Alguém ganha com o day trade? Sim, mas não é o trader

Com o crescimento do número de pessoas físicas na B3 nos últimos anos, o day trade tem se tornado uma estratégia popular entre investidores, com a promessa de ganhos rápidos. Contudo, raramente os traders são os ganhadores nesta modalidade
Pontos-chave:
  • O day trade tem se tornado uma estratégia popular de investimento na bolsa de valores, especialmente pelo significativo aumento do número de pessoas físicas na B3 nos últimos anos
  • Esta estratégia, contudo, dificilmente traz resultados positivos para os traders, pela própria natureza do mercado de capitais
  • Os verdadeiros vencedores com o day trade são as corretoras, que recebem comissões a cada compra e venda de ações e os vendedores de cursos, treinamentos, softwares, aplicativos e métodos de day trade, mesmo que, em geral, as custas das perdas dos traders

Na coluna passada foi discutido que muito raramente os investidores que adotam a estratégia do day trade são bem-sucedidos. Foi citada a pesquisa realizada pelos pesquisadores da FGV Fernando Chague e Bruno Giovannetti sobre day trade no Brasil, na qual, os autores, ao pesquisarem uma grande base de investidores nesta modalidade, descobriram que 97% deles perdem dinheiro enquanto apenas 0,4% conseguem ganhos consistentes por mais de 1 ano.

Mas se objetivamente é tão difícil assim para o trader ganhar com o day trade, qual o motivo desta modalidade ser tão popular entre os investidores?

A explicação começa com o grande aumento de novos investidores na B3 nos últimos anos. De acordo com dados da própria bolsa o número de investidores pessoa física era de cerca de 700 mil em 2018 e saltou para 5 milhões no final de 2022. Naturalmente estes novos investidores geralmente são inexperientes e muitas vezes possuem uma visão equivocada sobre a natureza do mercado de capitais, confundindo um papel de investimento em longo prazo com um jogo de especulação de curto prazo, a metáfora do cassino.

A bolsa de valores tem por função primordial permitir que as empresas captem recursos de longo prazo para investirem em seus negócios, vendendo suas ações e adquirindo sócios com isso. Estes sócios muitas vezes são pessoas físicas diretamente, ou mesmo indiretamente, cotistas de fundos de ações.

Estes sócios, em troca dos recursos que investiram nas empresas comprando suas ações, terão o direito de participar do lucro futuro e do crescimento da empresa, auferindo potenciais ganhos por meio de dividendos ou aumento do valor das suas ações. É uma relação ganha-ganha em longo prazo entre empresas e investidores.

Nos países mais maduros economicamente, como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, entre outros, esta relação é bem compreendida pela população em geral que participa em peso do mercado de capitais, notadamente em investimentos de longo prazo, comprando ações para formar sua poupança para a aposentadoria. Nestes países maduros também existe day trade, mas há uma compreensão geral mais bem difundida sobre os riscos e a probabilidade contrária ao trader nesta prática, em especial para as pessoas físicas.

Já no Brasil, pela imaturidade do mercado de capitais e inexperiência de grande parte dos novos investidores ingressantes nos últimos anos, há uma confusão neste papel da bolsa. Muitos investidores acreditam que a bolsa funciona como “um grande cassino”, permitindo aos “jogadores” comprar na baixa e vender na alta, muitas vezes no mesmo dia. Com isso acreditam que conseguirão ganhos rápidos, sem grandes dificuldades.

O mercado, contudo, é muito eficiente do ponto de vista informacional e extremamente dinâmico. Como discutido na coluna passada, este é um jogo de velocidade e acesso a informações, então dificilmente um trader pessoa física, com seus recursos caseiros de computador, internet e celular conseguirá vencer os profissionais dos bancos e grandes fundos que contam com softwares e robôs especializados, servidores poderosos e dedicados e conexões de altíssima velocidade. As suas chances são mínimas, como mostram as pesquisas e os resultados em geral.

Quem ganha com o day trade?

Corretoras

Há dois tipos de vencedores no negócio de day trade: as corretoras, as quais ganham comissões toda vez que ações são compradas e vendidas e os vendedores de cursos, livros, treinamentos, aplicativos e softwares para day trade. Ambos são grandes incentivadores da ampliação desta prática.

