‘Não tem mágica. Investir é uma maratona, não uma corrida de cem metros’, diz Roberto Setubal no Visão de Líder

Confira entrevista exclusiva à Inteligência Financeira, do copresidente do Conselho de Administração do Itaú Unibanco, Roberto Setubal

Talvez você não saiba, mas, nos 23 anos em que Roberto Setubal comandou o Itaú Unibanco, as ações do banco se valorizaram, em média, 23% ao ano em dólar. Isso em meio a uma lista infindável de turbulências, como as crises do México, da Ásia, da Rússia, da Argentina, da desvalorização do real em 1999, do subprime em 2008, o 11 de setembro de 2001, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016, sem falar em desafios de negócio como o surgimento das fintechs. Isso só para citar alguns eventos.

“Se eu soubesse que iria enfrentar tudo isso, teria desistido”, diz Setubal, copresidente do Conselho de Administração do banco ao lado de Pedro Moreira Salles. Ele é o entrevistado do episódio de lançamento do podcast Visão de Líder, uma produção da Inteligência Financeira que estreou em principais plataformas de áudio e também no formato videocast.

Todos os meses, você vai encontrar por aqui uma entrevista exclusiva com uma grande liderança nacional.

A ideia é que, como Roberto, esses personagens façam pensar e refletir sobre o Brasil e o mundo, dos pontos de vista econômico, político e financeiro. Acreditamos que, assim, a IF te ajuda a tomar as melhores decisões de investimento, carreira e negócio.

Abaixo, você pode ler destaques da conversa. Mas, quer um conselho? Separe meia horinha do dia para vê-lo e ouvi-lo no vídeo abaixo. Vale cada segundo.

O baixo crescimento brasileiro

Quando eu olho para o Brasil, infelizmente eu vejo que o crescimento nos últimos 40 anos tem sido medíocre. Devemos ter um crescimento de 2% nos próximos anos e acho que, para mudar esse quadro, a gente precisaria ter reformas mais profundas, como a fiscal. Mas é preciso considerar que para fazer isso demora um tempo. Se a gente começasse hoje, a gente levaria 3, 4, 5 anos para ver os resultados. Isso exige conscientização dos políticos, que têm que entender que a prioridade é o crescimento do Brasil. Em geral, a gente quer resolver problemas imediatos, com discussões em função do orçamento do Brasil. Eu vejo que o País vai ter um crescimento baixo, porque não existe essa consciência em torno do crescimento econômico. Não vejo os principais candidatos falando em crescimento econômico.

O peso do curto prazo nas decisões no dia a dia

Vivemos uma volatilidade muito grande, tudo no Brasil muda muito rápido. O cenário econômico, por exemplo: nós vimos o aumento dos juros nesses últimos ciclos, que foi muito rápido, mesmo para o mercado financeiro, que é ágil. Então, é muito importante estar atento ao curto prazo. O Brasil não é um país fácil de você administrar, de você gerir uma empresa. Você tem que estar muito atento ao curto prazo, ao mesmo tempo em que você tem que estar olhando o longo prazo. É como você estar em uma estrada, indo para Belo Horizonte. Você não pode apenas pensar em chegar na cidade. Você tem que ir olhando cada curva, cada ultrapassagem, ter atenção sem perder o rumo.

“Eu teria desistido”

Se eu soubesse que iria ter que enfrentar tantas crises mundiais e locais, eu teria desistido. Realmente foi uma lista grande de dificuldades, problemas e surpresas. O Brasil é difícil e as empresas têm que ser muito mais resilientes em razão dessa volatilidade e de coisas que a gente tem enfrentado aqui. Os administradores brasileiros têm que ágeis para estar olhando variáveis diferentes. Eles ficam atentos aos fatos que normalmente em outros lugares você não precisaria pensar. Essa tensão faz parte da vida do executivo de sucesso no Brasil e das empresas que sobrevivem.

A hora da “desglobalização”

Eu acho que os últimos 40 ou 50 anos foram espetaculares para o capitalismo, especialmente depois do fim da Guerra Fria, com todo o processo de globalização. Os ganhos de produtividade foram espetaculares, a integração da China e do Oriente com o Ocidente possibilitou a globalização e os ganhos de produtividade. Sem dúvida, contribuíram para uma inflação muito baixa porque os bens de consumo de uma forma geral caíram de preço brutalmente, além de toda a tecnologia eletrônica. Tudo isso trouxe ganhos enormes que ajudaram muito a reduzir o preço de tudo, em um período deflacionário de 30, 40 anos, e possibilitou juros muito baixos no mundo inteiro. E os juros mais baixos contribuíram para o crescimento macroeconômico. Quando olho para frente, vejo um cenário diferente deste que vivemos até aqui. Vejo uma tendência à “desglobalização”. Estados Unidos e China são as duas principais economias do mundo e estão muito tensionadas. Tem ainda a questão de Taiwan, que vive uma certa disputa pela hegemonia econômica no mundo, a Rússia em com a guerra na Ucrânia. Então, eu acho que a tendência é que haja uma produção descentralizada.

