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Saiba por que óculos made in Brazil estão ganhando mercado
Com design autoral, um olhar atento à diversidade populacional do Brasil e inovações na experiência de compra, as marcas nacionais de óculos vêm se tornando uma alternativa cada vez mais atraente para o consumidor brasileiro, sobretudo com a desvalorização do real nos últimos anos, que tornou os importados — que respondem por 90% das vendas do produto no país — cada vez menos acessíveis.
Criadas ao longo da última década, quatro das empresas que mais vêm se destacando neste cenário são Dindi, Lapima, Livo e Zerezes. Nenhuma delas chega a ser uma marca brasileira puro sangue, dependentes que são de matéria-prima importada (leia-se acetato de celulose, cujos fornecedores mais tradicionais estão na Itália ou França) ou tecnologia e mão de obra de outros países, em especial da China.
Além da desvalorização do real, outro fator favoreceu a consolidação dessas marcas nos últimos dois anos: a pandemia. O impacto positivo sobre o setor se deu em três vetores: dois objetivos, outro subjetivo. De cara, com as pessoas confinadas em casa, essas empresas iniciaram ou fortaleceram seus serviços de venda online, adotando provadores virtuais em seu e-commerce e melhorando a logística para entrega.
Já o uso excessivo de telas de computador e celular, durante os períodos de quarentena, fez com que os consumidores se dessem conta de que precisavam usar ou trocar de óculos. Em paralelo, o efeito especular dessas telas mexeu com a vaidade das pessoas. Longamente diante de seus rostos refletidos nas telas, muitos passaram a se preocupar mais com a sua imagem.
Segundo a consultora de tendências Lili Tedde, já há alguns anos os óculos se tornaram “um statement [uma declaração] de estilo e intelecto da pessoa, algo importante para a identidade das pessoas”. E, com a pandemia, as repetidas einfindas videoconferências transformaram computadores e smartphones em espelhos. Nem sempre elogiosos.
“Do pescoço para cima, o look todo se tornou muito importante. Essas reuniões online levaram as mulheres a usarem batom em casa, a colocarem brincos maiores e óculos diferentes. Sem dúvida, o rosto ficou mais em evidência”, avalia Tedde. “E, como existe uma tendência geral de mulheres conquistando postos altos nas empresas, o homem passou a se permitir ser mais visível e vaidoso, ficou também preocupado com seu visual e a mensagem que ele passa com seus óculos.”
Além do impulso da pandemia, as novas marcas brasileiras têm a seu favor o enorme potencial do mercado ótico, um fenômeno mundial. A Organização Mundialda Saúde (OMS) já considera a miopia a epidemia do século XXI e alerta que a necessidade de correção visual tem começado cada vez mais cedo, já na infância.
No caso específico do Brasil, não bastasse a chance de se avançar sobre a fatia de 90% do mercado hoje ocupada pelos produtos importados dos grandes grupos,c omo Luxottica e Safilo, há um grande déficit de uso de óculos na população. Segundo Ambra Nobre Sinkoc, diretora executiva da Associação Brasileira das Indústrias Ópticas (Abióptica), o Brasil tinha na época do último censo do IBGE, 2010, cerca de 80 milhões de pessoas necessitando de alguma correção visual, mas apenas metade desse contingente usava o acessório.
“E a OMS estima que 50% da população mundial precisa de óculos. Se trouxermos esse percentual para o Brasil, concluímos que deveria haver mais de 100 milhões de usuários”, afirma Sinkoc. “Há um gap muito grande na saúde visual, segundo as estatísticas, e isso significa potencial de mercado. Mas estamos numa fase em que o consumidor está despertando para as novas marcas nacionais, para os valores agregados que elas já trazem, as vantagens de se ter uma assistência técnica e peças de reposição locais, por exemplo.”
Segundo Marcelo Kitsuda, presidente do conselho de administração da Abióptica e CEO da Marchon Brasil, braço local de um dos grandes grupos distribuidores deóculos de luxo do mundo, o mercado ótico brasileiro deve crescer mais de 9% neste ano, ainda ecoando o que aconteceu devido à pandemia. Ele argumenta que, quando estamos conversando com uma pessoa, 80% do tempo olhamos nos olhos dela. Portanto, a peça mais importante que alguém vai vestir são os óculos.
