Vale (VALE3) representa 85% da queda do Ibovespa em 2023
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A ação da Vale (VALE3) respondeu, sozinha, por 85% do desempenho negativo do Ibovespa neste ano. O índice acumula queda de 4,18% em 2023, e a ação da mineradora é responsável por 3,53 pontos percentuais desse número, conforme levantamento do Valor Data.
Como o papel é o que tem mais peso no Ibovespa – de 15,01% na atual carteira – e contabiliza uma baixa de 20,66% em 2023, arrasta o índice todo para baixo.
As perdas se devem tanto a uma recuperação econômica chinesa diferente do esperado quanto aos problemas da própria companhia, afirma Gabriela Joubert, estrategista-chefe do Inter.
“No fim do ano passado, gerou-se expectativa gigantesca de que a China viria com tudo, com recuperação forte de indústria, comércio e serviços. Não foi o que aconteceu, e agora começamos a enxergar isso”, diz.
Joubert lembra que, na semana passada, o índice de gerentes de compras (PMI, na sigla em inglês, baseado em pesquisas com profissionais de compras) do setor industrial chinês voltou ao campo contracionista. Enquanto isso, o setor imobiliário pena para ganhar tração.
“O investimento privado recuou em janeiro, fevereiro e março, e o PIB expressivo chinês no primeiro trimestre veio principalmente de serviços e gastos governamentais.”
As dificuldades do país asiático, maior consumidor de minério de ferro no mundo, se refletem no mercado da commodity. A tonelada do minério de ferro terminou a sexta-feira a 697,5 yuans na bolsa de Dalian, cerca de US$ 101, patamar bem inferior aos 863 yuans por tonelada no fim do ano passado.
Gilberto Cardoso, CEO da Tarraco Commodities Solution, destaca a demanda baixa por aço e o estoque reduzido nas siderúrgicas.
“Além disso, os altos-fornos chineses têm focado em custos, o que faz com que o minério de alta qualidade seja preterido e com que a Vale seja penalizada pelo mercado.”
A perspectiva para o minério nos próximos meses também não é otimista, afirma Thiago Ojea, sócio e analista de empresas da Apex Capital.
“A sazonalidade afeta o primeiro trimestre do ano, com questões como o período de chuvas no Brasil impactando a oferta de minério. Para o segundo trimestre, com a oferta acelerando por aqui, na Austrália e na Índia, que já não tem imposto de exportação, os preços podem ficar ainda mais pressionados, a não ser haja novos estímulos.”
Cardoso enxerga suporte para os preços do minério a US$ 100, mas sem grandes chances de romperem a barreira dos US$ 130, ainda mais com a China coibindo o avanço dos preços da commodity.
“O que pode ajudar, no segundo semestre, é a retomada do setor de construção, a começar pela finalização de obras inacabadas”, diz.
Joubert, do Inter, também credita o desempenho negativo da Vale às dificuldades de produção e venda da empresa.
“Vimos um primeiro trimestre muito fraco, com vendas ruins, recuperação menor do que se esperava na velocidade de produção. Não acho que a empresa vai conseguir cumprir o ‘guidance’ de vendas, então devemos ver alguma correção.”
Para a estrategista, a ação pode se manter em dificuldades no segundo semestre.
“Já houve correção, e acho que até o final do ano não dá para esperar que elas se recuperem muito, porque não deve haver crescimento significativo da China para impulsionar os papéis. Não quer dizer que elas [as ações] vão despencar mais, porque a queda já foi muito forte”, diz.
“A ação da Vale estava em quase R$ 100 e chegou a R$ 67.”
Segundo Ojea, da Apex, as perspectivas de crescimento chinês não devem ser revisadas para baixo, mas os setores importantes para as mineradoras têm dinâmica própria.
“Para o mercado das metálicas, interessa se ‘real estate’ [imobiliário] e infraestrutura, principalmente o primeiro, voltarão a receber estímulos mais fortes do governo. O foco parece ser terminar obras inacabadas, e não iniciar novos empreendimentos.”
Num horizonte mais longo, ele vê espaço para alta das commodities com a transição energética mundial. Um terço dos carros vendidos na China, destaca, é elétrico.
Para o Ibovespa, índice no qual as commodities têm forte peso, o segundo semestre pode ser positivo para ações ligadas à economia local, dada a possibilidade de ciclo de corte de juros, avalia Joubert.
“Já temos um cenário mais benéfico com relação à inflação em comparação com o fim do ano passado. Isso traz um cenário favorável para a economia brasileira”, diz.
Por isso, afirma, setores como construtoras e indústrias podem ser beneficiados com o juro em rota de queda. Entretanto, a estrategista lembra que a temporada de balanços do primeiro trimestre vem mostrando resultados piores que a expectativa do mercado, o que pode causar uma revisão para baixo nos preços das ações.
Por Augusto Decker e Matheus Prado
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