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Vai ter crise energética no Brasil?
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Conta de luz subiu quase 30% no acumulado dos últimos 12 meses
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Energia solar vira opção, mas preço e falta de estrutura ainda são entraves para crescimento
Com temperaturas que chegam a 38 graus, fica difícil dormir sem ar-condicionado em Junqueirópolis, no oeste paulista. O calor — mas também a conta de luz — era de tirar o sono de Arisson Moreira e sua mulher, ambos aposentados, e do filho, que trabalha como vendedor. Com renda de R$ 1,9 mil, a família penava para despender R$ 350 do orçamento somente com energia, mesmo ligando poucas lâmpadas e uma televisão, até que o vizinho relatou uma boa experiência com a energia solar.
Os Moreira resolveram, então, aderir à novidade. Em abril, financiaram a instalação de nove painéis solares sobre o teto da garagem. Em vez do gasto com luz, a família desembolsa R$ 388 por mês para pagar as 48 prestações do Meu Financiamento Solar, uma fintech do banco BV, que tem 50% da clientela com renda de até R$ 5 mil. Agora a família consegue usar dois aparelhos de ar-condicionado durante as tardes e noites mais quentes.
Mas, sem poder contar com bateria, que ainda é cara no Brasil, a casa deixa de receber energia se houver blecaute, pois o sistema, por questões de segurança, é desligado se a rede pública cair. Em relação ao abastecimento de água, outra dor de cabeça que ronda os brasileiros, a família Moreira depende da prefeitura, que faz a captação em poço artesiano. Algumas cidades no interior de São Paulo, que se assustaram com a ocorrência mais frequente de gigantes nuvens de poeira, ainda vivem sob a ameaça de racionamento, por mais que alguma chuva entre fim de outubro e início de novembro tenha aliviado a secura.
A situação não é melhor para pequenas empresas diante do aumento de 50% na bandeira tarifária neste ano, de R$ 9,49 para R$ 14,20 por 100 kWh, combinado ao peso importante que as despesas de água, saneamento, energia e gás têm nos custos. Com base em dados do IBGE, o economista e assessor técnico da Federação do Comércio (Fecomercio) São Paulo, Guilherme Dietze, afirma que esses itens respondem por 12% das despesas no setor. Somente a energia é responsável por 22% dos custos em lavanderias e a 21% nos hotéis.
A geração intensiva nas termelétricas, uma das respostas do governo federal para enfrentar os riscos de racionamento e de apagão neste ano, tem como resultado o aumento do preço da energia acima da inflação. Nos últimos 12 meses, ela subiu 28,8%, sendo o segundo item que mais pesa no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
De acordo com Roberto Kishinami, coordenador-sênior no Instituto Clima e Sociedade, a dificuldade em repassar os preços ao consumidor explica em grande parte as portas do comércio fechadas nas ruas, o que prejudica um setor-chave na retomada da economia e de empregos, além de afetar a indústria também.
Segundo o estudo “Impacto econômico do aumento no preço da energia elétrica”, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o aumento no preço da energia elétrica resultará em uma queda de R$ 8,2 bilhões no PIB deste ano, em comparação com o que ocorreria sem a crise energética. Para 2022, a previsão é de perda de R$ 14,2 bilhões. O consumo das famílias se reduzirá em R$ 7 bilhões, as exportações terão perdas equivalentes a R$ 2,9 bilhões, e o impacto no emprego será de menos 166 mil postos de trabalho. O PIB industrial, que inclui indústrias extrativa e de transformação, serviços industriais de utilidade pública e a construção, deve se reduzir em R$ 2,2 bilhões.
A resposta com térmicas, além de cara e com efeitos perversos na economia, retroalimenta o problema climático, dado que se vale de combustível fóssil, inclusive o gás natural (com preços em alta no mundo), e despeja mais carbono na atmosfera. Rodrigo Sauaia, presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), qualifica as térmicas como extintores de incêndio da crise elétrica e enfatiza: “Precisamos melhorar nossos extintores. O custo de bancar as térmicas emergenciais, somado ao da energia importada da Argentina e Uruguai, onerou o Brasil em R$ 28 bilhões.”
