nos estabilizado e veio a pandemia, que nos trouxe incerteza sobre o impacto da paralização da atividade no balanço das empresas e como isso poderia afetar sua capacidade de honrar suas dívidas. Os spreads de novo se abriram”. Quando fala spread, ele se refere à diferença de juro pago no mercado por um título privado e um título público, do Tesouro Nacional, que, em teoria, é o ativo com menor nível de risco do país.

Naquele momento, no início de 2020, os investidores, com medo, pediram resgates novamente, especialmente de fundos de liquidez diária ou que pagavam em poucos dias. Muitos quiseram o dinheiro para aproveitar as oportunidades da renda variável, já que todos os mercados estavam em baixa. Isso fez com que os gestores colocassem rapidamente seus papéis à venda, em um momento em que havia falta de compradores – os bancos, por exemplo, que são clientes fiéis, também tentavam ainda entender a extensão da pandemia.

Oportunidades de lucro

Em toda crise, porém, há oportunidades. E muitos fundos de crédito aproveitaram para comprar papéis das empresas mais bem avaliadas pelas agências de classificação de risco (ou seja, cujo risco de calote era menor), e que estavam pagando muito bem ao investidor. Novos produtos também surgiram neste momento e captaram dinheiro com investidores que entendiam que o prêmio de risco estava exagerado.

A BNP Asset não deixou passar a oportunidade para mexer nos produtos da casa. “aumentamos um pouco o mix de ativos de instituições financeiras versus corporativos. Hoje é meio a meio. Temos fundos só de ativos de instituições financeiras. Mas os fundos do tipo FIDCs e crédito corporativo estão bem mais balanceados; fizemos um movimento de deixar a carteira mais curta, com títulos de dois a três anos de vencimento para não corrermos muito risco lá na frente”, explica o gestor do BNP.

Em 2021, o vento virou a favor de quem comprou na bacia das almas no ano anterior. “Ao longo de 2021 vimos um mercado voltando ao normal, com as taxas fechando em 2 a 3 pontos percentuais, ou seja, os ativos voltando a pagar CDI + 1,2% a 2% ao ano. É um movimento saudável para o mercado, depois de dois anos sem racional de precificação de crédito”, relembra Christopher Smith, diretor de investimento da Capitânia.

A gestora, especializada em crédito no mercado imobiliário e de infraestrutura, também aproveitou o momento mais adverso de liquidez em 2020 para fazer boas compras, o que garantiu, ao longo do segundo semestre daquele ano e em todo o ano de 2021, bons retornos, mesmo em um momento de compressão das taxas.

“Ao longo da pandemia, quando a gente viu os ativos mais líquidos indo a taxas de CDI mais 5% ao ano, fomos migrando carteira para títulos corporativos ‘high grade’ [boa nota de risco]. Compramos crédito a taxas explodindo por problema de liquidez. Entendíamos que era problema técnico e não de crédito e, por isso, provemos liquidez ao mercado”, explica o executivo.

2022: mercado de olho na inflação

O mercado de crédito está mais preocupado este ano com questões macroeconômicas, como a inflação. Isso porque ela reduz o poder de compra das pessoas e, com a economia fraca, setores mais cíclicos e relacionados ao mercado doméstico ficam mais expostos, sem conseguir repassar todo o aumento de custos. Cita varejo e construção civil como exemplos. Na outra ponta elenca os de concessões rodoviárias e saneamento, defensivos, como bons setores mesmo nesses momentos, já que seu repasse de custos é regulado. Mesmo assim, “não vejo problema de crédito”, diz Pierre Jadoul, gestor de crédito privado da ARX Investimentos.

Com reportagem do Valor Investe

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


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