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‘A semana de 4 dias de trabalho é tão produtiva quanto a de 5’, diz autor de ‘De onde vêm as boas ideias’
A história mais extraordinária da humanidade não é a de um império, nem os descobrimentos, nem a corrida espacial. Para o teórico da mídia americano Steven Johnson, autor de “Longevidade: uma breve história de como e por que vivemos mais” (Zahar, 2021), é o processo pelo qual, ao longo de dois séculos, a expectativa de vida dobrou.
É como se cada pessoa tivesse direito a uma “vida extra”: ao nascer, esperamos viver cerca de 80 anos, e não 40, como era até o século XVIII. O extraordinário é que não foi resultado de um único salto ou de uma busca: para que pudéssemos levar vidas mais longas, foi necessária a convergência de avanços científicos, econômicos, tecnológicos, sociais e políticos.
Autor de diversos livros sobre a inovação e o impacto da tecnologia na nossa vida, como “De onde vêm as boas ideias”, Johnson esteve no Brasil em setembro para palestras na série Fronteiras do Pensamento em São Paulo e Porto Alegre. Seu argumento principal diz que a inovação não é fruto de um insight genial no cérebro de um indivíduo, mas o resultado de um processo lento, coletivo e, em certa medida, inconsciente. Depende de ambientes favoráveis para ocorrer — como as cafeterias criadas na Europa do século XVIII, onde a constante interação favoreceu o Iluminismo — e de mobilização social para ser implantada — como na campanha pela adoção do leite pasteurizado nos EUA, no início do século XX.
Ao Valor, Johnson falou sobre as tendências atuais da inovação e da longevidade, após o trauma da pandemia de covid-19, a ascensão da inteligência artificial e a disseminação do trabalho remoto.
Valor: A expectativa de vida parou de subir nos EUA. Já caía antes da pandemia e agora foi ultrapassada pela da China. Quão significativo é este momento?
Steven Johnson: É um momento fascinante. A convergência da expectativa de vida é uma das grandes histórias dos últimos 30 anos. Países como a Índia e outros em desenvolvimento tiveram ganhos velozes. A China é o caso mais marcante de dados de saúde se transformando rapidamente. Nos EUA, a ligeira queda da expectativa de vida de antes da pandemia se intensificou desde 2020. Acontece que, em comparação com os países do mesmo nível de renda, os EUA têm um desempenho em saúde muito inferior. É consequência principalmente da ausência de um sistema público adequado. E também da enorme desigualdade. Com a covid, vimos o impacto desproporcional sobre as populações negras e não brancas em geral. Esses eram fatores que já conhecíamos: a saúde é muito cara e poucas pessoas têm acesso a ela. Um fator adicional foi o lado político do problema, com a reação contra as vacinas e a saúde pública. Parte disso foi a loucura particular de Trump. Acho que não teríamos nada disso com outro republicano na Casa Branca, ainda que fosse muito conservador.
Valor: Pensávamos que a melhoria das condições de vida e o aumento da expectativa de vida prosseguiriam para sempre. Isso já não parece tão evidente. O que muda na nossa maneira de pensar?
Johnson: Tentei esboçar um pouco disso no fim do livro, ao afirmar que não queria fazer um relato triunfal. Não podemos cantar vitória. A lição dos últimos anos é que é preciso continuar se dedicando para conseguir avanços. Sem investimentos públicos em saúde, todo tipo de problema volta a aparecer. O mesmo acontece se perdermos a confiança na medicina. Mas há coisas positivas que vão emergir desses últimos três anos. Tecnologias como o mRNA para vacinas poderão salvar vidas, se desenvolvermos vacinas contra a malária, por exemplo. Outra coisa é que boa parte do mundo aprendeu a incorporar as máscaras no dia a dia. Na Ásia, era comum usar máscaras. Isso provavelmente salvou muitas vidas lá durante a pandemia. Em Nova York, ninguém usava. Agora, talvez as pessoas possam usá-las no metrô durante a temporada da gripe, por exemplo.
Valor: Seus livros insistem na importância do tempo e da calma nos processos criativos. Na nossa vida cotidiana, porém, a exigência de inventividade é constante e de curto prazo. Pode produzir o efeito inverso ao esperado?
Johnson: Além dessa ideia de estar sempre acelerado e quebrando padrões, tem também a velocidade das próprias tecnologias, que não deixam tempo para que aprendamos a integrar nas nossas vidas e aprender sobre suas consequências negativas. As coisas simplesmente acontecem. Gutenberg inventou a prensa móvel e levou cem anos para alguém ter a ideia de um índice. Hoje, com a inteligência artificial, há algo novo toda semana. Mas acho que a experiência das pessoas com mídias sociais está mudando.
Valor: Em que sentido?
Johnson: O ethos disruptivo não é tão dominante como há uma década. Há um entendimento de que ele não é necessariamente bom. No caso da IA [inteligência artificial], todas as empresas têm departamentos de segurança. Em 2008 não havia uma única empresa de mídias sociais disposta a contratar uma dúzia ou mais de pessoas para cuidar da segurança dos usuários. Ou para perguntar quais vão ser as consequências sociais da nova tecnologia. O problema é que podemos imaginar quais vão ser as consequências das nossas invenções, mas a velocidade com que elas entram em circulação é tão rápida que o que imaginamos já não vale mais. Um dos nossos maiores desafios é melhorar a capacidade de prever consequências.
