Análise: Bolsonaro ignora “cartinha” pela democracia para manter trunfo contra o Judiciário

Apesar da pressão do QG de campanha, presidente acredita que assinar documento significaria capitulação ao TSE, diz Fábio Zambeli, do JOTA

O presidente Jair Bolsonaro (PL) (Foto: Clauber Cleber Caetano/Presidência)
O presidente Jair Bolsonaro (PL) (Foto: Clauber Cleber Caetano/Presidência)

A recusa do presidente Jair Bolsonaro (PL) em assinar a carta em defesa da democracia articulada por entidades e subscrita por outros quatro candidatos com mais intenção de voto na corrida pelo Planalto foi calculada pelo presidente para que ele mantivesse nas mangas um trunfo para questionar o sistema eleitoral brasileiro. Bolsonaro não abre mão desse discurso, embora tenda a usá-lo mais moderadamente a depender da velocidade de recuperação de sua candidatura nas pesquisas.

Um dos interlocutores do presidente relatou ao JOTA que Bolsonaro chegou a avaliar a possibilidade de endossar o manifesto, mas recuou por entender que a sua rubrica no texto poderia ser interpretada pelo establishment econômico e por atores internacionais de relevo como uma “capitulação” em sua retórica de contestação da transparência das urnas eletrônicas.

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Desde então, passou a minimizar a importância do documento, tachando-o de “cartinha política”. O chefe do Executivo repetiu essa fala em conversa com banqueiros e representantes do sistema financeiro, nesta segunda-feira (8/8), numa agenda construída às pressas para desfazer a percepção de que esse segmento teria embarcado na candidatura de Lula ao aderir à série de manifestações pró-TSE.

“Na campanha eleitoral é preciso fazer escolhas. O presidente optou por não assinar essa carta e ter outra carta na manga. Tem desgaste, claro. Mas qualquer outra conduta dele agora somando-se ao movimento seria sinônimo de abrir mão desse discurso, que é muito forte e, de certa forma, o empodera na relação com o Judiciário e o Congresso”, afirma essa fonte do Planalto.

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O núcleo político bolsonarista espera que o tom do presidente baixe na medida em que as pesquisas passem a mostrar um quadro mais equilibrado na corrida eleitoral. Ninguém com trânsito no gabinete presidencial, contudo, acredita que haverá moderação e disciplina na campanha, mesmo que os efeitos das medidas econômicas adotadas pelo governo surtam efeito.

“Negação da realidade”

Prova disso foi a reação de Bolsonaro ao tomar conhecimento do estreitamento da margem de Lula na pesquisa divulgada nesta segunda-feira pelo banco BTG, feita pelo Instituto FSB. O levantamento aponta que a distância entre os dois candidatos caiu pela metade em duas semanas, consagrando o efeito de medidas como a queda no preço dos combustíveis e nas tarifas de energia.

O presidente, informado por assessores ainda no final do domingo, respondeu com críticas à mídia e aos institutos, alegando que “todos vão começar a corrigir os erros agora que se aproxima a eleição”.

Aliados do centrão atribuem essa conduta a uma suposta “negação da realidade”. “É difícil convencer Bolsonaro de que existe sim uma recuperação na sua avaliação porque ele acha que as pesquisas simplesmente estão erradas e quem está certo é o tal ‘Datapovo’”, afirma um dos líderes partidários do centrão.

Esse mesmo interlocutor reclama da blindagem feita pelo QG digital da campanha, chefiado por Carlos Bolsonaro. “Eles montam a estratégia de modo a potencializar as agendas positivas, muitas vezes organizadas por militantes e apoiadores, e minimizar as agendas do ‘mundo real’, como a da churrascaria no domingo”, afirma esse parlamentar, referindo-se ao episódio fartamente registrado nas redes de vaias e aplausos simultâneos para Bolsonaro num restaurante da capital paulista.

Esse comportamento do presidente deixa seus operadores políticos apreensivos porque a preparação para os atos de 7 de Setembro tende a seguir a mesma lógica. “Pode colocar milhares, milhões nas ruas. É bem provável. Mas isso não significa que ele vai vencer a eleição. É necessário disposição para formar maioria, o que não está no radar de Bolsonaro hoje”.

(Por Fábio Zambeli, analista-chefe do JOTA em São Paulo)
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