Durante um debate sobre os impactos da crise, realizado pela Fecomercio em outubro, o físico José Goldemberg afirmou que as térmicas custam cinco a dez vezes mais que as hidrelétricas e que, se o governo tivesse lançado leilões de renováveis a tempo, os reservatórios não teriam chegado a outubro com 17% da capacidade nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Para Kishinami, a atitude mais econômica teria sido a contratação maciça de eólicas e solares nos últimos anos, reforçando a transmissão do Nordeste para o Sudeste. “O país ainda terá de fazer isso”, diz.
Chuvas
Engana-se quem vê nas recentes chuvas o fim do problema. Segundo Kishinami, desde 2017 os reservatórios nessas regiões não voltam ao nível anterior. A cada estação seca do ano, caem para 16% a 18% de armazenagem e, com o período chuvoso, voltam a um patamar abaixo do que estavam em 2016. “A crise hídrica é permanente, parte da mudança climática”, afirma. Sergio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas, até defende que não se use mais a expressão crise, pois virou um fenômeno crônico: “Como chamar de crise algo que já aconteceu três vezes em 21 anos?” O assunto está quente na 26ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP26, que vai até dia 12, em Glasgow, na Escócia.
O problema global, de reflexos locais, agrava o quadro econômico e se mistura com o imbróglio político, na visão de Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. A consultoria projeta um crescimento zero de apenas 0,4% no PIB em 2022 em face da conjunção de fatores, agravada pelo quadro fiscal. “Não podemos esquecer que entramos na pandemia em 2020, no fim de uma recessão brutal, da qual não saímos totalmente. Temos uma crise hídrica em uma economia que não cresce. E se voltar a crescer, qual será a resposta hídrica e energética? Não sabemos”, diz. Isso porque as providências tomadas pelo governo, a ser ver, não são adequadas.
Para o economista, a alta da bandeira tarifária não tem feito com que o consumo de energia caia no ritmo necessário e falta o governo sinalizar a população que precisa reduzir a demanda para se interromper a queda dos reservatórios e recuperá-los minimamente.
Soma-se a isso o “efeito esponja”: o solo muito seco absorve a água da chuva antes que os reservatórios encham. E o desmatamento nas áreas de manancial impede a retenção da água. “O nível do reservatório é só a ponta do iceberg”, diz Samuel Barrêto, gerente nacional de água da organização ambientalista The Nature Conservancy (TNC), no debate da Fecomercio. “As bacias precisam ser recuperadas, o que se dá apenas em médio e longo prazos.” Enquanto isso, a destruição na Amazônia prejudica o fluxo dos rios voadores, que são a umidade da floresta levada por correntes aéreas às regiões Sudeste e Centro-Oeste, onde se localizam 70% da capacidade de armazenagem dos reservatórios.
“Para encher os reservatórios na quantidade necessária seria preciso um dilúvio”, afirma Vale. “Com isso, o problema é postergado para o ano que vem, o que aumenta a dificuldade, pois é ano de eleição, e o governo falará menos ainda sobre isso.” Para ele, uma das razões para o PSDB ter perdido o pleito de 2012, com o candidato José Serra, foi o apagão de 2001.
“Tem muita indústria com a bandeira ESG procurando instalar placa solar no telhado”, diz Cyro Vicente Bocuzzi, da consultoria Ecoee
“O governo tem isso muito claro na memória. Mas o agravamento da crise poderá cair como uma bomba em seu colo na próxima estação seca, bem no período da campanha eleitoral. É uma aposta de altíssimo risco”, avalia. A crise hídrica de 2014 e 2015 também causou desgastes em Dilma Rousseff, pouco antes de seu processo de impeachment, no ano seguinte.
O risco assumido pelo governo é potencializado pelo caráter complexo da mudança do clima. “As respostas climáticas começam a ser não lineares”, diz Vale. Com isso, basear-se em séries históricas para planejar o futuro deixa de fazer sentido. Kishinami dá como exemplo os modelos computacionais oficiais do setor elétrico (Newave, Decomp e Dessem), otimistas com relação ao próximo período chuvoso.
“Como foram construídos para projetar o futuro com base nos dados do passado, sua projeção indica que invariavelmente vai chover”, diz. “Ou seja, não importa quão profunda é a escassez no período seco, o próximo período úmido vai deixar ‘tudo bem’.” É o que está acontecendo agora, segundo ele. “Bastou um pouco de chuva chegando aos reservatórios para que a projeção de preços despencasse em duas semanas.”
