Análise: Em discursos, Lula dá indicativos do que será seu terceiro mandato

Presidente usou tons distintos: com políticos, reforçou ecos da campanha; com o povo, prometeu não olhar no retrovisor, diz Fábio Zambeli, do JOTA

Empossado presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu indicativos do que será seu terceiro mandato à frente da Presidência: politicamente, manterá o tom de campanha para denunciar o que chama de ‘desmanche’ promovido pelo seu antecessor. Isso ajuda a manter sua popularidade diante de uma situação desafiadora: segundo as pesquisas, ele assume com os menores índices de expectativa de sucesso desde a redemocratização.

Ao mesmo tempo, tentará acenar para uma parcela dos eleitores de Bolsonaro no sentido de reduzir a divisão do país, que, a depender da mobilização da oposição, pode afetar sua governabilidade. O petista buscou separar os seus detratores em dois segmentos, destacando que apenas uma minoria seria antidemocrática, extremista e golpista.

No primeiro discurso, tão logo foi oficializado presidente no Congresso Nacional, Lula fez uma fala de cerca de 30 minutos com forte conteúdo político em que ele procurou enfatizar as diferenças com Jair Bolsonaro (PL) e não fez os aguardados acenos aos eleitores do presidente, que teve quase metade dos votos em 30 de outubro. Falou para o Parlamento ,onde ainda não tem uma maioria folgada para governar, num tom que demonstrava até um pouco de sentimento de revanche com os opositores.

Depois, mais influenciado pela comoção do contato com o povo e após receber a faixa presidencial no parlatório do Planalto, procurou falar para o conjunto da sociedade e prometeu não olhar para o retrovisor e governar para todos. Ressaltando que a eleição acabou e a necessidade de evitar o clima de guerra permanente e combater a divisão do país.

O ponto em comum dos dois pronunciamentos foi a ênfase no social, que foi um marco da disputa eleitoral. Combate à desigualdade foi a palavra-chave das duas falas, além das mensagens endereçadas às minorias, à defesa do meio ambiente e outros mantras do palanque eleitoral. Na economia, destaque para a crítica veemente ao teto de gastos e o enfrentamento à narrativa de que seu governo será de “gastança”.

De forma geral, os apoiadores do presidente festejaram a conduta do petista e os opositores criticaram, como é parte do jogo democrático. Mas quem esperava que as palavras de Lula tivessem um poder catalisador de forças, de superação de diferenças, se frustrou um pouco.

Na classe política, o entendimento é o de que se trata de uma solenidade simbólica, festiva. Aliás, foi a cor vermelha que predominou na Esplanada dos Ministérios durante todo o dia, a cor do PT, dos movimentos sociais, prevaleceu, uma imagem que evidencia uma troca de guarda no comando do Executivo. Sai um governo de direita e entra um de esquerda. É a alternância democrática. A frente ampla que se preconizou durante a corrida presidencial não estava representada no semblante e nas declarações de Lula, que falou em golpe contra Dilma ao lado do seu vice, Geraldo Alckmin, que apoiou a deposição da ex-presidente.

Lula tratou de encontrar um substituto para a frente ampla pela democracia, que foi o gatilho da união dos divergentes na campanha. Agora, ele fala em frente ampla contra a desigualdade. Reparem que não há compromisso com preceitos econômicos e políticos. É mais uma ideia-força que serve para substituir a que foi usada durante a disputa eleitoral.

A maior parte dos dirigentes partidários que ouvimos aqui no JOTA avalia que era natural uma cerimônia mais intensa e ideológica neste primeiro de janeiro. E que se espera mais pragmatismo do presidente a partir de amanhã, quando terá que lidar com questões emergenciais, como o preço dos combustíveis e seu impacto na inflação.

E é bom que se diga, a PEC aprovada a toque de caixa pelo Congresso no apagar das luzes de 2022 dá margem política para Lula governar com certa folga no início do mandato. Os parlamentares criaram as condições mínimas para o petista atravessar as dificuldades iniciais da gestão. E agora caberá ao novo presidente a montagem de uma base mais sólida a fim de assegurar a implementação de uma agenda mínima para o semestre. Sem deixar de ter mente que o lema é colocar o pobre no Orçamento e o rico no imposto de renda.

(Por Fábio Zambeli, analista-chefe do JOTA em São Paulo)