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Vélez, do Nubank: ‘Todas as fintechs estão sendo colocadas no mesmo balde, mas a gente é muito diferente’
O cofundador e CEO global do Nubank, David Vélez, reconhece que a pressão do mercado para que a fintech comece a dar lucro incomoda, mas já era esperada, e não pode distraí-la do foco no longo prazo. É lá que, segundo Vélez , estão as maiores oportunidades no mercado latino-americano, onde ainda há muito espaço para a inclusão financeira.
De acordo com Vélez, o cenário econômico em 2022 está mais difícil do que se imaginava. A alta da inadimplência, diz ele, encarece o crédito e pressiona as margens num primeiro momento, mas depois elas tendem a retornar a patamares mais sustentáveis. “Isso de jeito nenhum coloca um desafio existencial para a gente, e parece que às vezes é visto desse jeito”, afirma, em entrevista ao Valor na sede do Nubank, em São Paulo.
Vélez atribui a queda das ações do Nubank (que caíram mais de 58% desde o IPO, em dezembro) à alta dos juros nos EUA, que afeta as empresas de tecnologia, e também à saída de alguns investidores antigos do banco digital. Ele não diz quais são. No entanto, para o banqueiro, o ceticismo em relação à fintech é maior entre analistas e investidores brasileiros. Leia os principais trechos da entrevista:
Quais são as perspectivas do Nubank para este ano, com eleições, inadimplência, crédito preocupando as empresas…
É um ano muito mais volátil do que a gente imaginou, ninguém estava esperando. Fizemos nosso IPO no meio de dezembro, o que foi um timing incrível, porque foi o último grande IPO em nível mundial. Aí, entramos em 2022 e o mundo mudou. Tem uma série de eventos e elementos que são muito novos e causam muita volatilidade. Isso repercutiu em diferentes empresas, especialmente empresas de tecnologia, que crescem muito, como a gente. Nossa tese como empresa, desde que começamos em 2013, é que as maiores empresas em todas as verticais, em todos os países, vão ser empresas de tecnologia, daqui a dez, 20 anos, empresas que talvez hoje ainda nem existem. Essa tese permanece, apesar desses elementos de volatilidade. E o mercado passou de focar muito no longo prazo para focar muito no curto prazo, mas somos uma empresa de longo prazo, e continuamos focados no longo prazo. Isso cria desafios de como a gente comunica ao mercado, sendo uma empresa listada, às pessoas dentro do Nubank, e aos investidores, obviamente.
Qual sua leitura sobre o cenário para o país?
A gente está com muito mais cuidado, em termos de Brasil, especialmente na parte de crédito. Temos aumentado a resiliência dos nossos modelos. A gente sempre presumiu, desde 2014, que o futuro seria pior que no passado. E tem sido uma boa decisão. Mas, para falar a verdade, quando a gente compara o que estamos prevendo para 2022 com o que já vimos, é muito melhor do que 90% do que nossa vida como empresa. A gente viu a pior recessão do Brasil em cem anos, impeachment, pandemia, contração de PIB de 7% em um ano, então tudo bem. É importante andar com cuidado, mas a perspectiva ainda é mais positiva do que vimos nos últimos dez anos, e isso gera oportunidades. Entrar nesse cenário tão bem capitalizado, com mais de US$ 3 bilhões em caixa e mais de US$ 12 bilhões em depósitos, cria uma grande oportunidade, especialmente no ambiente competitivo.
De que maneira?
No ano passado a gente via muita concorrência, e tem parado bastante nos últimos meses, do lado dos bancos e das fintechs. O ambiente competitivo está até mais interessante neste ano do que a gente viu nos últimos anos.
O mercado está freando a concessão de crédito? A competição está mais leve?
Sim, em todos os sentidos. Há seis meses todo mundo estava criando um banco digital, taxistas, varejistas, era a nova paleteria mexicana. Isso acabou. E realmente não existe mercado para 40 bancos digitais. Então, a gente entra em um momento de mais consolidação do mercado, onde as empresas que são mais fortes vão ganhar mais relevância.
Quando o senhor fala de oportunidades, se refere a ganhar participação de mercado de forma orgânica ou com aquisições?