Baixa renda
Os riscos atingem os setores da sociedade de acordo com o grau de vulnerabilidade. O mais afetado é o consumidor de baixa renda, seja residencial, seja comercial, que depende de energia do mercado cativo, onde está sujeito a bandeiras tarifárias porque não pode escolher o fornecedor, nem negociar contratos — como ocorre no mercado livre de energia, hoje acessível a empresas com demanda mínima de 2 mil kW.
Além disso, embora o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) descartem a possibilidade de racionamento e apagões, Kishinami diz que pequenos blecautes já têm ocorrido nas pontas da rede com uma frequência maior do que a normal. Trata-se de desligamentos manuais feitos pela distribuidoras para preservar o sistema quando o ONS percebe um desencontro momentâneo entre demanda e oferta. “Isso já está acontecendo nas periferias, enquanto as áreas mais centrais estão protegidas porque são alimentadas por múltiplas entradas”, diz. Segundo ele, essas informações foram obtidas em conversas reservadas com diretores de distribuidoras.
Por meio de assessoria de imprensa, o ONS nega a informação: “Houve ocorrências pontuais sem nenhuma conexão com a atual situação de escassez hídrica”. O ONS também refuta riscos de racionamento e apagões, dizendo que estudos apresentados recentemente ao Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico indicam um cenário mais otimista, com o período úmido chegando no prazo normal, somado ao acerto das ações e decisões tomadas.
“Embora a situação esteja melhor (…), o cenário hidroenergético ainda é sensível à eventual frustração dos recursos (…), por isso as medidas excepcionais que vêm sendo adotadas serão mantidas”, declara o comitê por meio de nota.
Celio Bermann, professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEA) da USP, conta que na crise de 2001 o ONS fazia cortes em municípios ou áreas menos densas. “Esses lugares, que chamo de periferia do sistema elétrico nacional, abrigam serviços básicos como unidades de pronto atendimento e hospitais, que ficam privados de energia e precisam de geradores”, afirma. “O pequeno comércio e serviços que necessitam de iluminação e refrigeração também são afetados.”
Outra preocupação de Bermann sobre o impacto da crise na sociedade refere-se ao conceito de pobreza energética, linha de pesquisa que tem desenvolvido: significa que a rede de distribuição chega ao domicílio, mas não é utilizada porque faltam equipamentos elétricos ou não se pode usá-los porque a prioridade é comprar comida, pagar o aluguel. Caso do citado Arisson Moreira, que não podia ligar o aparelho de ar-condicionado.
A professora Clarice Ferraz, do Grupo de Economia de Energia da UFRJ, observa que embora não haja racionamento de forma oficial, ele ocorre na prática pelas pessoas de baixa renda. “De racionamento voluntário, não tem nada: a pessoa não possui dinheiro para comer e muito menos para pagar a conta de luz”. Ela defende que o governo organize um racionamento desde já, para que se poupem os reservatórios e os mais vulneráveis não sejam as mais prejudicadas com a alta de tarifas e eventuais apagões.
Prevenção
Em relação às empresas, Gesner Oliveira, sócio da GO Associados, vê três grupos afetados de modo distinto. O primeiro é formado na maioria por empresas de médio porte que estão fragilizadas, com dívidas acumuladas, baixa qualidade de governança e dificuldade de retomar atividades depois da pandemia, sem capacidade de planejamento.
O segundo é formado por organizações mais capitalizadas, que já haviam sentido o baque das crises anteriores e incrementaram a gestão de risco. “Nessas, houve grande avanço nos chamados eco-indicadores, que são o consumo de energia e de água por unidade de produto.”
Já no terceiro grupo estão empresas nacionais que apresentam índices superiores ao padrão internacional. São companhias de capital aberto que têm relatório integrado e agenda ESG — sigla em inglês para Governança Corporativa Ambiental e Social — ligada ao planejamento estratégico. “Essas empresas, nos últimos anos, perceberam o aumento dos eventos extremos climáticos e viram que isso exigia um monitoramento muito mais cuidadoso”, diz o consultor.
“Os grandes consumidores em geral estão protegidos com compras passadas de energia”, afirma Venilton Tadini, presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). Além disso, ele afirma que, dependendo da necessidade, as empresas recorrem a investimentos em cogeração de energia, autogeração e backup na forma de geradores, uso eficiente de água e reúso. “Há uma mudança significativa desde as crises de 2001 e 2014. Muitas empresas hoje têm maior possibilidade de enfrentar esses problemas.”