“Mas isso agora é uma realidade espelhada nas relações pelas telinhas, que continuaram, mesmo passado o pior da pandemia. Além de você ver o outro, você se vê. E dói muito se você percebe que aquele seu par de óculos não está bem em seu rosto. Com isso, também veio uma mudança no estilo dos produtos procurados. As pessoas querem modelos com mais personalidade, um ar mais sofisticado e intelectual”, diz.
As marcas brasileiras têm respondido muito bem, obrigado, a essas demandas. A carioca Zerezes é uma das que mais vêm se destacando no setor, atraindo até mesmo clientes para quem “dinheiro não é um problema”, com preços que, no entanto, não passam de R$ 645. Desde que começou, em 2012, a Zerezes investe numa das ferramentas de marketing mais eficientes para impulsionar as vendas: o storytelling, as narrativas que constroem a identidade de uma marca.
Vendidos em lojas multimarcas, seus primeiros óculos eram solares e seguiram a onda do reúso de madeira nobre da época. Cada par trazia o nome do lugar onde o material, a exemplo de tacos, havia sido recolhido. Cerca de cinco anos depois, a Zerezes começou a flertar com o segmento de grau e aderiu ao acetato, novamentelançando mão de storytelling: o material era recuperado de fábricas desativadas, e os acessórios traziam a inscrição “garimpado e manufaturado no Rio de Janeiro”.
A marca foi criada por Hugo Galindo e Luiz Eduardo Rocha, ex-colegas do curso de design da PUC Rio, onde, segundo Galindo, havia uma formação “humanista e progressista, com muita responsabilidade sobre aquilo que se vai desenhar e materializar no mundo”. Formados, viram pouca oferta de trabalho em sua área eenxergaram na indústria ótica uma oportunidade.
“Era um setor muito obsoleto, cujo crescimento se deu com as franquias que, em sua essência, não oferecem produtos diferenciados. Já chegamos a ter centenas defábricas no Brasil, cada uma delas produzindo até 50, 100 mil óculos por mês. Isso até a década de 1990, quando o mercado se abriu, e poucas devem ter restado”, conta Galindo, que em 2016 trouxe um terceiro sócio para a Zerezes, Rodrigo Latini.
Tinha início, então, a expansão dos negócios, com a abertura das primeiras lojas próprias, hoje seis no Rio e três em São Paulo.
A demanda cresceu, e a Zerezes passou a terceirizar a fabricação a fornecedores na China, para onde, no entanto, continuam enviando seus desenhos, feitos ainda pelo próprio Galindo, numa equipe com apenas mais duas pessoas. Segundo ele, a mudança gerou uma economia de 30% em seus custos, valores que foram 100% repassados para o consumidor. O apelo estético, conta Galindo, ultrapassa o design dos óculos de sua marca. “Nós atacamos toda a experiência de compra, que deveser prazerosa”, diz. “Nossa proposta de negócios inclui espaços com uma arquitetura superbacana.”
Contemporânea da Zerezes, a Livo também começou em 2012, no segmento de óculos de sol, porém limitada à venda online, até a abertura de suas primeiras lojas físicas, dois anos depois. Hoje, a empresa possui 12 endereços próprios, a maioria em São Paulo. Em 2016, a marca mudou o foco para os óculos de grau, sem abrir mão dos solares. Seu preços variam de R$ 399 a R$ 599. Em julho deste ano veio o grande ponto de inflexão: a Livo foi comprada pela Lentesplus, empresa colombiana, presente ainda na Argentina, no México e no Chile.
“A Livo é a marca mais importante de nosso portfólio e ela será o guarda-chuva de todo o grupo”, conta Jaime Oriol, um dos sócios fundadores da Lentesplus. Segundo ele, em 2023 outras 50 lojas devem ser abertas no país e, nos próximos quatro anos,seu plano é abrir 600 lojas Livo no restante da América Latina. Oriol também está atento ao grande potencial do mercado no Brasil — segundo ele, 85% dos brasileiros nunca fizeram um exame oftalmológico.
