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Por que bilionários têm obsessão por bunkers
Alguns anos atrás, o professor de mídia e de economia digital Douglas Rushkoff, de Nova York, foi solicitado a dar uma palestra em um luxuoso hotel de lazer em um longínquo deserto americano. Rushkoff supôs que falaria a dirigentes de bancos de investimentos a respeito de um livro que tinha escrito sobre a internet. Ao chegar ao local, no entanto, viu-se diante de meia dúzia de celebridades de empresas de tecnologia e fundos de hedge, e não de um público habitual de simpósio.
Os homens — sim, eram todos homens — estavam coletivamente divididos, disseram, em torno de certa escolha: Nova Zelândia ou Alasca? Temiam que o mundo estivesse se encaminhando para o que denominaram “O Acontecimento” — algum tipo de “colapso ambiental, agitação social, explosão nuclear, tempestade solar, um vírus ou invasão maliciosa de computador irrefreáveis que faria tudo vir abaixo”, diz Rushkoff. E queriam saber que região constituiria o refúgio mais seguro.
Estavam entre as outras questões que os preocupavam: a mudança climática seria pior do que a guerra biológica? Por quanto tempo eles provavelmente teriam de permanecer em um bunker, qualquer que fosse a situação? E, uma pergunta ainda mais crítica, como poderiam impedir que suas próprias forças de segurança os assassinassem? Eles buscavam essas respostas de Rushkoff porque ele tinha escrito anteriormente “Present Shock”, um conceituado livro sobre o futuro da tecnologia.
Rushkoff reconhece que não teve muitas respostas a oferecer, a não ser observar que, se os bilionários quisessem evitar serem assassinados pela equipe de segurança, deveriam começar desde já a ser muito gentis com seus membros.
Seu relato é intrigante por dois motivos. Em primeiro lugar, mostra o grau pelo qual donos de patrimônios consideráveis estão preocupados com a aproximação de uma catástrofe. Esse alarme é, há muito, uma marca do mundo contemporâneo. Como descreveu o escritor Garrett Graff, em arrepiante riqueza de detalhes, em seu livro de 2018 “Raven Rock”, o governo dos EUA criou uma ampla rede de bunkers no fim da década de 1940 para abrigar suas principais autoridades no caso de uma guerra nuclear.
O que mudou nas últimas décadas é que um número crescente de pessoas físicas comuns começou a se preparar para uma catástrofe também. Uma série de acontecimentos, desde o atentado de 11 de setembro de 2001 e o furacão Katrina, que causou cerca de 1,8 mil mortes ao alcançar em 2005 o Sul dos EUA, até as crescentes tensões entre a Coreia do Norte e o Ocidente, passando pela disseminação online de teorias de conspiração, alimentou temores de um colapso da sociedade.
A invasão da Ucrânia pela Rússia reconduziu a ameaça da guerra nuclear à consciência pública. Nesta semana o grupo francês de seguros Axa divulgou pesquisa que mostrava que 80% da população dos países ocidentais se sente significativamente mais vulnerável do que há cinco anos. A mudança climática, pela primeira vez, é considerada a principal ameaça na Ásia e nos EUA, bem como na Europa (onde já é encarada como tal há algum tempo), seguida pela instabilidade geopolítica (isto é, a guerra).
A pesquisa também revelou ter havido acentuada queda do número de pessoas que diz acreditar na capacidade de autoridades e políticos ou cientistas de enfrentar tais ameaças. “Há um sentimento de impotência”, diz o CEO da Axa, Thomas Buberl. Nas palavras de Ian Bremmer, diretor do Eurasia Group, “Não há marco regulatório institucional [eficaz] para abordar esses problemas […] ou mesmo para desacelerar a proliferação de armas perigosas”. Esse quadro desencadeou não apenas o crescimento do nível de atividade sobrevivencialista entre a população como um todo como também fez com que os ultrarricos buscassem refúgio, em bunkers de luxo, em iates ou em ambos.
O segundo motivo pelo qual a história de Rushkoff é intrigante é a possibilidade de que esse esforço atabalhoado para organizar a logística da vida no bunker agrave os problemas subjacentes. Quanto mais os ultrarricos pensarem que podem fugir do Armagedom, menor será possivelmente sua necessidade de sentir o desespero necessário para evitar que ele aconteça. Isso é especialmente deplorável, argumenta Rushkoff em seu novo livro, “Survival of the Richest”, uma vez que essas são as mesmas pessoas que exacerbaram problemas como a mudança climática, o conflito social e a desigualdade de renda. “Eles têm essa percepção de que você se torna um indivíduo soberano, superior a qualquer outro”, argumenta ele. Com os bunkers eles têm a possibilidade de comprovar isso.
É claro que parte dos super-ricos que buscam bunkers diriam que essas críticas são injustas. Como ressaltou um deles recentemente em conversa comigo, o impulso de se proteger e a seus entes queridos de ameaças é um instinto humano universal.
Muitas das pessoas mais ricas do mundo acreditam que estão tentando combater essas ameaças. Bill Gates, por exemplo, está injetando bilhões em causas de saúde e de mudança climática. Elon Musk afirma que quer evitar a guerra nuclear na Ucrânia (embora sua tática deixe muitos ucranianos horrorizados).
Mas a dura realidade é que nenhum bilionário, por si só, consegue corrigir os riscos catastróficos da mudança climática, da pandemia ou da guerra. Precisamos de ação colaborativa entre o setor público e o setor privado. Portanto, tenhamos esperança de que a crescente atmosfera de medo nos choque a todos a ponto de nos levar a buscar soluções. Se isso não acontecer, o futuro parecerá assustador — mesmo visto a partir de um bunker. (Tradução de Rachel Warszawski)
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