‘Efeito Americanas’ congela emissões de crédito privado
Depois de um ano recorde para a emissão de renda fixa no mercado brasileiro, o “efeito Americanas” congelou o mercado de crédito privado, tirando as operações que estavam no forno diante do aumento súbito do risco percebido pelo mercado e com investidores pedindo prêmios cada vez maiores.
A expectativa, depois do baque sentido no mercado, é que um cenário de maior normalidade seja observado apenas a partir de abril, mesmo que a custos mais altos e com prazos mais curtos, preveem fontes de mercado. Dentre as operações que acabaram voltando para a gaveta depois da alta volatilidade está a da Petz. A varejista de produtos para animais estava com uma emissão de debêntures na rua em meados de janeiro, mas postergou a operação, alegando as “atuais condições do mercado”.
Na semana passada, a Rede D’Or surpreendeu ao anunciar uma emissão de cerca de R$ 1 bilhão, mas, segundo fontes, era um mandato antigo e isso não significa uma mudança de cenário. Prova de que o mercado está fechado é que o Itaú deve encarteirar a emissão da empresa de hospitais. “Não tem mercado para se vender”, disse uma fonte, que comentou na condição de anonimato.
A taxa da emissão da Rede D’Or também sairá em um patamar diferente do que tem sido visto nos títulos da companhia no mercado secundário. Na emissão com prazo de dez anos, a empresa pretende pagar CDI com acréscimo de até 1,7%. No secundário, os títulos eram negociados perto de CDI + 2,4% na última semana, diz um gestor.
Refletindo a aversão ao risco, outra emissão de renda fixa precificada em um mercado difícil foi um Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) do GPA, dono do Pão de Açúcar. A intenção inicial era captar R$ 750 milhões, mas o volume caiu pela metade e uma parte acabou sendo encarteirada pelos bancos.
Outra operação que deve sair em breve é da Taesa, de R$ 1 bilhão. Os bancos testaram na última semana o interesse de gestores para ancorar a operação. A expectativa é que haja demanda, considerando que o setor elétrico é visto como mais resiliente do que outros que vêm enfrentando dificuldades, como o varejo. “O mercado não piorou de forma linear. Há uma preocupação grande com algumas empresas, mas quase nenhuma com companhias de setores como energia.”
Com mercado fechado para emissão de ações e bancos mais seletivos, empresas terão de testar apetite a ofertas
Outro teste que está no forno é a emissão de um certificado de recebíveis imobiliários (CRI) da Aliansce Sonae, de shopping centers. “Acho muito cedo para dizer que é uma retomada, mas seria um teste para verificar o apetite do mercado”, diz uma fonte com conhecimento no assunto. Um ponto que tem dado confiança para essa operação é o fato de haver garantias atreladas à emissão.
Com exceção dessas operações, o mercado segue em compasso de espera. O responsável pelo banco de investimento do Bradesco BBI, Felipe Thut, afirma que a sugestão, em muitos casos, tem sido a de esperar até que os preços se acomodem. “Vamos segurar um pouco para aguardar níveis mais razoáveis de preços”, comenta o executivo. “Mercado está em compasso de espera, inclusive em relação ao capex, até porque vemos uma desaceleração da economia”, diz. No entanto, o executivo observa que os bancos já começam, de forma seletiva, a colocar algumas emissões na rua, para testar a temperatura do mercado.
Se antes o fluxo de resgate estava mais concentrado nos fundos de ações, a crise da Americanas, seguida da Light, fez com que os resgates pegassem em cheio os fundos que investem em crédito privado. Segundo bancos de investimento ouvidos pelo Valor, os planos para retomar as ofertas dependem de como será o fluxo de entradas e resgates nos fundos em fevereiro. “Não vemos motivos para acelerar as operações. As boas emissoras, no geral, estão com boa estrutura de capital e vão preferir esperar algumas semanas”, diz um executivo.