É mais uma oportunidade orgânica, porque tanto fintechs quanto bancos pararam de investir, de crescer. Então, a pressão competitiva cai e isso cria uma oportunidade para a gente continuar crescendo e até acelerando em certas áreas de investimento. Tem uma pressão do mercado de que a gente tem que gerar lucro, mas a gente ainda não gera lucro por decisão própria, porque achamos que, com tantas oportunidades de crescimento no Brasil e fora, seria uma perda começar a gerar lucro para distribuir quando temos o maior mercado da América Latina ainda por ser conquistado. Então, a oportunidade orgânica é mais interessante. Mas a inorgânica também. Conversas de M&A [sigla em inglês para fusões e aquisições] que a gente tinha há 12 meses estão hoje na mesa de novo a um preço 70%, 80% menor. É um ambiente até mais interessante para crescer do que há seis, 12 meses.
A pressão do mercado para o Nubank dar lucro incomoda?
Incomoda, claro que sim. É uma pressão muito forte, mas a gente teve uma preparação psicológica de quase um ano, antes do IPO. A gente sabia claramente o tipo de pressões que iam acontecer, que são muito de curto prazo. Temos uma série de investidores de muito longo prazo, que pensam em dez a 15 anos, como a Sequoia. Eles investiram na Apple, LinkedIn, Oracle, Cisco, Yahoo, por 15 anos. Mas também agora há um monte de investidores que estão pensando no próximo trimestre, e tem muita pressão. Então, incomoda. Mas fizemos a tarefa de casa, quase psicológica, falando com todos os empregados, que: ‘olha, essa pressão vai vir, mas somos uma empresa de longo prazo, acreditamos que só conseguimos otimizar nosso impacto quando otimiza para o longo prazo, não no curto prazo’. É um desafio de comunicação e com certeza a gente vai perder muito investidor que não acredita que essa é a decisão certa.
Como foi essa preparação com executivos e funcionários?
Uns três meses antes do IPO a gente teve uma conversa com a empresa inteira. Mostramos as ações das maiores empresas do mundo hoje. Olha o que acontece com Facebook após o IPO, com Amazon, Apple. Todas caíram. A Amazon perdeu 95% do seu valor na bolha dos anos 2000. Quando se vê uma janelinha de três anos, parece um drama impressionante, mas quando se abre essa janela para dez anos, são as maiores empresas do mundo. O que a gente queria treinar psicologicamente nossos funcionários é que isso podia acontecer. E foi de fato o que aconteceu, com guerra na Ucrânia, juros nos Estados Unidos… Mas o importante é manter o foco nos valores, na nossa cultura, em entregar nossos resultados. Se continuamos focados, disciplinados, fazendo nossa tarefa de casa, daqui a cinco, dez anos, as coisas vão terminar bem. O importante é ter resiliência mental de focar nos clientes, no ‘roadmap’, e ignorar todas essas vozes, todo o barulho que existe lá fora.
O foco é no longo prazo, mas o cenário econômico tem exigido ajustes no curto prazo. Como o Nubank tem lidado com isso?
Tem duas frases de que gosto muito. A primeira é que não dá para desperdiçar uma crise, porque ela gera muitas oportunidades. A segunda é que a crise é a época em que você se prepara para o crescimento. É importante fazer um esforço de eficiência. Muitas empresas, incluindo a gente, contrataram muito nos últimos dois anos. Contratamos 4 mil pessoas. E temos muito processos que são ineficientes, muitos contratos que provavelmente não precisamos. Sempre crescemos de maneira muito frugal, olhando uma eficiência inteligente. Agora, tem uma oportunidade de ser mais eficiente. Estamos olhando a empresa toda. Mas ao mesmo tempo temos uma situação muito forte de liquidez e caixa. E sempre prezamos a qualidade da nossa equipe. Seria um erro estratégico cortar por cortar e demitir pessoas que são boas. Então, falamos claramente que não precisamos fazer demissões, que continuamos investindo e crescendo o número de pessoas. O que não significa que não haja oportunidades de eficiência.
Os ajustes não significam enxugamento de pessoal, então?
Exatamente, é que talvez existam alguns projetos que não faça sentido manter, então podemos cortá-los. Contratos que não estamos precisando, custos desnecessários que, pelo nosso foco muito grande em crescimento, provavelmente não tivemos a disciplina necessária para conseguir diferenciar. Não vamos fazer demissões, continuamos crescendo a quantidade pessoas que contratamos.
Como o sr. vê esse momento em que o investidor está cobrando mais do que simplesmente o crescimento pelo crescimento?
