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Iate de 3 andares e 5 suítes, praia artificial: o que os super-ricos estão consumindo
Ter como cliente alguém com a fama de Cristiano Ronaldo já é meio caminho andado. Com 487 milhões de seguidores no Instagram e outros 103 milhões no Twitter, o camisa 7 do Manchester United virou uma espécie de garoto-propaganda informal da Azimut ao arrematar o Grande 27 Metri – tido como o iate mais inovador do estaleiro italiano. Entregue ao jogador em julho de 2020, a embarcação custa a partir de R$ 54 milhões e virou um sonho de consumo concretizado por diversos magnatas mundo afora.
Na única fábrica da Azimut fora da Itália – a de Itajaí, em Santa Catarina, inaugurada em 2010 – já foram encomendadas 12 unidades. Apenas quatro ainda não foram entregues e somente uma foi adquirida por alguém que não mora no Brasil. O sucesso do megaiate concebido pelo designer italiano Stefano Righini é uma das principais explicações para o crescimento do braço verde-amarelo do estaleiro. No ano fiscal encerrado em agosto, a filial faturou cerca de R$ 400 milhões, ou quase R$ 150 milhões a mais que no ciclo de 2019/2020. A meta para o atual ano fiscal é amealhar cerca de meio bilhão de reais.
“Tivemos, ao longo da pandemia, uma procura crescente por embarcações maiores, que equivalem a casas de praia que podem ser levadas para qualquer canto”, diz Francesco Caputo, CEO da Azimut no Brasil desde outubro do ano passado. “Antes, muitos dos potenciais clientes nos diziam: ‘quem sabe no ano que vem’. Agora, a maioria demonstra uma enorme urgência em aproveitar a vida e já chega decidida a bater o martelo.”
Escalada da inflação? Possível recessão mundial? O desempenho da Azimut no Brasil é sinal do quão favoráveis estão os ventos para o mercado de altíssimo luxo. Que envolve desde itens tradicionalmente associados ao segmento, como relógios suíços, vinhos da Borgonha e carros conversíveis, até novidades como o São Paulo Surf Club.
“Diante de incertezas, o mercado de luxo tende a retrair durante um curto período e depois voltar com muita força”, observa Luciana Batista, sócia da consultoria Bain & Company, que monitora o segmento. “O que não esperávamos era uma recuperação tão rápida no Brasil depois da pandemia. Por aqui, achávamos que a retomada só viria neste ano, mas, para diversos setores do luxo, ela começou em 2020 e 2021.”
Impossibilitados de esbanjar no exterior durante os meses mais críticos da quarentena, os endinheirados se renderam ao mercado interno como se não houvesse amanhã. “Mesmo com a volta da normalidade, muitos setores do luxo nacional estão faturando mais do que em 2019”, acrescenta Batista. Outra tendência observada pela Bain & Company: na pandemia, muita gente deixou de gastar com experiências de luxo, como viagens e jantares caros, para investir em bens duráveis que poucos podem adquirir, a exemplo de iates e casas de campo.
O que diferencia o Grande 27 Metri, antes de tudo, é a fibra de carbono, conhecida por dar forma aos carros de Fórmula 1. Boa parte da estrutura do iate é constituída desse material, mais leve que a fibra de vidro – é com esta que os estaleiros costumam confeccionar os seus barcos. A fibra de vidro, no caso, só dá forma ao casco, pois se dá melhor com a água do que a fibra de carbono.
Graças ao peso a menos, Righini pôde conceber um iate com 27 metros de comprimento e 350 m2 de área. Só embarcações com mais de 30 metros de comprimento costumam dispor de tanto espaço, maior que o de muito apartamento de luxo. A maior leveza também se traduz em economia de combustível. Em comparação a um iate similar feito só de fibra de vidro, o de Cristiano Ronaldo gasta a metade de diesel. A autonomia é de 13 horas, o suficiente para ir de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, até Santa Catarina. Velocidade máxima: 50 quilômetros por hora. Quanto mais compacta a embarcação, convém acrescentar, mais fáceis as manobras e maior o número de regiões nas quais ela pode navegar.
Quantos andares? Sem contar o da cabine do piloto, escondida entre o térreo e a cobertura, são três. O último dispõe de churrasqueira, máquina de gelo, espreguiçadeiras, jacuzzi para cinco pessoas e mesa para oito. Suítes são cinco, que acomodam, confortavelmente, até dez passageiros. A menor tem 13,5 m2 e a máster, quase o dobro do tamanho. Esta tem direito a closet e banheiro com duas pias. As janelas dos banheiros não se resumem a escotilhas, e as das suítes e das salas vão quase do chão ao teto – o uso desmedido de vidro é outro diferencial.