Leonardo Ono, gestor de renda fixa da gestora Legacy Capital, relembra que, nos anos de juros mais baixos no Brasil, as empresas aproveitaram para captar aproveitando um momento que foi muito farto para o mercado. Esse ciclo se estendeu mesmo com juros mais altos, mas foi abruptamente interrompido com as crises corporativas neste início de ano.
Outra questão, ainda, é sobre os juros. “Se tiver sinalização de queda de juros será um alívio. Quando a Selic estava em 2% era óbvio para qualquer empresa tomar mais dívida, com 13,75% é quase proibitivo para a empresa aumentar seu endividamento”, destaca. No entanto, o gestor acredita que, a partir de abril – isso caso nenhuma outra crise exploda ao longo das próximas semanas -, as primeiras emissões devem começar a sair da gaveta, já que empresas terão que acessar o mercado para ajustar suas estruturas financeiras, em um momento em que o ambiente está fechado para emissão de ações e os bancos tendem a ser ainda mais seletivos na hora dos empréstimos. “A tendência é de um aumento dos custos, mas que se encontre um novo equilíbrio. O quanto vai ter de aumento ainda é cedo para dizer, mas é uma consequência esperada. Problema é que o mercado secundário tem piorado muito e não teve uma trégua”, diz Ono.
Alexandre Muller, sócio da gestora JGP, acredita que o mercado secundário dos papéis está próximo de alguma normalidade, após um longo período de agitação. “Nos últimos dias, notamos uma estabilidade no spread de crédito. A reprecificação, pelo que vemos no secundário, já está sendo suficiente para trazer novos compradores para o mercado”, afirma.
O índice JGP Idex-CDI, que acompanha uma cesta de debêntures mais líquidas, mostra uma abertura de spread “relevante” neste ano, segundo o gestor, excluindo os papéis da Americanas e da Light. “O spread médio, que estava em CDI + 1,85%, foi para CDI + 2,85%”, explica Muller.
Os agentes ficarão também de olho na divulgação dos resultados do quarto trimestre de 2022, algo que poderá direcionar o mercado para a situação das empresas. Um dos resultados mais esperados é o da Light, que poderá dar mais clareza sobre a situação financeira da empresa.
A sócia e responsável pela área de crédito da gestora Ibiuna, Vivian Lee, aponta que, para as empresas com uma necessidade de rolagem de dívida, o custo vai, sim, ser mais alto. “O crédito vai ficar mais restrito e não necessariamente o mercado de capitais vai absorver”, afirma. Lee aponta que, com os juros altos, as empresas estão cada vez mais pagando mais serviço da dívida, o que começa a corroer a geração de caixa, pesando na estrutura financeira das companhias. Com isso, sua visão é que virão novos downgrades com a deterioração de resultados, o que necessariamente acarretará em custos mais elevados nas emissões.
A maior parte das próximas operações também deve ir a mercado com prazos mais curtos, de menos de cinco anos, diz outro executivo que atua na coordenação de ofertas, considerando as incertezas do cenário macro. “Se você quiser discutir uma operação distribuída ao mercado de cinco ou sete anos, não vai encontrar apetite relevante”, afirma. “Isso, claro, pode mudar se, por exemplo, o governo apresentar um pacote com uma âncora fiscal que agrade.”
Para um grupo mais restrito de companhias, que pode acessar o mercado internacional, a emissão de bônus será uma saída. A partir da última semana de fevereiro, seis empresas devem buscar o bolso de estrangeiros, segundo um banco que acompanha as operações. No último dia 8, a Braskem levantou US$ 1 bilhão com uma operação com prazo de dez anos. A emissão foi considerada pelo mercado como um sucesso, considerando que a demanda superou os US$ 6 bilhões.
Em 2022, as emissões de debêntures somaram R$ 271 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O volume é o maior desde o início da série histórica, iniciada em 2012, e representa uma alta de 8% ante o registrado no ano anterior.
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