Esse é o desafio. Não podemos nos distrair da nossa visão de longo prazo por mais que tenha muito investidor agora querendo mais lucro no trimestre seguinte. Se a gente parar hoje de crescer, a gente gera centenas de milhões de dólares de lucro. É diferente de muitas outras startups. A gente não gera mais lucro porque decidimos reinvestir continuamente em novas oportunidades de mercado. Mas tem coisas que o mercado talvez não entenda. Todas as fintechs estão sendo colocadas no mesmo balde, mas a gente é muito diferente, por várias razões. A primeira é que nosso primeiro produto, que é o cartão de crédito, foi lucrativo no terceiro ano de lançamento. Hoje ele gera centenas de milhões de reais de de lucro, e o que a gente faz é reinvestir na Nu Conta, empréstimo pessoal, e outros produtos. Já estamos, basicamente, no ponto de equilíbrio no Brasil, e agora começamos a gerar lucro no Brasil para reinvestir no México e na Colômbia. A maior parte das fintechs está falando de lucro em 2028, 2029. Existe oportunidade de sermos lucrativos porque trabalhamos em um dos mercados de maior lucratividade do mundo, que é o mercado financeiro brasileiro. Um ponto interessante hoje que é nosso maior desafio é o investidor brasileiro.
Por quê?
Os investidores brasileiros e americanos têm olhado nossa história com olhos completamente diferentes. Os maiores céticos ainda são os brasileiros. E os maiores comprados são os americanos. Tem sido desse jeito desde que começamos, em 2013. Eu falo que, se o brasileiro pudesse, teria feito um ‘short’ do Nubank na rodada ‘seed’. Antes de fundar a empresa falei com 30 executivos do mercado e o ceticismo, negativismo, era muito grande. Me diziam que era impossível, que não dava para competir com os grandes bancos, que os reguladores não deixariam. Diziam que a gente nunca ia conseguir ter mais de 1 milhão de clientes, e conseguimos. Diziam que nunca teríamos uma licença de banco, e conseguimos. Diziam que nunca teríamos uma licença de banco, e conseguimos. Diziam que não conseguiríamos captar depósitos, e conseguimos. E pensaríamos que agora, com quase 60 milhões de clientes, gerando R$ 4 bilhões em receita no último trimestre, crescendo tanto, muitas das críticas já não existiriam, e elas continuam.
A que o sr. atribui isso?
Acho que ainda temos que provar muita coisa, somos uma empresa jovem. Mas, no fim, acho que existe um ceticismo do investidor latino-americano de que o sistema realmente permite uma formiguinha competir contra um elefante. Pelo histórico de crises, hiperinflação, corrupção, pelo fato de que o sistema talvez apareça como algo que não é justo. Essa história de Davi e Golias, na América Latina as pessoas não acreditam, pensam que Golias sempre vai ganhar. O americano, a história do capitalismo lá, é do Davi ganhando de Golias uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Olhe as maiores empresas do mundo hoje, Apple, Amazon, todas começaram sendo formiguinhas contra elefantes, então o investidor americano acredita nessa história. O brasileiro, latino-americano, não. Isso está no fundo do ceticismo, que hoje é traduzido nesse receio com a inadimplência. Estamos trabalhando para chegar um dia em que já não existam argumentos, que vai ficar muito claro. Não vai ser fácil. Vamos precisar de talvez mais cinco, dez, 20 anos, mas vai chegar um dia em que já não existam argumentos, que vai ficar muito claro. Não vai ser fácil. Vamos precisar de talvez mais cinco, dez, 20 anos, mas vai chegar um dia.
E por que as ações do Nubank caíram tanto?
É algo global, não só local, mas as vozes mais céticas são locais. É interessante comparar os analistas brasileiros e americanos. Se você olha o que falam os bancos de investimento brasileiros sobre a ação: é venda, venda, venda. E os americanos: compra, compra, compra. Essa mudança para se priorizar lucro e curto prazo, contra crescimento e longo prazo… o sentimento do mundo se alterou quando os juros americanos começaram a subir. E tem algo muito específico que é o momento em que o Nubank está de trocar de investidor. Hoje já temos investidores que estão conosco há cinco, seis anos, que começam já a distribuir suas ações, e a gente começa a trazer investidores novos que compram para estar nos próximos cinco, dez anos. É algo muito técnico, não há nada que a gente possa fazer. Em paralelo, o que a gente faz é manter o foco nos resultados. Os dois balanços que publicamos após o IPO foram espetaculares, batemos todas as projeções dos analistas, brasileiros e americanos.
Quando acabou o lock-up, o sr. ligou para os investidores e disse que eles não iam sair, mas agora afirma que alguns estão saindo. Quem são eles?
