Expectativa de início de corte dos juros no 1º tri de 2023 esfria com BC

Mas parte do mercado ainda conta com redução da Selic no começo do ano

O Banco Central (BC) tentou afastar, via intervenções verbais, cenários que apontavam para o início de um ciclo de redução da taxa básica Selic já no primeiro trimestre de 2023. A inflação mais branda no curto prazo e o alívio relevante nos preços das commodities no mercado internacional foram determinantes para derrubar os juros futuros nos últimos dias na B3 – movimento que abriu espaço para a precificação de Selic abaixo de 13,75% já em março de 2023.

A disparada das taxas futuras na terça-feira ajudou a apagar parte desse movimento, mas ainda há, entre os participantes do mercado, quem espere por reduções nos juros no começo do próximo ano.

Em evento do Valor, na noite de segunda-feira, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que a autoridade monetária não pensa em queda de juros neste momento e reforçou a mensagem da última reunião do Copom, de agosto, quando o banco central apontou que irá avaliar a necessidade de um ajuste final na Selic. O sinal de Campos foi fortalecido pelo diretor de política monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, que, na terça-feira, se mostrou preocupado com a desancoragem das expectativas de inflação de 2024, cuja mediana está, no momento, em 3,43%.

“O trabalho do Banco Central já foi feito e ele próprio reconhece isso e tem sinalizado que, daqui em diante, é preciso manter cautela para gerar uma convergência das expectativas de inflação. E nós concordamos. O BC precisa se manter cauteloso, mas nós também achamos que essa postura vai fazer a inflação convergir para a meta”, diz Gustavo Pessoa, sócio e gestor de renda fixa da Legacy Capital, cujo cenário-base aponta para o início de um ciclo de redução da Selic em março de 2023.

“Como a inflação está só começando a ceder, o BC não quer se comprometer com cortes, mas a realidade vai pesar. A inflação começou a ceder fortemente, e não só pelas medidas do governo. A inflação mais baixa deixa o juro real [ex-ante] próximo de 9%, nível que vai ser suficiente para fazer a inflação convergir para a meta e que vai permitir ao BC começar a cortar os juros em algum momento”, diz.

Na visão da Legacy, em março de 2023 a autoridade monetária vai olhar, em especial, a inflação de 2024 no horizonte relevante, cuja expectativa está hoje em 3,43%. “Esperamos que as expectativas voltem a ancorar e que a mediana das projeções de 2024 volte para 3% até março. Uma queda das expectativas no Focus está contratada, dado o nível da Selic. É natural que o BC comece a cortar os juros e nós achamos que o mais provável é que isso se dê a partir de março e que o ritmo da queda dos juros vai depender muito da evolução da dinâmica de inflação, tanto aqui quanto lá fora”, enfatiza.

No fechamento dos mercados no pregão de segunda-feira, a curva de juros precificava um corte de cerca de 0,20 ponto percentual em março de 2023 como ponto de partida para o início de um ciclo de flexibilização dos juros. Após o fechamento dos negócios de terça-feira, houve reprecificação relevante no mercado, que deixou de colocar cortes na Selic já no primeiro trimestre do próximo ano.

O economista-chefe do UBS BB, Alexandre de Ázara, diz acreditar que os sinais emitidos por Campos vieram no sentido de combater as expectativas de um início prematuro do ciclo de flexibilização. “Acredito que ele disse que é importante a manutenção do juro durante um tempo. Na minha visão, o BC não gosta de ver o mercado precificar cortes já no primeiro trimestre e acho que ele quis consertar isso”, afirma.

Embora acredite que seja prematura a precificação de uma redução na Selic no primeiro trimestre, Ázara vê espaço para cortes mais fortes ao longo do próximo ano, em um ciclo que teria início em junho. O UBS BB projeta que, em 2023, o BC efetuará quatro reduções de 1 ponto na Selic a partir da segunda reunião do segundo trimestre e uma última de 0,5 ponto em 2023. Além disso, o banco espera que o ciclo siga em 2024, com a Selic chegando a 7,75%.

“Isso é para a inflação convergir à meta em 2024. Se cair muito devagar, não converge a inflação em 2024 e, se cair muito cedo, não converge em 2023”, observa Ázara, cuja projeção para o IPCA do próximo ano está em 4%, bem abaixo do consenso do mercado (5,27%).