Quem assina a decoração é o arquiteto italiano Achille Salvagni, que revestiu os ambientes com chapas de mogno. Para o piso da maioria das dependências, ele optou por ripas de madeira teca. É o caso da chamada “beach area”, a plataforma levadiça afixada na popa – acionada, pode acomodar um ombrelone e duas espreguiçadeiras; suspensa, encobre um espaço destinado a um jet ski ou a um barco de apoio. Em formato de caracol, a escada interna também não pode passar sem registro – os degraus, de pedra ônix, têm iluminação própria. O mobiliário, vale dizer, pode ser alterado conforme o gosto de cada comprador, que também pode se decidir entre customizações mais complexas.
Ficou interessado? “Só conseguimos produzir quatro unidades dessa embarcação a cada ano”, adianta Caputo. Lançado no São Paulo Boat Show do ano passado, o Atlantis 51 virou mais um hit da filial brasileira da Azimut. Bem mais compacto que o Grande 27 Metri, dispõe de três cabines, duas delas com cama de casal e uma com beliche. A novidade custa a partir de R$ 7,9 milhões. Das 25 unidades produzidas no Brasil – todas já entregues -, 80% delas foram adquiridas por magnatas que moram em outros países. “A planta brasileira já não atende, exclusivamente, o mercado doméstico”, comemora o CEO local.
Quanto ao São Paulo Surf Club, da JHSF, está ganhando forma nos arredores da ponte Estaiada, em São Paulo. Os interessados em desfrutar das ondas artificiais que o clube promete precisam desembolsar R$ 800 mil, sem falar da taxa de manutenção, anual, de R$ 21 mil. Só 200 assinaturas foram colocadas à venda. Com direito a academia, spa e quadras esportivas, o clube fará parte do Real Park, empreendimento que ainda prevê edifícios residenciais e mais um shopping – não muito distante do centro de compras mais conhecido da incorporadora, o Cidade Jardim. O volume geral de vendas desse novo complexo é de R$ 2,4 bilhões.
As piscinas com ondas parecem ter caído nas graças dos endinheirados. No ano passado, a Fazenda da Grama, em Itupeva, a 60 quilômetros de São Paulo, inaugurou sua praia artificial com 700 metros de extensão, areia que não esquenta e ondas de até 2 metros a cada 8 segundos. Principal atração do condomínio, da incorporadora KSM, custou R$ 180 milhões. Os lotes mais em conta, com 2,3 mil m2, custam mais de R$ 4 milhões. Já as casas concebidas pelo arquiteto Thiago Bernardes, por exemplo, não saem por menos de R$ 7,3 milhões.
O Boa Vista Village, por sua vez, promete uma piscina com ondas de até 2,75 metros de altura e 22 segundos de duração. Lançado pela JHSF em 2019, o condomínio se deve ao sucesso de outro hit da incorporadora, a Fazenda Boa Vista – ambos se encontram em Porto Feliz, no interior de São Paulo. Em 2020, a empresa embolsou mais de R$ 297 milhões com o novo empreendimento. No ano passado, foram R$ 587 milhões, um salto de 97,5%.
Na Fazenda Boa Vista, que rendeu R$ 1,1 bilhão à JHSF nos últimos dois anos, as casas mais recentes saíram por cerca de R$ 5 milhões. As que foram projetadas pelo escritório franco-brasileiro Triptyque, por exemplo. Com cinco suítes e só um pavimento, dispõem de 457 m2 de área construída. Só um quinto das paredes é de alvenaria, com revestimento de madeira queimada. As demais, emolduradas por poucas vigas, são todas de vidro.
Nas grandes cidades, edifícios residenciais com preços nas alturas multiplicam-se a perder de vista. Tome como exemplo o Parque Global, entre a ponte do Morumbi e o Parque Burle Marx. Praticamente todos os apartamentos dos três primeiros edifícios já foram vendidos e do quarto restam só 20%. As menores unidades da quinta torre, a última, cujas vendas começaram em abril, têm 166 m2 e custam a partir de R$ 3,3 milhões. As penthouses e os duplex, com direito a piscina privativa e até 597 m2, chegam a R$ 19,3 milhões – e todas já têm dono.
Para os interessados em voar com o máximo de conforto e exclusividade, Marcos Amaro montou uma companhia de aviação executiva em dezembro de 2020. É a Amaro Aviation, que vende aviões recorrendo ao modelo de propriedade compartilhada e se incumbe da gestão das aeronaves. O primeiro modelo da frota, hoje com cinco unidades, é um PC-24, fabricado pela suíça Pilatus. Comprado por mais de US$ 12 milhões, tem capacidade para oito passageiros e dois pilotos. Autonomia? De 3.760 quilômetros, o suficiente para ir de São Paulo até Boa Vista, em Roraima.
As poltronas, cinza claro, e o revestimento interno foram confeccionados em parceria com a BMW. A iluminação interna pode ser controlada por meio de um aplicativo instalado no celular de qualquer passageiro e as poltronas giram levemente para o lado, o que facilita o bate-papo a bordo. Uma cortina em meio aos dois últimos assentos permite o acesso, a qualquer hora, ao bagageiro, pressurizado como todo o avião, apelidado de Comandante Rolim – Marcos é filho do fundador da TAM (1942-2001).