Valor: E quanto à exigência de inovação constante no dia a dia do trabalho?
Johnson: É um problema e as empresas buscam maneiras de compensar. Há algumas tradições interessantes, como o tempo livre para a inovação. Você trabalha 80% do tempo em suas tarefas cotidianas, mas 20% do tempo você pode trabalhar em projetos que são quase hobbies. É um modo de cultivar a “intuição lenta” e muitas grandes ideias saem daí. Mas isso exige acreditar na ideia da “intuição lenta”, senão nada acontece.
Valor: O sr. conta duas histórias sobre benefícios de tecnologias abertas: o GPS, indispensável na vida atual, e a própria internet, que Tim Berners-Lee decidiu não registrar. Hoje, há queixas de que a propriedade intelectual se tornou tão restritiva que não favorece a inventividade. O sr. comunga dessa crítica?
Johnson: Sim. Houve um período interessante, entre as décadas de 1970 e 1990, em que surgiram diversas plataformas abertas. A internet, o GPS, padrões como POP, SMTP e outros. Talvez possamos incluir a Wikipédia e o Linux. Foi a era dourada das plataformas, com arquitetura aberta e controle coletivo. Em cima disso as pessoas tinham a liberdade de construir seus feudos protegidos e cobrados. Esse é um modelo excelente, um milagre da vida moderna. A internet, com padrões que não pertencem a nenhuma organização, é extraordinária. Mas abandonamos esse princípio. Acho que o maior problema é que nunca criamos um método aberto para descrever conexões sociais. A rede de Berners-Lee, por exemplo, na versão original era um desenho das conexões entre pessoas, mas quando ficou pronta era o desenho da conexão entre documentos. Por não haver pessoas nas estruturas de dados, as empresas puderam criar seus próprios gráficos sociais. Isso nos colocou em boa parte dos apuros em que estamos agora.
Valor: A experiência de usuário de redes sociais hoje é o oposto do que o sr. descreve.
Johnson: Sem dúvida! Seria preciso que a infraestrutura, o mapa de todas as conexões, com todas as pessoas que você segue, quem está conectado a você etc., fosse um padrão aberto. Qualquer um poderia pegar suas conexões e transferi-las para outra plataforma, onde alguém criou outra maneira de visualizá-las. Assim como alguém pode construir um novo navegador com um jeito diferente de visualizar documentos. Não tem sido assim. O Twitter tem um mapa fechado; o Facebook, outro; o LinkedIn idem. Essa é a principal razão pela qual o último capítulo do desenvolvimento dessas tecnologias não foi tão empolgante quanto os primeiros dez anos da rede. Houve uma época em que eu tinha uma certa esperança de que isso viria com a tecnologia blockchain. Mas já faz muito tempo, e até agora não veio nada nesse sentido.
Valor: Falando em blockchain, neste ano testemunhamos um “inverno cripto”, com quedas acentuadas das criptomoedas. É passageiro?
Johnson: Os dois anos anteriores foram uma bolha especulativa clássica. As pessoas despejavam dinheiro em vários esquemas malucos, tentando enriquecer com coisas que não tinham qualquer vínculo com criação de riqueza. O estouro da bolha não é surpreendente. A questão é se vai ser como a bolha da internet, em 2000. Havia muita especulação, mas a premissa de que a internet transformaria todos os aspectos da nossa vida, com grande expansão do comércio e da publicidade, se revelou verdadeira. A bolha foi uma correção, não um sinal de que tudo estava entrando em colapso. Era evidente que estávamos diante de um fenômeno de massa, que se integraria em nossa vida, transformando-a completamente. Não acho que o cripto tenha provado isso. Quem está usando blockchain, se não for para especular? Estou me tornando um pouco cínico com relação ao blockchain. Tento manter a cabeça aberta e acompanhar o que acontece. É claro que novas tecnologias atraem muitos charlatães e golpistas. Então tem que aceitar isso e olhar o que está no núcleo. Mas com o blockchain não estamos vendo muita coisa sair do núcleo.
Valor: Se esse turbilhão passar, a tecnologia ainda pode ser considerada válida? Pode ser usada de maneira mais interessante?
Johnson: Acho que sim. Gosto da ideia de um modelo de tokens como maneira de criar novos padrões e estabelecer um sistema em que os desenvolvedores de uma plataforma e os maiores usuários teriam participação no valor criado. O valor que o Facebook criou foi quase totalmente capturado por um pequeno grupo de fundadores e investidores. Seria interessante se houvesse um sistema em que criadores de grupos ou desenvolvedores que adicionem possibilidades à plataforma, tornando-a mais eficiente, pudessem extrair valor. O equivalente a obter ações de uma empresa, no modelo de blockchain, é obter tokens. Se o conjunto ganha em valor, essas pessoas ganham. Adoro essa ideia! Mas não aconteceu até agora.
