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Botafogo e Cruzeiro: estratégias diferentes para o mesmo ‘all in’
Na semana passada, a coluna abordou a janela de transferências de atletas do atual verão europeu, que precede o início da temporada no velho continente. No Brasil costumamos sofrer mais impactos negativos que positivos, com saídas de muitos jogadores, desfalcando nossas equipes.
As chegadas são raras e pontuais. Ops…vamos repensar essa frase, pois o cenário mudou.
Desempenho do Brasil nas janelas de transferência
Desse modo, nos dados de transferências internacionais, atualizados e oficializados pela FIFA no relatório Internacional Transfer Snapshot, o Brasil apresentou desempenho muito diferente dos últimos anos, conforme o gráfico a seguir.
Então, veja que em 2024, os clubes brasileiros investiram 3,2 vezes o valor investido em 2023. E isso apenas em transferências internacionais. O maior valor da série. Estamos, portanto, falando de algo como R$ 1,2 bilhão em contratações. Sem considerar salários, comissões, luvas e custos acessórios.
Botafogo e Cruzeiro: 40% das movimentações
Dentre os destaques nessa movimentação temos o Botafogo, que para trazer 3 atletas – Vitinha, Almada e Matheus Martins – investiu R$ 248 milhões. Ou cerca de 25% do valor total de contratações vindas do exterior para o futebol brasileiro.
O clube que vem a seguir é o Cruzeiro, com R$ 236 milhões. Ou seja, ambos foram responsáveis por cerca de 40% das movimentações na atual janela de transferência.
Existe portanto uma óbvia semelhança entre Botafogo e Cruzeiro: ambos são SAFs, com investidores que optaram por investir valores acima das capacidades normais dos clubes para aumentar a competitividade das equipes. Mas com características e visões aparentemente diferentes para o longo prazo.
Um pouco sobre o Cruzeiro
O Cruzeiro é um clube cujo dono é um torcedor, que habita o mundo do futebol há algum tempo. Pedro Lourenço é empresário de sucesso e capitalizado. Dessa forma, ao comprar o Cruzeiro de Ronaldo, mudou completamente a forma de ação.
Antes, sob gestão do Fenômeno, a Raposa era um clube que tinha o objetivo de buscar eficiência financeira. Não havia dinheiro sobrando, mas muitas dívidas oriundas da associação para serem pagas.
Criou-se então uma estrutura de gestão com visão corporativa. Ou seja, gasta-se o que pode, da melhor maneira possível. E isso não agrada o torcedor. Especialmente vendo o rival Atlético MG num patamar de gastos acima da sua capacidade, bancados pelos então chamados “mecenas”.
A realidade bateu à porta do Galo, que foi obrigado a se transformar em SAF, e elevando os mecenas ao patamar de acionistas. Apesar de ainda gastar aparentemente acima da capacidade, a maior parte do dinheiro está sendo usada para liquidar passivos caros, feitos para garantir as conquistas de 2021, único momento de sucesso da estratégia de “all in” do clube.
Portanto, para qualquer clube de receitas médias no futebol, igualar a capacidade de investimentos de Flamengo, Palmeiras, Corinthians e São Paulo demanda aportes anuais da ordem de R$ 300 milhões apenas para a roda girar.
E do lado do Botafogo?
Já o time carioca faz parte da estratégia de multiclubes (MCO – Multiclub Ownership) da Eagle Holdings, controlada por John Textor. Enquanto a estratégia de Pedro Lourenço é investir para fazer seu clube do coração – e do qual é o dono – campeão, Textor tem claramente uma visão sistêmica: usar os 3 clubes do qual é acionista controlador – tem 45% do Crystal Palace, mas não tem poder de gestão – para rodar atletas e ganhar na diferença entre valor de compra e venda.
Vamos lembrar que para ganhar dinheiro com futebol há duas formas: comprar clubes em baixa e vendê-los em alta. E negociando atletas, comprando desconhecidos a baixo custo e vendendo-os por valores maiores depois de se destacaram em competições relevantes.