Desde fevereiro do ano passado, a Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac, permite a compra de aviões por até 16 pessoas e de helicópteros pelo dobro. Até então, os interessados em adquirir apenas uma fração de uma aeronave precisavam recorrer ao modelo de cooperativa. Os cotistas, no entanto, não viravam donos do bem, só de um direito de uso.
A cota de um quarto da aquisição número 1 da Amaro Aviation está à venda por quase US$ 3,5 milhões. Do Pilatus PC-12 NGX, um turboélice de uns US$ 6 milhões, a cota mais em conta, de 1/16, sai por aproximadamente US$ 550 mil – faltou falar que cada hora de voo é paga à parte e que também há custos fixos. Cada cotista tem direito a determinado número de horas por ano, que são administradas pela Amaro Aviation. Caso a sua aeronave esteja indisponível, outra é oferecida – um Phenom 300, da Embraer, um Beechcraft King Air 260 e um Cessna Grand Caravan EX completam a frota. Um segundo PC-24 deverá ser entregue entre maio e junho de 2023. Chegando novos cotistas, mais veículos serão arrematados.
A sede operacional da empresa, cujo escritório fica na Vila Olímpia, é o São Paulo Catarina. A 50 minutos da capital, o aeroporto da JHSF está autorizado a operar até voos internacionais. Com 2.470 metros de pista, 500 a mais que Congonhas, pode recepcionar até um Boeing 737-800. “A sede é o Catarina, mas nossos clientes podem decolar do aeroporto que preferirem”, diz Amaro, que exerce o cargo de CEO da companhia.
A empresa já tem cerca de 20 cotistas. “Muita gente ainda não vê o compartilhamento de bens com naturalidade, mas as vantagens dessa modalidade são enormes”, argumenta o empresário. “Graças a ela, muita gente pode abrir mão da aviação comercial mesmo sem ter condições de comprar uma aeronave por inteiro.” Por meio da companhia, acrescenta, quem tem dinheiro para comprar no máximo um monomotor, por conta própria, pode ter um jato para chamar de seu gastando quase o mesmo tanto.
Até o final do ano, o caçula de Rolim espera ter em mãos as licenças necessárias para começar a oferecer mais um serviço por meio da Amaro Aviation, o de táxi aéreo. A Alfa Air, a companhia aérea de voos regulares que sonha em criar, anunciada em março deste ano, ainda não tem prazo para começar a decolar.
De olho nos consumidores mais abonados, a Pernod Ricard Brasil criou um e-commerce só para eles, o Le Cercle. Somente quem é aprovado pela marca tem acesso liberado. O público-alvo? Quem tem mais de R$ 10 milhões, por exemplo, alocados na XP Investimentos. Ou os endinheirados que aceleram na Porsche Cup Brasil. “É uma plataforma que privilegia os consumidores mais próximos das bebidas mais sofisticadas do grupo e que mais combinam com elas”, diz Raphael Vidigal, que idealizou a novidade e comanda a divisão “prestige” da companhia.
Lançado em março deste ano, o Le Cercle já dispõe de 3.200 associados no Brasil. O tíquete-médio na plataforma, revela Vidigal, é 900% superior ao de um e-commerce tradicional de bebidas. Permite a compra, em primeira mão, de raridades como o uísque Royal Salute 62 Gun, vendido a cerca de R$ 20 mil, e as garrafas de 3 litros do champagne rosé Perrier-Jouët Belle Époque – a quase R$ 9 mil cada uma. Itens que não estão à venda para o grande público, como champanheiras e taças exclusivas do grupo, estão liberadas para quem passou pelo crivo da equipe de Vidigal.
Para fidelizar os associados, a plataforma brinda-os com degustações de bebidas incensadas. Organizou-se uma, recentemente, no hotel Rosewood São Paulo, em torno da versão do Royal Salute 21 que presta tributo ao designer Richard Quinn. A plataforma também convida alguns membros para viagens exclusivas, custeadas por ela – a mais comentada foi a de Fernando de Noronha. A meta agora é permitir o acesso a dependências da Pernod Ricard que não estão abertas a visitação – a cave da Perrier-Jouët, por exemplo.
O Le Cercle já foi replicado na Suíça e em Xangai e em breve será levado para St. Barths, França, Argentina e Turquia. Nessas praças, estima o grupo, a plataforma deverá responder por 5% do faturamento da divisão “prestige”. Vidigal prevê um resultado mais encorpado para o Brasil. Dos R$ 350 milhões que a área encabeçada por ele deverá faturar daqui a três anos, 10%, aposta o executivo, virão do Le Cercle.
Por Daniel Salles
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