O alívio nos preços das commodities no mercado internacional tem sido fundamental para o movimento de queda observado nos juros de curto prazo nas últimas semanas. Chamou atenção, em particular, a dinâmica dos preços do petróleo Brent, que agora estão próximos a US$ 90.

“Durante dois anos e meio, as commodities pressionaram a inflação para cima. Era um vento contra, que agora está mudando um pouco e começando a bater a favor. Acho que esse fator atrapalhou muito o BC, mas, agora, ele pode ajudar”, diz José Carlos Carvalho, sócio e responsável pela área de macroeconomia da Vinci Partners. Ele, porém, lembra que a inflação de serviços ainda está bem pressionada. “A atividade ainda está forte e deve continuar, mas o que tem para cair no lado relacionado a commodities mais do que compensa a subida dos serviços.”

Carvalho, assim, acredita que o BC encerrou o ciclo de aperto monetário com a Selic em 13,75% e que tem, pela frente, uma trajetória de queda de juros, ao ter em vista que o juro real ex-ante no Brasil está entre 7% e 8%, níveis bastante elevados e bem acima do nível neutro, que, na avaliação do profissional, estaria em torno de 4%. “Com essa ajuda das commodities e o tempo para a política monetária fazer o efeito dela, o ciclo de elevação da Selic acabou. Não tem mais motivo para o Banco Central entregar um juro ainda mais alto”, afirma.

Para o sócio da Vinci, o ciclo de redução da taxa básica de juros, assim, deve estar relacionado ao novo governo e à condução da política fiscal. “Acho que, no primeiro trimestre de 2023, o BC ainda deve querer entender qual a política fiscal do próximo governo e, no segundo trimestre, se for razoável, ele pode começar a pensar em cortes de juros”, aponta Carvalho.

E é justamente a política fiscal um dos pontos destacados pelo economista-chefe da Novus Capital, Tomás Goulart, para defender a visão de que a Selic não deve começar a ser reduzida já no começo do próximo ano. O segundo ponto levantado por ele é o nível das taxas de juros nos países desenvolvidos, em especial nos Estados Unidos.

“A primeira condição necessária para o BC começar a reduzir a Selic está ligada à âncora fiscal. É preciso saber o que vem de proposta de ancoragem fiscal no próximo governo, dado que se perdeu a credibilidade em relação ao teto de gastos”, afirma. A autoridade monetária, para Goulart, só deve se sentir pronta para dar início a um alívio na Selic quando entender qual regime fiscal vai prevalecer no Brasil.

“E aí, pensando no processo do Legislativo, não sabemos ainda qual será o próximo governo e o que vai ser proposto em termos de âncora. Está tudo em aberto no momento. E o processo legislativo para substituir a âncora fiscal e passar algo no Congresso que tenha credibilidade deve demorar em torno de seis meses, ou seja, vai consumir um tempo”, afirma.

Assim, ao avaliar as condições necessárias para o BC começar a reduzir a taxa básica de juros, Goulart acredita que um ciclo de flexibilização da Selic pode começar em junho ou em agosto de 2023.

Em “live” mensal sobre a conjuntura econômica na última terça-feira, Júlio Fernandes, cogestor das estratégias macro da XP Asset Management, avaliou que um ciclo de queda de juros “não é incipiente”. “A maior probabilidade é a de que o aumento das discussões sobre cortes de juros seja no segundo trimestre do ano que vem.”

Ele nota que a discussão sobre o início dos cortes de juros é algo que o mercado gosta de antecipar. “Vimos um rali muito forte dos ativos nominais e, aí sim, decidimos sair do DI futuro e trocamos toda a nossa posição por juros reais”, revelou o profissional durante a live. A XP Asset, assim, tem posições aplicadas em NTN-Bs de prazo intermediário, mas evita papéis mais longos, diante dos riscos fiscais e políticos ainda bastante elevados.

Ázara, do UBS BB, observa que o mercado ainda tem um prêmio de risco elevado devido à incerteza fiscal. “A escolha política da licença para gastar mais é danosa e insustentável. É diferente de criar uma regra crível e que abra espaço fiscal. O governo terá que decidir isso antes de o BC definir as quedas de juros, em junho. Com o cenário ocorrendo conforme nossa projeção, acreditamos que o BC vai derrubar as taxas de 100 pontos-base em 100 pontos-base”, afirma.

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