São os investidores de 2013, no nosso seed; a gente levantou capital de, chutando, 20 investidores diferentes. Dos principais, fomos falar com todos e estão super com foco em longo prazo, começando pela Sequoia, que é nosso maior e saiu publicamente falando isso. Mas tem outros três, quatro, cinco que têm mais dificuldade, que estão tendo mais pressão de retorno de capital . É negócio, não dá para fazer nada. Eles têm um percentual menor que estão distribuindo e isso vem afetando a ação, mas os principais, eu, Sequoia, management team, a gente não vende uma ação.
Qual a sua visão sobre a inadimplência? Até onde vai o atual ciclo de alta?
É difícil dizer. A inadimplência está aumentando e vai continuar aumentando por certo tempo. Parte é porque vinha de uma inadimplência muito baixa com a pandemia. Se duplicar em relação à mínima da pandemia, e analisar em um cenário de dez anos, ainda está muito baixa. O ponto é que existe tanta margem nos produtos financeiros que tanto faz. É como se o insumo do seu produto estivesse aumentando por certo tempo. Significa que suas margens vão encolher. Mas, eventualmente, voltam a patamares mais sustentáveis. Isso de jeito nenhum coloca um desafio existencial para a gente, e parece que às vezes é visto desse jeito. Isso não cria um desafio para a validade do nosso modelo de negócio, porque existe muita margem, muita resiliência. A gente tem um dos melhores modelos de crédito do Brasil, talvez do mundo. Temos a menor inadimplência em todos os segmentos. Até em função de trabalharmos com limites muito menores, o que continua sendo a maior razão de reclamação dos usuários. Ainda é o melhor jeito de controlar a inadimplência manter o limite baixo. E também é o melhor para o consumidor. Talvez ele não precise de um limite de R$ 5 mil. A gente acaba sendo o ‘policial mau’ que fala que você só precisa de R$ 1 mil.
O sr. é o policial mau e a Anitta é a policial boa, que fica pedindo para aumentar o limite? Como tem sido tê-la no conselho?
Tem sido muito enriquecedor. Tinha duas razões principais para trazê-la para o conselho. Primeiro, porque a gente é uma empresa muito obcecada pelo consumidor. E a gente tinha um conselho em que ninguém entendia esse consumidor. Tinha pessoas muito boas de tecnologia do Vale do Silício, investidores, CTOs. Mas eu perguntava: e você tem nosso aplicativo? Não, nunca tinha visto. Era uma contradição. E, segundo, um dos valores desde o começo é essa questão de diversidade. Diversidade de todo tipos, de ideias, de experiência, cria sempre um ambiente de melhor tomada de decisão. Nosso conselho era muito homogêneo. Tinha pouca divergência. Eu falava sim, todo mundo falava sim. Falava não, todo mundo falava não. Tem que ter mais ponto de vista diferente. Ela aumenta essa capacidade de diversidade. Consegue trazer um ponto de vista na mesa que a gente não tinha. E ela participa.
A Anitta traz também uma carga política para o Nubank. Ela é claramente contra o Bolsonaro. Como lidam com isso? Houve ruído na interação com o governo?
Teve ruído com certeza. Muito cliente não gostou, muito cliente amou. A gente, como instituição, não é política. A gente não apoia esse candidato ou esse candidato. Ela tem seus pontos de vista, é um desafio representar uma instituição. Mas também não consigo falar para ela ‘agora você tem que parar de ter seu ponto de vista’. É uma tensão. O melhor que a gente pode falar para os clientes que não gostaram e para os empregados que não gostaram é ‘olha, esse é o ponto de vista dela, você tem seu ponto de vista. Não é o ponto de vista da instituição, a gente não vai tomar partido aqui. Se você discorda dela, debata’. A gente acha que é bom quando existe divergência, mas existe espaço para discussão. O que a gente incentiva é essa discussão, que no fim é saudável para a democracia. Mas é um desafio.
Como tem sido a experiência de ter clientes investidores com as ações sob pressão?
Claro, a gente preferia que esse pedacinho que a gente deu para os consumidores duplicasse, triplicasse e não caísse. E eles têm visto esse pedacinho virar ainda menor. Ninguém gostaria de ver. A gente se pergunta muito: será que não deveríamos ter feito isso? Foi uma decisão ruim? E, no final, não. Acho que a gente fez o certo. Teve esse desafio da da ação nesse ambiente, mas o que a gente fala para eles é o que a gente fala para os investidores: pega esse pedacinho e deixa lá por cinco anos. Ainda estão no lock-up até o fim do ano. Mas é uma visão de longo prazo, e a gente está utilizando essa oportunidade para dar educação financeira. Tem todo um programa para esses 7,5 milhões de investidores para aumentar o nível de educação financeira no Brasil, que achamos que é muito baixo. Está funcionando bem.
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