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Lições atemporais de um investidor
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A edição da Penguin é muito bem cuidada, com tradução elegante e muitas notas de rodapé que explicam o jargão do mercado de capitais para os não iniciados
É possível aprender a ganhar dinheiro com a bolsa de valores lendo um livro escrito há 100 anos? Será que as lições de um investidor daquela época, dos anos 1920 e 1930, já não se tornaram ultrapassadas e vão levar a desastres financeiros de quem segui-las, ainda mais num momento de grandes incertezas econômicas como o atual, com a pandemia ainda se constituindo uma ameaça e o cenário complicado pela guerra da Rússia contra a Ucrânia?
Depoimentos de investidores bem-sucedidos e a republicação sistemática ao longo de décadas de “Reminiscências de um operador da bolsa”, de Edwin Lefèvre, contradizem essas impressões baseadas no senso comum. Não se sabe, com certeza, quantos exemplares já foram publicados da obra, até porque foram muitas as editoras, mas ela é um best-seller da área de investimentos e guia para muitos que aplicam em ações. No Brasil, uma nova versão do livro foi lançada neste mês pela Portfólio/Penguin, 12 anos depois que a Campus publicou o mesmo livro.
O mundo e as bolsas de valores mudaram muito, claro, nos últimos 100 anos, mas logo no primeiro capítulo o narrador do livro afirma que uma “lição que aprendi cedo é que não há nada de novo em Wall Street. Nem poderia haver, já que a especulação é algo tão antigo quanto andar para a frente. O que quer que aconteça no mercado de ações hoje já aconteceu antes e acontecerá novamente. Nunca me esqueci disso. Acredito que realmente sou capaz de me lembrar de quando e como certa coisa aconteceu. Essa é minha maneira de capitalizar a experiência”.
São muitos os depoimentos de como “Reminiscências…” continua atual e útil. No prefácio da nova edição brasileira do livro, Florian Bartunek, fundador da gestora Constellation Investimentos, garante que leu a publicação pela primeira vez em 1990 e depois disso o relê a cada dois anos. E explica seu continuado interesse pelo texto:
A dinâmica dos mercados será sempre a mesma, dado que os seres humanos não mudam. As reações e emoções continuam iguais. Investidores alternam medo com ganância, gerando movimentos exagerados para cima e para baixo. As economias ainda atravessam ciclos – às vezes mais curtos, às vezes mais longos -, o que gera volatilidade e faz com que o mercado também funcione assim. O livro nos mostra várias maneiras de aumentar os ganhos e reduzir perdas ao longo desses ciclos.”
Florian Bartunek, fundador da gestora Constellation Investimentos
Mas de que trata concretamente “Reminiscências…”? Autor e personagem central tiveram vidas curiosas. Jesse Livermore, em quem o livro foi baseado, foi um investidor em ações americano, que viveu entre 1877 e 1940 e ganhou destaque pela ousadia das suas operações em Wall Street, que foram a inspiração para que Lefèvre escrevesse o livro.
Em determinadas fases da sua vida, Livermore foi considerado uma das pessoas mais ricas do mundo, graças às suas jogadas com ações, mas quando morreu – ele se suicidou – devia mais do que o total do seu patrimônio. Levou uma vida com altos e baixos semelhantes às oscilações dos índices dos mercados: ganhou e perdeu fortunas, casou-se três vezes, teve várias amantes e foi processado por uma delas, russa, uma das suas mulheres deu tiro, não fatal, no filho dos dois.
Gastou US$ 3,5 milhões na construção de uma das casas mais luxuosas da região de Nova York; quando se divorciou, a ex-mulher ficou com a propriedade e a vendeu por apenas US$ 222 mil.
Livermore começou a investir no mercado financeiro muito cedo. De família pobre, parou de estudar para trabalhar e, aos 15 anos, aplicou US$ 5 numa “bucket shop”, um tipo de corretora comum nos Estados Unidos no início do século passado que aceitava apostas se a cotação de uma determinada ação subiria ou cairia, mas não permitia a compra ou venda dos papéis.
Ele ganhou US$ 3,12 nessa operação. A partir daí, passou a investir sistematicamente em ações. E seu grande diferencial foi passar a aplicar com base no que pode ser considerado como análise técnica numa época em que havia poucos dados financeiros sobre as empresas e as bolsas.
Sua atuação na bolsa, os lances agressivos, os pedidos de falência e seus conselhos de como aprender com os erros e os ciclos do mercado financeiro foram tão marcantes que Livermore foi retratado não apenas em “Reminiscências…”, mas em, pelo menos, outros sete livros. Nenhum, porém, fez tanto sucesso quanto o escrito por Lefèvre, embora nele Livermore não seja citado nominalmente. O autor preferiu criar um personagem, Larry Livingston, que é obviamente baseado em Livermore.
No livro, as tacadas e os erros de Livermore – ou Livingston – como trader são contados em detalhes. São também relatadas suas reflexões sobre quando perdia ou ganhava muito dinheiro.
Perder dinheiro é o menor dos meus problemas. O prejuízo nunca me incomoda depois que aceito a perda. Eu o esqueço da noite para o dia. Mas estar errado – não assumir a perda – prejudica a carteira e a alma”
Jesse Livermore (1877-1940), investidor americano em quem o livro foi baseado
Lefèvre, por sua vez, viveu entre 1871 e 1943, estudou engenharia, operou na bolsa de valores e foi diplomata representando seu país de nascença, o Panamá, mas teve destaque mesmo como jornalista e escritor. Em 1922 e 1923, ele publicou no “The Saturday Evening Post” 12 artigos contando a saga de um investidor, que depois foram compiladas em “Reminiscências…”, editado em 2025 e vendido por US$ 2,50. Hoje, um exemplar dessa edição pioneira vale mais de US$ 1 mil. De imediato, a publicação chamou a atenção. Tanto que o “New York Times” publicou uma entrevista de meia página com Lefèvre logo depois do seu lançamento.
A edição da Penguin é muito bem cuidada, com tradução elegante e muitas notas de rodapé que explicam o jargão do mercado de capitais para os não iniciados.
Reminiscências de um operador da bolsa
Edwin Lefèvre Trad.: Renato Marques de Oliveira Portfólio/Penguin, 324 págs., R$ 69,90
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