O que falta ao Itaú

Meu pai (Olavo Setubal) costumava dizer que a gente trabalha botando um tijolinho no muro a cada dia, nada acontece de uma vez. A gente está sempre construindo e tem que continuar construindo, olhando para a frente. Se alguém chegasse para mim no dia que eu assumi o Itaú e falasse “Você vai ter que fazer isso tudo”, eu diria que seria impossível. Mas é aquela coisa: você vai todo dia botando um tijolinho atrás do outro e vai construindo alguma coisa. Quando você olha para o passado, pensa: “Puxa vida, fizemos tudo isso ao longo desse período!”. Ninguém sabe aonde vai chegar. A ideia é continuar construindo e sempre procurando melhorar, porque sempre dá para melhorar alguma coisa. Vamos buscar os benchmarks, saber quem está fazendo o melhor no Brasil. No que a gente está menos preparado? O que os concorrentes estão fazendo muito melhor do que a gente? Tem muita coisa que os concorrentes fazem melhor do que a gente, coisas brilhantes, ideias fantásticas. A gente viu as fintechs chegando com propostas melhores do que a gente tinha, atendimentos muito melhores para clientes. Corremos atrás, reformulamos, nos reinventamos.

Um novo Roberto Setubal

Ao longo de 23 anos, eu terminei minha carreira de uma forma muito diferente de quando comecei. Eu não era o mesmo executivo, me reinventei algumas vezes. Eu comecei como um executivo, digamos assim, do século passado. Eu era muito mais formal, muito mais hierárquico, muito mais rígido. Eu acho que no longo do prazo a gente vai se soltando, vai ficando mais aberto, vai se adaptando. Até porque eu comecei muito jovem como presidente do banco e fui mudando completamente. Eu fui querendo ouvir muito mais, mas foi um processo. No começo, eu tinha uma sala só minha. No final, eu trabalhava numa sala com todo o pessoal junto comigo. No começo, todo mundo me chamava de Doutor Roberto. No final, todo mundo me chamava de Roberto. Estou usando alguns exemplos muito simples, mas eles mostram uma mudança cultural que acontece dentro da empresa na qual fui me adaptando.

O poder da tecnologia

No mundo financeiro, os bancos de uma forma geral sempre foram e sempre estiveram no centro das mudanças tecnológicas Porque o sistema financeiro não tem um produto físico, então a tecnologia sempre acontece muito rapidamente. Quando eu entrei no banco, vieram as primeiras ATMs (caixas eletrônicos). Aquilo era uma mudança enorme. Desde que banco é banco, a tecnologia é fundamental. A essência da atividade é a mesma há 50 anos, o que a tecnologia traz é uma escala completamente diferente. E vai continuar sendo assim. Não acho que vai mudar substancialmente a essência da atividade financeira, o que muda são as possibilidades e a escala. O Itaú é um sobrevivente dessas mudanças todas. Muitos bancos ficaram pelo caminho porque não se adaptaram. E é isso que o Itaú tem no seu DNA: a questão tecnologia muito forte. Dobramos nossa equipe de tecnologia, trouxemos muita gente de fora, compramos empresas, estamos investindo muito e hoje temos um roadmap para saber onde queremos chegar, para estar em condições de competir com as fintechs em um curto espaço de tempo.

Como pensa o Roberto Setubal investidor

Eu sempre tive muito foco na criação de valor, que é diferente do lucro. Criação de valor você olha a construção de uma empresa que será sempre lucrativa. É pensar em lucros futuros, não no lucro do próximo trimestre ou do próximo ano. É a construção de uma empresa que vai ser capaz de fazer com que ela gere lucros por muitos anos. Se você tiver este olhar, você estará investindo na capacidade de a empresa crescer, inovar, de atrair talentos. É toda uma complexidade que possibilita uma empresa ter sucesso. Você tem que procurar, como investidor, empresas que tenham essa característica de gerar valor, que tenham essa consistência no tempo, empresas que tenham equipes boas, sejam bem geridas, tenham uma visão de mercado adequada.

O que é ter inteligência financeira, segundo Roberto Setubal

Ter inteligência financeira não é uma coisa simples. Primeiro, é preciso entender como funciona o mundo financeiro, ter informação, estar bem informado, ouvir as pessoas certas e entender que não tem mágica. É uma maratona, não é uma corrida de 100 metros.