Uma delas foi a Rhodia, que em 2014 passou apuros com a escassez hídrica de intensidade inédita na região Sudeste. Segundo o noticiário da época, a empresa chegou a suspender a operação fabril por duas semanas. A empresa teve de aplicar um sistema de rodízio de funcionamento das unidades industriais mais dependentes de captação de água para resfriamento de equipamentos, afirma o diretor de operações, Guilherme Silva. A partir disso, investiu na instalação de circuito fechado de resfriamento de água e otimização energética nas plantas.
Grandes empresas na área de construção civil, siderurgia e bebidas também se dizem mais preparadas hoje. Desde a crise de 2014, a MRV, por exemplo, adotou tanques de decantação em seus 270 canteiros de obras, onde separa a água dos resíduos de cimento e a reutiliza, por exemplo, na lavagem de ferramentas.
Segundo José Luiz Esteves da Fonseca, gestor executivo de segurança, saúde e meio ambiente, a construtora está investindo em usinas solares em Minas Gerais e na Bahia, enquanto sua área de inovação tem feito estudos de eficiência para uso de maquinários que consumam menos energia.
Consumidora intensiva de água como toda empresa de bebidas, a cada cinco anos a Heineken diz que avalia todas as cervejarias para identificar quais estão em bacias hidrográficas com riscos de escassez hídrica e, portanto, exigem monitoramento mais aprofundado. Em relação à energia, desde 2020 toda a produção da marca Heineken passou a ser feita com energia incentivada (alternativa) proveniente de fonte renovável. A produção da cerveja Sol, sem trocadilhos, passou a ser feita com energia solar.
Os investimentos de algumas empresas para aumentar a resiliência respondem também à meta de neutralização de carbono que se estende à cadeia de valor. No caso da Heineken, teve início em outubro um projeto para levar energia renovável a 50% dos bares e restaurantes de 19 capitais, até 2030. Quem aderir poderá ter redução de até 40% na conta de luz.
Seja para garantir abastecimento, seja para se proteger dos preços, há uma busca maior dos grandes consumidores pela autoprodução. O movimento é observado por Raul Cadena, diretor de clientes e comercialização da Votorantim Energia, que negocia cerca de 2 gigawatts médios de energia por ano no mercado livre, provenientes de fontes renováveis. Ele também identifica crescimento acelerado na compra de certificados de energia renovável. “Três anos atrás a gente não tinha praticamente nada disso”, diz.
Eletrointensivo, o grupo siderúrgico ArcelorMittal gera 50% dos 650 megawatts que consome, e pretende aumentar a autogeração para minimizar os custos, segundo Fabricio Assis, gerente geral de produção de coque e energia da usina ArcelorMittal Tubarão. Segundo ele, o grupo está em negociação para contratar energia de um parque eólico no Nordeste e solar no norte de Minas, entre outras medidas.
E, para evitar risco de abastecimento de água, as apostas são uma planta de dessalinização e o reúso de água de esgoto. “O Espírito Santo foi bastante impactado pela crise hídrica em 2015 e 2016”, diz ele. Em setembro, o grupo assinou um acordo com o governo capixaba que prevê a compra mensal de 540 metros cúbicos por hora de água de reúso de esgoto sanitário, proveniente de efluentes de uma estação de tratamento da Companhia Espírito Santense de Saneamento. Também no mês passado, inaugurou a planta de dessalinização da água do mar, que produz até 500 metros cúbicos por hora, com investimentos de R$ 50 milhões.
Para Bermann, do IEE, o setor siderúrgico é um dos mais atingidos pela crise. “Grande parte negociou aumento da capacidade de produção para o mercado internacional em épocas passadas e agora não tem fornecimento de energia elétrica suficiente para garantir os contratos”, diz. Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, que congrega empresas do setor exceto a CSN, nega risco de descumprimento de contratos. “Reduzimos a exportação para manter o mercado interno, mas hoje os níveis de estoques estão completamente normalizados. Operamos agora com 70% da capacidade, está tudo tranquilo. Estamos voltando a atender o mercado externo”, diz.
