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Taxa Libor sai de cena após 4 anos de preparação
No dia de Ano Novo, um capítulo da história financeira será encerrado: a abalada taxa Libor dará um passo decisivo rumo ao desaparecimento, depois de 45 anos como um instrumento referencial dos mercados globais. A partir de janeiro, ela não poderá mais ser usada como referência em qualquer contrato novo de derivativos, empréstimos e ofertas de cartões de crédito.
A Libor seguirá viva numa escala menor, nos US$ 230 trilhões em contratos existentes que dependem dela como base para o pagamento de juros. Mas para autoridades reguladoras e bancos, o mês que vem será o momento inicial após quatro anos de preparação árdua para a vida sem ela. “É uma das maiores transições ocorridas nos mercados financeiros em décadas”, diz Dixit Joshi, tesoureiro do Deutsche Bank. “Esse é um marco para as autoridades reguladoras sobre as lições aprendidas desde a grande crise financeira.”
A Libor tropeçou após ficar marcada por um escândalo em que operadores dos maiores bancos de investimentos do mundo foram pegos tentando manipular a taxa a seu favor. Por isso, foram punidos com multas de US$ 10 bilhões. Mas mesmo enquanto tentava reformular a taxa, sua principal autoridade reguladora, a Financial Conduct Authority do Reino Unido (FCA), preocupava-se com uma questão ainda mais substancial: o número anunciado todos os dias às 11h55 em Londres representava um sério risco à estabilidade do sistema financeiro.
Embora fosse referência para contratos que afetavam milhões de pessoas, a atividade de financiamento bancário que ela supostamente deveria refletir não existia mais. As submissões diárias dos bancos para a definição diária da taxa eram em grande parte estimativas. Além disso, após o escândalo, os bancos não queriam mais fazer esse trabalho.
Em 2017, a FCA e outros reguladores chegaram a uma solução mais radical: acabar com as 35 taxas diferentes, espalhadas por cinco moedas, a partir de 2022. Milhares de contratos perderiam a taxa que está na base de seus valores.
Não havia um substituo idêntico para a Libor, que refletisse as expectativas dos investidores em relação às taxas futuras. Ela também incluía um componente para orisco de crédito dos bancos. Usuários como corporações e gestoras de ativos gostavam dela porque sabiam antecipadamente o tamanho de seus pagamentos de juros.
As autoridades queriam que a substituição fosse baseada nas taxas de empréstimos overnight, baseadas em transações ocorridas um dia antes. Isso eliminou o componente do risco de crédito bancário, tornando-as “livres de risco”. Elas estavam mais sintonizadas com taxas de juros domésticas, mas refletiam os negócios já feitos, e não o futuro. Nem todos os países tinham uma alternativa pronta. O Reino Unido poderia recorrer à Sonia, taxa de empréstimo overnight muito usada; os EUA tiveram que criar do zero uma nova taxa, a Sofr.
Para bancos e reguladores, isso significou não só o desenvolvimento de novos referenciais, mas a elaboração de salvaguardas legais alternativas e alertar o tempo todo que o mercado precisava estar pronto. A volatilidade induzida pela pandemia em 2020, quando as taxas de juros globais foram cortadas, fortaleceu a determinação de reguladores.
“Como vimos em março e abril de 2020, as taxas da Libor estavam subindo em tempos de tensão econômica”, disse Edwin Schooling Latter, que lidera o esforço de troca na FCA. “Pode-se argumentar que os bancos estavam repassando aos clientes seus próprios custos de financiamento… Nossa visão é que os bancos estão melhor posicionados para gerenciar esse risco do que os clientes de varejo.”
Por vezes a transição assemelhou-se a uma maratona desgastante. Muitos acharam que seria impossível não só criar taxas livres de risco como aumentar os negócios nos mercados futuros, o que supriria as expectativas dos investidores com as taxas futuras. “Se você perguntasse a alguém no fim de 2017 se isso aconteceria até o fim de 2021, essa pessoa iria rir de você”, diz Sarah Boyce, da Associação dos Tesoureiros Corporativos do Reino Unido.
Esse ceticismo foi parcialmente justificado. Mesmo no começo do ano, contratos avaliados em US$ 265 trilhões ainda estavam atrelados à Libor. Incorporar uma opção à Libor em dólar foi particularmente complicado porque se tratava de uma nova taxa. Para aliviar o fardo, autoridades britânicas e dos EUA permitiram que a Libor em dólar para contratos atuais siga até meados de 2023, embora novos negócios estejam proibidos após dezembro. A FCA permitiu ainda versões “sintéticas” da Libor em libras e ienes por um ano. Aqueles que não trocaram os contratos dependerão temporariamente de versões da Libor que serão baseadas em uma fórmula e suas alternativas, que seguem a diferença entre as novas taxas livres de risco e a Libor.
Nos últimos meses, a maratona se transformou em corrida de arrancada. A maioria dos volumes de novos contratos de swap negociados de forma privada em libra esterlina, iene, franco suíço e dólar de Cingapura agora usa amplamente as chamadas novas taxas livres de risco. Isso deixa as autoridades concentradas na aceitação teimosamente mais lenta da versão da Libor em dólar.
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