‘Incorporadoras têm desafio com financiamento e mão de obra, mas vivem seu melhor momento, diz Luiz França, da Abrainc

Em entrevista, presidente da associação de construtoras fala sobre momento do setor

Em um mercado com poucas novidades, o bloco de empresas de construção é, hoje, uma rara exceção. Turbinadas pela nova fase do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), os papeis do setor registram forte alta e, segundo analistas do mercado, devem continuar nesse passo, na medida em que as incorporadoras seguem acelerando seus lançamentos.

Existem riscos no horizonte, apontam os analistas de mercado. No longo prazo, as fontes de recursos para financiamento, o ‘funding‘ para a construção. No curto e médio prazo, os riscos vem da pressão em torno da mão de obra. O problema, diga-se, foi recorrente em outros ciclos de expansão imobiliária.

Para falar sobre isso, a Inteligência Financeira entrevistou Luiz Antônio França, presidente da Associação Brasileiras das Incorporadoras (Abrainc).

Segundo ele, “todo mundo se preocupa, obviamente, com mão de obra”. Mas diz que esse é um problema geral no Brasil. “Todos os setores tenderão a enfrentar problemas de mão de obra” , diz.

Confira a entrevista a seguir em dois formatos. Por escrito, com os principais trechos. E, em vídeo, no final da matéria, com a conversa na íntegra.

Neste momento, quase todo gestor de ações tem papéis de uma incorporadora na carteira. Geralmente, uma de média renda e, pelo menos, uma de baixa renda. O setor se tornou mais atrativo?

Acho que o Brasil é atrativo no mercado imobiliário. Nós temos um déficit habitacional de 7,8 milhões de moradias. E, além do déficit, você tem a formação de novas famílias. Então, para os próximos dez anos, será necessário construir mais 11 milhões de moradias.

Hoje, o nível dentro das incorporadoras, dos executivos, é altíssimo. E este ‘upgrade’ foi muito importante. Hoje elas estão com capacidade financeira boa. Ou seja, têm caixa e capacidade de investir para trabalhar em função de zerar o déficit.

E tem o MCMV, que neste ano vai completar 15 anos. Cinco incorporadoras da bolsa atuam no programa: Cury, Direcional, MRV, Plano & Plano e Tenda. Dá para dizer que elas vivem agora seu melhor momento dentro do programa?

Sem dúvida nenhuma esse é o melhor momento. O governo, logo que entrou, tomou medidas para que mais pessoas pudessem acessar a casa própria. O gargalo que você tem é de financiamento, porque o ‘funding‘ para o Minha Casa, Minha Vida vem do FGTS. Nós temos certeza de que o FGTS nos próximos dez anos terá sustentabilidade. Mas seria importante outra fonte (de recursos), adicional ao FGTS, para que a gente pudesse construir mais.

A Receita reduziu recentemente a alíquota do Regime Especial de Tributação (RET) de 4% para 1% nos projetos residenciais do faixa 1 do MCMV. Qual será o resultado prático dessa medida para o setor?

Na verdade, o 1% é imposto que já tinha. O que foi feito? Foi reeditado agora esse RET de 1%, que será aproveitado por aquelas empresas que venderem casas para pessoas com renda até R$ 2.600 (a faixa 1, de entrada do programa). Isso, obviamente, é mais um incentivo para que a gente trabalhe com a população de baixa renda.

Vai trazer mais incorporadoras para atuar nesse setor? Por exemplo, a MRV tem somente 30% do portfólio dela hoje focado nessa faixa. Esse tipo de incentivo é suficientemente atrativo pode trazer mais empresas?

Acho que em todas as faixas haverá crescimento. E na faixa 1, dado que a gente tem essa capacidade de ter o RET 1%, você deve ter um crescimento um pouquinho mais acelerado, sem dúvida nenhuma.

Vai aumentar a margem de lucro das incorporadoras?

As empresas estão trabalhando cada vez com mais eficiência para gerar aumento de margem. Isso é uma coisa que eles estão fazendo já há anos.

Outra medida é o FGTS Futuro, anunciado pelo governo. Relatório divulgado pelo BTG Pactual recentemente disse que essa deve ser a cereja do bolo para o setor em 2024. Qual será o impacto dessa medida?

A empresa recolhe o FGTS para todas as pessoas que trabalham e são registradas, obviamente. E recolhe 8% ao mês. Então, um exemplo muito claro, é quando uma pessoa vai ao banco. O banco analisa o crédito dela e sai de lá com a resposta que tem capacidade de pagamento, mas de uma parcela que equivalha a 20% da renda. Só que ela não encontra imóvel com esta parcela. Então, agora, o que ela vai fazer? Ela vai agregar esses 8%. Vai ter capacidade de compra, agora, de 28%. Isso impulsiona o mercado. Eu, particularmente, acho que dando certo isso na faixa 1, eu acho que seria muito interessante para outras faixas também.