Há um mês e meio, segundo Lopes, havia uma preocupação de não se estar preparado para falhas no abastecimento devido à concentração de consumo na hora de pico. “Mas hoje estamos mais tranquilos por conta das discussões técnicas que tivemos com o ONS e a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica]”, diz. Uma fonte que preferiu não se identificar afirma que geradores de emergência a diesel estão a postos para eventualidades. Segundo Lopes, as empresas reunidas no instituto geram, ao todo, 51% da energia consumida, sendo a maior parte térmica, a partir de gases residuais do processo, e 49% é comprada.
Vale, da MB Associados, acredita que as indústrias que mais cresceram de janeiro de 2020 a agosto de 2021 — pelo fato de atuarem com commodities, favorecidas pelo ciclo de alta desses produtos e pelo dólar valorizado — são justamente as eletrointensivas, que terão de desacelerar por conta da energia mais cara e do risco de fornecimento.
O grupo siderúrgico ArcelorMittal gera 50% dos 650 megawatts que consome, e pretende aumentar a autogeração para minimizar os custos, segundo Fabricio Assis, gerente-geral de produção de coque e energia da usina ArcelorMittal Tubarão (ES). Ele conta que o grupo está em negociação para contratar energia de um parque eólico no Nordeste solar no Norte de Minas. Para evitar risco de desabastecimento de água, as apostas são uma planta de dessalinização e o reúso de água de esgoto.
Eficiência
Uma das soluções apontadas para reduzir a pressão sobre os sistemas hídrico e de energia é reduzir a demanda, antes de aumentar a oferta. “Tem muita indústria com a bandeira ESG procurando instalar placa solar no telhado”, observa Cyro Vicente Bocuzzi, sócio-diretor da consultoria Ecoee, especializada em eficiência energética. “Mas o conselho é primeiramente eliminar o desperdício. Se um shopping reduzir o consumo de energia sem perda de conforto, ele precisará de um telhado solar menor”, exemplifica.
“O desafio de eficiência energética é maior nas empresas de pequeno e médio porte, mas mostramos que os investimentos em troca de motores e equipamentos não são altos e muitas vezes nem há despesa de capital”, diz Ricardo Terra, diretor regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de São Paulo, que presta serviços de consultoria em eficiência. Segundo o diretor, a demanda por esse aconselhamento aumentou 40% neste ano em relação ao anterior, e as empresas assistidas apresentam economia média de 30%.
Além de 3 mil empresas atendidas, o Senai articulou-se com a agência de cooperação alemã GIZ no programa PotencializEE para alcançar mil pequenas e médias indústrias com até 499 funcionários. Na etapa do diagnóstico para identificar potenciais ganhos de eficiência, 60% dos gastos são subvencionados pelo fundo europeu Nama Facility e 40% pagos pela empresa. Depois, na etapa da implementação, a subvenção cai para 20%. Com a garantia do fundo, a ideia é que a empresa tome empréstimos, pagos em grande parte com o valor economizado na conta de luz.
Embora as crises hídrica e de energia estimulem soluções alinhadas com a sustentabilidade, como aumento de eficiência e uso de fontes renováveis, levantam também pontos controversos. Segundo Vicente Andreu, que foi presidente da Agência Nacional de Águas entre 2010 e 2018, há um esgotamento da matriz hidráulica brasileira, e isso tem facilitado o discurso de que a expansão terá de ser na base térmica.
“Como alternativa às hidrelétricas, há duas opções: geração termelétrica a gás natural e termonucleares”, diz o especialista em energia da CNI, Roberto Wagner Pereira. Ele vê as renováveis como fontes apenas complementares à geração de base, dado que são intermitentes, suscetíveis ao clima e com tecnologia de armazenamento ainda incipiente. Pereira critica a escolha que o Brasil fez por hidrelétricas com menores reservatórios, para minimizar danos socioambientais dos alagamentos. “Agora a gente terá de repensar esse modelo.”
Aos questionamentos feitos pela reportagem, o Ministério de Minas e Energia respondeu, por meio de nota, que desde outubro de 2020 adota medidas para aumentar a oferta de energia e para reduzir o consumo, como atuação de mais termelétricas, importação de energia e “flexibilização de critérios operativos”, entre outras medidas.
“Seu” Arisson Moreira, de Junqueirópolis, não está tão convencido: “Se esse povo que está lá na direção, em que a gente nem acredita mais, não tomar uma atitude, a parte mais fraca vai começar a morrer com falta de água e energia. Mas depois a crise vai chegar no governo também. Porque a pessoa fere a natureza e a natureza devolve a resposta. É aí que nosso país vai para a derrota.”
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