Aliás, Textor parece pensar nas duas coisas. Mas com algum risco de execução, na humilde opinião desse que vos escreve. O Molembeek da Bélgica é um clube pequeno de um mercado de formação. O upside está apenas na formação e venda de atletas.
O Botafogo era uma marca relevante no Brasil, mas que passava por dificuldades e a chegada da Eagle recuperou o clube e seu valor. Já no Lyon, a realidade é outra. Disputa uma competição difícil, com um campeão virtual. Pagou caro e não conseguiu transformá-lo na flagship, que seria capaz de valorizar os atletas encaminhados por Botafogo e Molembeek.
E como não consegue operar o Crystal Palace, Textor quer porque quer um clube na Premier League para transformar em flagship, de fato. Enquanto isso, por incrível que pareça, o Botafogo é a referência. Isso porque é o único com possibilidade de conquistar títulos, a partir da formação de elenco competitivo.
Uma forma de ganhar dinheiro no futebol
Aliás, a lógica financeira é simples: contrata atletas cujo pagamento é feito em 3 ou 4 anos, aumenta a competitividade, conquista – é o objetivo – e depois vende esses atletas antes de pagar a segunda parcela do carnê, com (teoricamente) lucro. Está correto. Falei acima que essa é uma das formas de se ganhar dinheiro no futebol, como fazem Atalanta, Lille, Sporting, Benfica.
Então está tudo certo? Calma, mais ou menos. Primeiro porque a contratação é uma dívida e um custo (salários) certos. Enquanto a venda depende do interesse de algum clube. E como o mercado europeu tem demandado atletas abaixo dos 21 anos, há mais risco em negociar atletas mais velhos. Sim, 24 anos já é o limite e o valor nem tão alto.
Depois, se a negociação não for rápida, as parcelas começam a vencer e os custos aumentarem. Tem salários, encargos, comissões de compra e venda. Comprar por € 15 MM e carregar o atleta por 2 anos já significará que precisa vender por, pelo menos, € 20 MM para justificar a operação.
Outro ponto de divergência na estratégia é que os clubes que operam bem a tese já estão na ponta final, a Europa. Além disso, costumam contratar atletas ainda mais baratos, disputando competições em nível local.
Diferenças com a Europa
Então, por melhor que seja o campeonato brasileiro, há uma distância com as ligas europeias. O que mitiga isso é a Liga Árabe, que tem contratado atletas na casa dos 24 anos e algum potencial, mas que não despertam interesse europeu.
Por fim, o fato do principal clube europeu ser o Lyon, e não uma flagship numa liga maior é algo que dificulta a operação. Atletas estão voltando de lá, no lugar de irem para outros clubes, possibilitando lucro na negociação.
Diferente do Cruzeiro de Pedro Lourenço, que está gastando para conquistar e ser lembrado como de ter feito o clube do coração ser campeão. E certamente não está preocupado com a questão financeira. Por isso, a avaliação é de que trata-se de mais um mecenas do modelo “SAF Mineira” – no Botafogo a Eagle Holding pretende ganhar dinheiro.
Quer abrir o capital, colocar algum caixa para dentro da estrutura, mas precisa fazer a tese funcionar. Se vencer com o Botafogo, poderá dizer que tem capacidade de gestão, e fazer o negócio andar. Se não, corre o risco de ter pesado a mão no “all in”.
O fato é que, num ambiente desregulado e com a chegada das SAFs, movimentos como os de Botafogo, Cruzeiro e Bahia – falaremos deles em outro momento – colocam mais pressão nos clubes associativos, que precisam mostrar que sua força financeira tem equivalência na gestão esportiva. Ou resolver suas pendências financeiras para que o dinheiro trabalhe pelo futebol.
Enquanto isso, cartas na mesa: será que a melhor mão é de quem chamou o “all in”?
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