Você estão conversando sobre isso com o governo?

A Abrainc sempre está conversando sobre isso. Isso é uma coisa que a gente discute há muito tempo e a gente acha que é muito bom. Se você for pensar, quando a pessoa compra a casa, principalmente a pessoa de baixa renda, é um patrimônio. Isso é muito importante. Tudo aquilo que você puder fazer para dar capacidade de compra, você está ajudando aquela família a ter um patrimônio, o que é fundamental para todo mundo. Mas, mais ainda para as pessoas menos favorecidas.

Essas medidas trarão um impacto importante no volume da indústria. Elas podem desembocar em um aumento no preço dos imóveis para o consumidor?

No (programa) MCMV não deve ter aumento de preço de imóveis. Eu acho que não. Até porque você tem um teto. Então, se você pensar o aumento, eu teria que limitar ao teto.

Com essa expansão, o setor vê alguma pressão com mão de obra?

Todos os setores tenderão a enfrentar problemas (de falta de) mão de obra. Então, o que está se fazendo é trabalhar para você ganhar cada vez mais eficiência, para que fique menos dependente de um grande número de pessoas.

Agora, o que vem a favor disso é a reforma tributária, O regime tributário que tem hoje não propicia que você construa algo fora do canteiro de obra e leve depois para o canteiro. Essa venda (hoje) é tributada. Com a reforma tributária, você terá capacidade de não ter uma penalização do imposto. Isso vai te dar um ganho de escala muito grande quando você industrializa certas partes de uma residência.

Mas essa questão de falta de mão de obra está colocada hoje nas incorporadoras ou não?

Todo mundo se preocupa, obviamente, com mão de obra. Mas a gente ainda não viu ninguém falar assim, ‘parei uma obra por falta de mão de obra’. Não tem, assim, uma coisa drástica, como todo mundo me pergunta.

Todo mundo se preocupa, obviamente, com mão de obra. Mas a gente ainda não viu ninguém falar assim, ‘parei uma obra por falta de mão de obra’

Luiz França, presidente da associação das incorporadoras

O INCC (índice calculado pela FGV para medir inflação dos insumos da construção) seguiu sob controle em março, em 3,3%, e está estável desde julho do ano passado. Vamos ter uma esticada no índice?

Eu acredito que o INCC não deve ter uma alta brutal. Houve uma correção de preço muito grande lá atrás, após a pandemia. Isso faz com que não haja necessidade de um aumento em função de uma maior demanda. Então, acho que o INCC deve ficar controlado (neste ano).

O mercado está corrigindo a taxa de juros Selic esperada para o final do ano. Alguns gestores já falam de taxa terminal em 9,75%. Essa Selic pode reduzir o ritmo de vendas?

Tem uma pesquisa que mostra que, em vários países do mundo, com a taxa de juros abaixo de dois dígitos, você tem obviamente um maior volume de pessoas com capacidade de compra. Então esse é o número mágico que a gente já viu acontecer no passado. A taxa de juros chegar no final do ano a 9,75% ou a 9%, que seja, ela está abaixo de dois dígitos. Isso vai propiciar que mais pessoas entrem no mercado.

A poupança continua com saídas líquidas já há algum tempo. Qual a sua perspectiva desse movimento sobre a concessão de financiamento no médio prazo e longo prazo?

Você não tem o problema de liquidez. Se o banco não toma do poupador, ele vai ao mercado e vende as LCIs. Você tem um problema, sim, de aumento de taxa de juros. E, para nós, é muito importante uma taxa de juros mais baixa.

Outro ponto. A gente acredita em operações (de crédito imobiliário indexadas) em IPCA. Isso tem acontecido muito nos bancos médios, que nunca tiveram uma grande caderneta de poupança. Eu acho que (esse) vai ser o futuro do mercado imobiliário quando tivermos no Brasil taxas de juros mais baixas.

Sobre IPCA, tem uma discussão no governo sobre a criação de um instrumento para transformar financiamentos indexados em Taxa Referencial (TR) em produtos atrelados ao IPCA, justamente para viabilizar funding para o setor. Em que pé está hoje essa discussão?

O ministro (Fernando) Haddad na semana passada falou que está para ser enviada para o Congresso uma proposta. Não sei se vai ser uma MP ou um projeto de lei. Se for um projeto de lei, imagino ser de caracter de urgência.

A medida vai ser muito importante para o mercado. Por dois pontos. Primeiro, se você conseguir pegar o volume da poupança e fazer com que os bancos possam vender esse papel, porque a restrição da venda do papel hoje é porque você tem indexador em TR. Então, se você conseguir ter indexador em IPCA e vender o papel, o banco abre espaço para novas operações.

Segundo, a gente começa a ter um volume de mercado com o mercado secundário. Isso é outra coisa que é muito importante. Eu acredito muito no futuro do mercado imobiliário com operações onde o tomador vai tomar (empréstimo indexados) a IPCA, mais uma certa taxa de juros.