“Então, o espaço para as marcas brasileiras crescerem é gigante. E as novas marcas que vêm surgindo têm feito um trabalho muito interessante, cobrando um preço que é justo, numa experiência de compra mais agradável”, diz Oriol. “Nas lojas Livo, o design de interiores é bonito e agradável. E investimos também no treinamentodos atendentes, que pensam os óculos mais como um acessório de moda.”
Mais recentes, Lapima e Dindi vêm disputando uma faixa de consumo distinta da de Zerezes e Livo, querendo competir de igual para igual com óculos assinados pelas maisons de moda, como Chanel ou Prada. Criada em 2016, pelo casal Gustavo e Gisela Assis, a Lapima incluiu óculos de grau em seu portfólio de solares a partir de 2020. A empresa tem apenas uma loja, em São Paulo, mas hoje exporta 90% de sua produção, para 30 países, sendo os Estados Unidos e a França seus dois maiores mercados lá fora. Seus produtos têm preços que variam de R$ 2.600 a R$ 3.200.
“Conseguimos romper uma ideia pitoresca de ser brasileiro, fazendo óculos. Isso foi possível garantindo não apenas a qualidade, mas a pontualidade da entrega”, afirma Gustavo, responsável pelo desenho das coleções, e cuja clientela é 80% feminina. “Mas, de duas coleções para cá, estamos falando mais com o público masculino”, diz Gisela.
Já a Dindi completou um ano em outubro. Também voltada para o mercado de luxo, a marca pertence a Ricardo Vernaglia, empresário que trabalhava há 20 anos como distribuidor de óculos de grifes no Brasil. Com preços que variam de R$ 1.800 a R$ 2.200, a Dindi nasceu 100% dedicada ao segmento de grau, ampliando depois para solares, não tem loja própria, mas há um plano, ainda sem previsão de data, de abrir uma flagship.
Atualmente, a Dindi está presente em 220 pontos de venda pelo país, “escolhidos a dedo”, segundo Vernaglia, e ele iniciou as exportações há dois meses, chegando a seis representantes no exterior, dos Estados Unidos à África do Sul. A partir de 2023, o empresário pretende expandir mais internacionalmente e, apesar de se considerar uma marca “sem gênero”, quer lançar produtos mais direcionados para o consumidor masculino, “de olho nas diferenças anatômicas”.
Embora tenham perfis distintos de público alvo e modelo de negócios, Zerezes, Lapima e Dindi têm uma decisão comum quanto ao futuro: diferentemente da Livo, não querem criar franquias. Para Galindo, da Zerezes, é importante manter “a mão na massa”, sendo autores de seus próprios óculos e mantendo controle de toda a experiência do usuário. “Quando você se torna franquia, distancia-se do consumidor”, afirma. “Não somos uma marca de pulverização, mas de segmentação, e nosso modelo permite que façamos nosso posicionamento direito”, diz Gustavo Assis.
Para a longeva Chilli Beans, marca nacional que apostou em design autoral e custo-benefício desde sua criação, em 1997, é preciso, no entanto, expandir. A empresa,que adotou o modelo de franquias no começo dos anos 2000, tem hoje mil unidades em 19 países, entre lojas exclusivas para solares e as óticas, para os modelos de grau, mercado para o qual entrou em 2019.
O fundador da marca, Caito Maia, afirma que, no mercado ótico brasileiro de grau em especial, há muitas oportunidades de crescimento, seja via franquias, com aquisições ou mesmo investindo em marca e serviço. “Por um lado, o consumidor entende e busca cada vez mais a saúde ótica e, por outro, deseja estar na moda com armações de estilo único, que traduzam a sua própria personalidade.
Os empreendedores precisam achar seu nicho, reforçar a comunicação e trabalhar para conquistar a confiança do cliente com itens de qualidade e serviço impecável. Há muito espaço para novidades, e quem sair na frente ganha a atenção do público.”
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