Valor: Além de ampliar as possibilidades, como o sr. mostra, novas tecnologias como a inteligência artificial provocam um medo de obsolescência do humano. Talvez o temor seja comparável apenas ao da guerra nuclear no último século. É justificado?
Johnson: Há algo interessante nesse medo, que tem conexão direta com narrativas famosas da ficção científica. Milhões de pessoas viram no cinema histórias em que computadores ou robôs ficam inteligentes e dominam o mundo. Também há estudiosos sérios, como Nick Bostrom, dissecando as preocupações dos intelectuais com esse tipo de desenvolvimento. A soma disso tudo é um temor disseminado com a possibilidade de que as máquinas fiquem mais inteligentes que os humanos, a ponto de não entendermos o que fazem, ou que surja uma inteligência geral capaz de resolver qualquer problema, conhecer todas as teorias científicas do mundo sem interferência humana. Mas, mesmo se algo assim for possível, não vai acontecer nas próximas décadas. A ideia de que tanta gente se preocupe tanto com algo que não vai acontecer em 30 anos é interessante, se pensarmos, por exemplo, na revolução industrial. Quanta gente expressou preocupações com o uso de combustíveis fósseis para mover as novas máquinas, o que poderia levar, dali a 200 anos, ao acúmulo de carbono na atmosfera e ao aquecimento do planeta? Parece que estamos avançando no exercício de um músculo imaginativo.
Valor: Avançamos na capacidade de prever riscos?
Johnson: É o que acho. O problema é que as tecnologias avançam mais rápido do que antigamente. Parece haver uma corrida entre nossa capacidade de fazer previsões de longo prazo e a velocidade de desenvolvimento tecnológico.
Valor: Em que área o sr. acha que a inovação, hoje, mais amplia o campo do possível?
Johnson: Se estamos no inverno cripto, estamos no verão da IA. Como em poucos momentos na história, há várias coisas que ninguém era capaz de fazer com um computador dois ou três anos atrás, mas agora qualquer um pode. Mesmo com o computador mais poderoso do mundo, não era possível dizer: faça uma imagem ao estilo de Rembrandt misturando uma cafeteria do século XVIIII com um fliperama, como fiz recentemente. Ou: escreva um ensaio que compare [o músico inglês] Brian Eno a um golfinho. Isso aconteceu duas vezes na minha vida. A primeira foi quando a web surgiu. Até então, não havia como compartilhar globalmente a informação e pular de documento em documento. Passou a ser possível criar uma revista ou uma loja online que qualquer pessoa no mundo acessa com um browser. Antes de 1994 era impossível. Em 1996, a maior parte das pessoas já conhecia a rede. Esse foi um momento de transformação muito rápida. Os smartphones fizeram algo parecido, porque de repente você tinha um supercomputador no bolso.
Valor: O sr. ressalta também a importância do ambiente em que as inovações acontecem. Com a ascensão dos ambientes virtuais, o que pode mudar?
Johnson: Uma das coisas que acabaram sendo positivas nesse momento terrível da pandemia é que descobrimos a possibilidade de reinventar várias maneiras como a sociedade funciona. Eu diria que o período de março a maio de 2020 foi o maior momento de mudança coordenada de comportamento em um curto espaço de tempo da história da humanidade. Nunca vimos tantos bilhões de pessoas tendo que reorganizar a vida em tão pouco tempo, de modo sincronizado ao redor do mundo. As pessoas começaram a se perguntar por que dirigiam todo dia para o escritório por 40 minutos ou mais. Tudo recebeu um novo olhar. Eu viajava o tempo inteiro de avião antes da pandemia, nem pensava nesse fato, e hoje passar tanto tempo em aviões e aeroportos não é tão interessante. Isso forçou muitas pessoas a pensar, por exemplo, no fato de que coisas como o Zoom funcionam muito bem para conversas de duas pessoas, como entrevistas. Muita gente comprou um computador melhor para responder a essas novidades. Por outro lado, essa interface não funciona tão bem para reuniões, por exemplo.
Valor: E também tem as conversas junto à máquina de café…
Johnson: Exatamente. Todos esses momentos de encontro e acaso. O que não é planejado, todas essas coisas que acontecem em escritórios. Perde-se tudo aquilo que relato sobre as cafeterias. Vamos ter que fortalecer um modelo híbrido. O tempo no escritório vai se tornar mais especial. Para os dias normais, talvez não seja necessário ir até o escritório, e isso é ótimo. Mas vai ser preciso coordenar os dias em que as pessoas vão ao escritório e com isso aproveitar a oportunidade para fazer o que funciona melhor pessoalmente. Esse tempo de simplesmente estar juntos, pensando juntos, estabelecendo relações, fazendo as coisas mais complicadas, que não conseguimos fazer através das telas. Isso também se conecta à constatação de que a semana de quatro dias é tão produtiva quanto a de cinco. Oferece um dia extra para as pessoas, por exemplo, marcarem consultas médicas e coisas assim, trabalhando com mais foco e sendo mais produtivos nos demais dias. Essa era uma ideia radical antes da covid e agora está se tornando comum.
Por Diego Viana
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