Persio Arida e o Plano Real: o economista de fala mansa que enfrentou pesos-pesados da política

Conheça a história de um dos principais articulares da implementação do Plano Real

O enorme trabalho para a elaboração e aplicação do Plano Real tem tantas camadas sobrepostas que muitas vezes é impossível, no decorrer do tempo, colocar holofote em todas elas.

Assim, uma dessas batalhas quase esquecidas atualmente, a liquidação de bancos estaduais e alguns privados na década de 1990, foi travada por um economista de fala mansa, sereno, que hoje sorri muitas vezes ao lembrar de sua trajetória de enfrentamento com pesos-pesados da política nacional como Mário Covas e Antônio Carlos Magalhães.

Persio Arida não é qualquer economista.

É o ‘Rida’ da Proposta Larida, construída na década de 1980 em parceria com o também economista André Lara Resende. O plano previa a criação de uma moeda indexada que circularia paralelamente ao Cruzeiro, dinheiro utilizado no país à época. O objetivo era controlar a inflação.

A proposta serviu de inspiração para a criação da Unidade Real de Valor (URV), a ‘quase’ moeda utilizada exclusivamente como padrão de valor monetário (unidade de conta). A URV foi utilizada por quatro meses até o início da vigência do Real, em 1º de julho de 1994.

Plano Real e a batalha dos bancos

Então, a Proposta Larida é a face mais conhecida da carreira de Persio, mas não a única.

Ele foi presidente do Banco Central entre 11 de janeiro de 1995 e 13 de junho do mesmo ano. O presidente era Fernando Henrique Cardoso. E foi nessa cadeira, que antes havia sido ocupada de forma interina por Gustavo Franco, que Persio enfrentou o que podemos chamar de batalha dos bancos.

A crise bancária que sucedeu o Plano Real levou ao fechamento da maioria das instituições financeiras públicas estaduais e liquidou também alguns bancos privados tradicionais e importantes.

Um deles foi o Bamerindus, do eterno jingle publicitário: ‘O tempo passa, o tempo voa, e a poupança Bamerindus continua numa boa…’ Outro foi o Econômico. Outro foi o Nacional, eternizado no logotipo branco do boné azul usado durante toda carreira pelo piloto de fórmula 1 Ayrton Senna.

Mas o problema político estava nos bancos estaduais.

Assim, como lembrou Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda e outro dos principais arquitetos do Plano Real, eram bancos “que emprestavam para governadores e para empresas do estado que não lhes pagavam.” E, portanto, eram bancos que tinham de ser reestruturados.

Era um problema e tanto para se resolver.

O encontro com Mário Covas

Persio escolheu a seguinte estratégia: lidar com um banco por vez. A ideia por trás da estratégia era não gerar pânico. “Então, um banco por vez e sem dar perda aos depositantes”, disse ele, em entrevista à Inteligência Financeira.

O primeiro banco foi o Banespa, o Banco do Estado de São Paulo.

Era uma das principais instituições financeiras do país e estava sob a tutela de Mário Covas, governador do estado e um dos políticos mais importantes do país à época.

“Eu expliquei a situação para o Mário Covas, uma tensão horrorosa, porque era governador de São Paulo, já tinha nomeado a diretoria do Banespa e era na verdade a grande figura do PSDB”, conta Persio.

O PSDB era o partido do presidente da república e a maior instituição política do país ao lado do Partido dos Trabalhadores (PT) de Luiz Inácio Lula da Silva.

“Ele falou: ‘Mas olha, eu vou sanear o banco, eu vou resolver os problemas do banco’. Eu falei: ‘O senhor vai resolver os problemas do banco e o próximo (governador) vai quebrá-lo'”.

Estava vencida assim a primeira batalha.

Anúncio de véspera e Antônio Carlos Magalhães

Persio conta que no caso dos bancos privados não havia maiores implicações políticas. Mas como toda regra tem uma exceção…

A exceção atendia pelo nome de Antônio Carlos Magalhães.

O político baiano faleceu em 2007 e, até por isso, sua importância hoje não é verdadeiramente dimensionada pelos mais jovens. Cacique do PFL, hoje União Brasil, Magalhães era um peso-pesado da política nacional. É do mesmo quilate de José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Lula, todos presidentes da república.

Foi esse personagem com quem Persio conversou por ocasião do plano de intervenção do banco Econômico, do estado-natal do político.

“Em uma dada altura, a situação do banco estava difícil e o senador Antônio Carlos Magalhães, que era o senador todo-poderoso, foi me visitar no Banco Central e avisou o seguinte: que o povo da Bahia não iria tolerar que o Banco Central mexesse no banco Econômico”.

A ação gerou, conta Persio, uma corrida ao banco. E uma decisão rápida.

“Me obrigou a fazer a intervenção no dia seguinte”.

Assim, Persio cumpria nada além do que havia prometido em sua sabatina para assumir o BC e que constava no seu discurso de posse na instituição.

Itamar, a pizza e a batalha do rádio na véspera do Plano Real

Assim, em uma entrevista de aproximadamente uma hora, Persio lembrou de muitas passagens marcantes da época da implementação do Plano Real. Uma das histórias mais curiosas data da véspera de circulação da nova moeda em todo o país.

Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco
O então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, ao lado do presidente Itamar Franco. Foto: André Dusek/Estadão Coneúdo – 20/7/1993

Ele conta que o trabalho era incessante e que muitas vezes avançava a madrugada. Quando isso acontecia, havia sempre pizzas disponíveis para a equipe.

Em um desses dias, ocorreu uma situação que hoje o economista chama de bizarra.

A equipe trabalhava normalmente quando o então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero chama a ele, Pedro Malan e Edmar Bacha em seu gabinete.

Ricupero assumiu no lugar de Fernando Henrique, que havia deixado a posição para concorrer com Lula ao cargo de presidente da república, nas eleições de 1994.

Ao entrar na sala, Persio se depara com o ministro da Justiça da época, que trazia um recado do presidente em exercício Itamar Franco. “O Itamar tinha escutado um programa de rádio, desses de economia, e estava cheio de dúvidas na véspera”.

Dúvidas e mais dúvidas

Na véspera da moeda circular!

Persio conta que o ministro da Justiça começou a enunciar as dúvidas do presidente. E embora achasse tudo aquilo bizarro, uma vez que o país inteiro já sabia que a moeda iria mudar, disciplinadamente pegou uma folha de papel e começou a anotar as dúvidas.

“Aí o Ricupero falou ‘pode parar de anotar, suspende a conversa, vou conversar com o Itamar'”.

Ficaram na sala os três. Persio, Bacha e Malan.

Suspense!

“O que ele (Ricupero) obviamente fez, foi: ‘Olha, eu vou pedir demissão e a equipe econômica também’. Politicamente encerrou a história”.

O resto dessa história, todo mundo sabe. O Plano Real entrou em circulação e mudou a história do país.