As corretoras possuem todo o interesse que seus clientes movimentem o máximo possível as suas carteiras, pois são remuneradas por comissão a cada compra e venda. O day trade maximiza essa movimentação gerando muito mais lucro para as corretoras do que investidores com perfil de longo prazo que realizam um número muito menor de transações.

Além disso, o day trade ainda favorece os lucros da corretora, por um aspecto sutil, mas muito relevante, que é a assimetria entre ganhos e perdas. Para explicar essa assimetria, imagine um exemplo simples: um trader obteve uma valorização de 50% da sua carteira em um mês e no mês seguinte perdeu 50% do valor da sua carteira. Nossa intuição diz que o trader ficou zerado, não teve ganho nem perdas, certo? O ganho no primeiro mês foi perdido no segundo mês. Contudo isto está errado. Digamos que a carteira inicial do trader era de R$ 100,00. Veja o que aconteceu:

  • No primeiro mês ganhou 50% = R$ 150,00 (50% sobre R$ 100,00)
  • No segundo mês perdeu 50% = R$ 75,00 (50% sobre R$ 150,00)

Na verdade, o trader perdeu 25% do valor da sua carteira ao final de dois meses e assim será obrigado a fazer ainda mais transações e pagar mais comissões para a corretora (e mais lucros para ela) para tentar compensar esta perda.

Observe ainda que não importa se o trader começa ganhando (como no exemplo) ou começa perdendo, o resultado será o mesmo: na carteira de R$ 100,00 se perder 50% no primeiro mês seu valor será de R$ 50,00. Então se ganhar 50% no segundo mês seu valor sobe para R$ 75,00 exatamente como no resultado final do exemplo, perda de 25% ao final de dois meses.

Quanto maior o volume de transações, maiores as chances de perda, e portanto, maiores serão as necessidades do trader fazer ainda mais transações para tentar compensá-las, ampliando o efeito da assimetria e cada vez dando mais lucro às corretoras.

Naturalmente assim as corretoras são promotoras do day trade, por meio de propaganda, eventos, patrocínios, divulgações, todas as formas possíveis de promoção para esta prática que lhes é tão favorável, mesmo que às custas do quase certo prejuízo do trader.

Vendedores de cursos, livros, treinamentos, aplicativos e softwares

Além das corretoras, o segundo tipo de vencedor com o day trade são os vendedores de cursos, livros, treinamentos, aplicativos e softwares para day trade. Os investidores inexperientes, a maioria recente na bolsa de valores como já discutido, se interessam pelo day trade, mas não sabem como praticá-lo.

Este fato gera toda uma indústria de produção de conteúdo que lucra mais quanto maior for o número de traders. Contudo, novamente as pesquisas demonstram que mesmo os poucos traders bem-sucedidos dificilmente conseguirão criar um método, curso, treinamento, software ou aplicativo que consiga replicar o seu sucesso.

Isto ocorre pois como demonstram as pesquisas, grande parte do sucesso no day trade é fruto do acaso, da sorte, da aleatoriedade, que por definição não pode ser replicado por um método lógico estruturado.

Os poucos traders bem-sucedidos, na maioria das vezes, simplesmente tiveram mais sorte que juízo, contudo muitos atribuem o resultado não à sorte, mas a uma habilidade especial ou método particular, o que em geral não se sustenta.

Assim, nestes casos, comprar um treinamento em day trade esperando replicar o sucesso do trader famoso que o vendeu seria algo como um vencedor na loteria vender um treinamento de como ganhar na loteria. A “prova” de que o treinamento funcionaria seria o próprio caso de sucesso do vendedor, que afinal ganhou na loteria, certo? O problema com este raciocínio é que vencer na loteria é um ato meramente de sorte, não há como ser replicado. O mesmo vale, em grande medida, para o day trade.

O que fazer então?

Infelizmente não existem caminhos fáceis ou atalhos no mercado de capitais. Pela sua própria natureza e função de financiamento aos investimentos das empresas em longo prazo, dificilmente o investidor conseguirá resultados positivos de forma consistente em curto prazo.

As pesquisas e estatísticas demonstram isso de forma cabal. Inteligência financeira é aceitar os resultados das pesquisas e criar estratégias de investimento que maximizem suas chances de ganhar dinheiro em longo prazo.