Luciana Seabra: ‘Tem gente que está perto da aposentadoria e só agora descobriu que investiu mal a vida inteira’

EXCLUSIVO: para especialista em fundos de investimentos, problema pode estar na relação entre analistas e investidores

Na balança entre o rendimento de um ativo e a comissão para o analista, o conflito de interesse está “no limite”. A avaliação é da sócia e fundadora da casa de análise Indê, Luciana Seabra, que, como sugere o nome, preferiu um caminho independente e fora do universo do mercado financeiro.

À Inteligência Financeira, Luciana enfatizou que a relação entre investidores e analistas “piorou muito” no último ano. Desde que deixou a casa de análise Spiti, vinculada à XP e que faz parte do Grupo Primo, do influenciador Thiago Nigro, a analista especializada em fundos de investimentos decidiu que não queria mais “ter corretoras ou bancos como sócios”. Assim, a Indê não ganha comissão e busca a fidelização do cliente.

A íntegra da entrevista você confere no vídeo logo abaixo:

Luciana Seabra: ‘Análise independente tem demanda’

Luciana explicou à IF o que a fez abrir uma casa de análise com patrimônio próprio. Para ela, o mercado financeiro “fica em uma torre de marfim” e perdeu os sentidos sobre “o que está acontecendo”.

“O mercado financeiro fica na torre de marfim e não está vendo o que está acontecendo: pessoas que chegaram perto da aposentadoria e investiram mal a vida inteira; gente que tinha um sonho e investiu em um fundo que nunca rendeu”, diz a fundadora da Indê. A missão da casa de análises fundada em janeiro é indicar fundos de investimento sem gerir patrimônio de clientes.

Luciana tem um grau de análise que se estende por dezenas de produtos na indústria fiduciária. Ela participou, por exemplo, da Semana de ETFs 2023, promovida pela Itaú Asset, e comentou sobre investimentos no exterior.

Com a criação da Indê, a analista planejava conquistar 1.000 assinantes na primeira semana do projeto. O número de inscritos para os relatórios da firma, segundo ela, foi quatro vezes maior. “Isso me mostrou que análise independente de qualidade tem demanda.”

O foco do investidor deve ser no longo prazo

Para Luciana Seabra, a relação com o investidor é a parte mais importante do processo. O lema de investimentos da analista é o mesmo para investimentos: foco no longo prazo.

“Eu recomendo muito a alocação estrutural para o longo prazo”, diz Seabra. O ideal é manter os investimentos, mesmo sob pressão de perdas, para capitalizar na recuperação do ativo ou fundo. É contraintuitivo, admite ela, mas é melhor do que migrar de ativo só porque o ticker está em queda no gráfico.

“Se o mercado estiver caindo, nós vamos repor. Tudo isso faz com que o investidor tenha que aguentar um pouco mais de dor no curto prazo. Mas, no longo prazo, isso faz com que as pessoas recuperem mais dinheiro do que quem ficou mudando toda hora porque ‘a grama do vizinho sempre está mais verde’.”

Luciana Seabra fala para a IF

Abaixo, você confere os principais trechos da entrevista que Luciana concedeu com exclusividade para a IF:

Você fundou a Indê há seis meses. Qual é o balanço?

Foi uma decisão muito difícil sair de um mercado mais conflitado e falar ‘vou por um caminho completamente independente e construir uma casa de análise com patrimônio próprio”. E muita gente me falou ‘esse negócio de independência é só você que pensa, porque o investidor muitas vezes nem sabe o que paga ou o quanto ganha quem recomenda aquele investimento para ele’.

O que faz a Indê?

Nós não tocamos no dinheiro do cliente. A Indê faz recomendações para o investidor, e ele executa – ou não. Gosto sinalizar isso para o mercado: vale a pena seguir o caminho da independência.

Qual é sua recomendação para o investidor lidar com as perdas?

Eu recomendo a alocação estrutural para o longo prazo. A referência em alocação de fundos no mundo é o David Swensey (criador do método Yale). E ele fala que investidores sérios na alocação evitam fazer market timing. Então, o que eu faço: se eu oriento investidores a, por exemplo, terem 30% do patrimônio em fundos de ações, ele vai ter 30% em fundos de ações e acabou. Se o mercado estiver caindo, nós vamos repor isso. Tudo isso faz com que o investidor tenha que aguentar um pouco mais de dor no curto prazo, porque em alguns momentos ele vai comprar mais de algo que está caindo, o que é zero intuitivo. Mas, no longo prazo, isso faz com que as pessoas recuperem mais dinheiro do que quem ficou mudando toda hora porque “a grama do vizinho sempre está mais verde”.

Qual é a sua avaliação sobre a nova norma da CVM, o Marco Regulatório dos Fundos?

Sem dúvida essa é a alteração regulatória mais forte que eu já vi acontecer no mercado de fundos de investimento. E vai trazer mais transparência. A pessoa física, na ponta, vai saber quanto o distribuidor ganha com a taxa de administração.  Porque hoje essa taxa é ‘uma só’. Quando estiverem claras as partes do gestor e do distribuidor, a pessoa física vai conseguir comparar os conflitos. Por que essa pessoa está me mandando ir de um produto para o outro? Será que ela ganha mais comissão? Então os conflitos vão ficar mais claros e isso é maravilhoso para evoluir o mercado e deixá-lo mais focado em alocação estrutural e menos em produto.

O que pode acontecer em relação às comissões?

O que eu acho que vai acontecer é uma transformação para produtos mais esquecidos, porque pagam pouca comissão. O investidor vai olhar aquilo e vai pensar “por que o analista está me pedindo para ir de um produto para o outro” principalmente na troca. Então, ele vai conseguir comparar a comissão paga por fundo. Se estão mandando ele sair de um fundo que paga menos para um que paga mais comissão, qual é a base para essa decisão? Aí ele pode entender que há um conflito ali. Pode ter a decisão de aceitar ou não migrar, mas ele vai saber que há conflito.

A relação entre analista e investidor piorou?

Para mim, piorou muito. Os conflitos estão no limite. O que às vezes é bom, porque é quando chega no limite, ao explodir, que entramos no ponto de alguém fazer algo diferente. Ter o contato direto com o investidor todos os dias, via redes sociais, me faz ver onde que está batendo o conflito. O mercado financeiro fica na torre de marfim e não está vendo o que está acontecendo. A pessoa que chegou perto da aposentadoria e só agora está vendo que investiu mal a vida inteira. A pessoa que tinha um sonho e investiu em um fundo que nunca rendeu. Não adianta ficar na nossa torre de marfim ganhando dinheiro em cima das pessoas. Isso me indignou e então descobri que precisava trilhar outro caminho.

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