Série investiga segredos por trás de uma família perfeita

“A Escada”, minissérie do HBO Max, traz uma família perfeita, ao menos nas aparências. Muitos dos que conheceram Michael e Kathleen Peterson confessaram nutrir uma ponta de inveja, tamanha era a harmonia doméstica do casal. Pais exemplares, membros ativos da sociedade, pareciam eternamente apaixonados, felizes na companhia um do outro.

Os filhos, cinco ao todo, de diferentes casamentos, nunca os viram brigando – não de verdade. Para o casal, a ideia de uma noite agradável era um jantar a dois, um filme na TV e algumas taças de vinho à beira da piscina. Exatamente o que eles fizeram naquele fatídico 9 de dezembro de 2001, depois de uma sessão de “Os Queridinhos da América”. O cenário: uma pacata vizinhança de Durham, na Carolina do Norte.

Era pouco mais de duas da madrugada quando Kathleen, nesta dramatização vivida por Toni Collette, anunciou que estava indo para a cama. O marido (Colin Firth) a seguiu cerca de meia hora depois, apenas para encontrá-la caída no pé da escada, toda ensanguentada.

Aparentemente, ela teria caído e batido com a cabeça num canto da parede. Michael chama a emergência, desesperado. “Rápido!”, ele implora na linha, antes de voltar a ligar, desta vez para informar que a esposa não está mais respirando.

Quando os paramédicos chegam, espantam-se com a quantidade de sangue. A cena parece qualquer coisa, exceto um acidente doméstico. Não demora para a polícia isolar a área e começar a trabalhar na hipótese de homicídio. Michael é o principal e único suspeito.

O caso que se seguiu gerou infindáveis especulações e pôs em xeque tanto o caráter do réu quanto a credibilidade do judiciário americano, na medida em que a narrativa dos promotores de acusação ia tangenciando o moralismo. Descontando as lacerações no crânio da vítima, passíveis de múltiplas interpretações pelos analistas forenses, a “evidência” contra Peterson era a pornografia gay confiscada em seu computador.

A suspeita era de que Kathleen havia descoberto o hobby secreto do marido, pouco antes do confronto violento que resultaria em sua morte. Michael alegou que a esposa sempre soube de sua bissexualidade e que havia um acordo entre os dois.

A acusação saiu à caça de gigolôs, supostos affairs, qualquer coisa para corroborar a ideia de que o réu mantinha uma vida dupla. Em certo momento, parecia que era a sua homossexualidade que estava em julgamento. Michael, um romancista e veterano da Guerra do Vietnã, também dizia acreditar ser vítima de perseguição política, uma vez que concorria a um cargo na Prefeitura de Durham.

Mas nada é tão simples neste caso. O criador de “A Escada”, Antonio Campos (filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes) mostra que, inocente ou não, Michael nem sempre dizia a verdade, como chegou a admitir em diferentes ocasiões durante o processo, toda vez que a acusação trazia à tona novas circunstâncias comprometedoras.

A maior delas foi a revelação de que sua primeira esposa, Elizabeth Ratliff, teria morrido em condições estranhamente similares em 1985, quando o réu morava na Alemanha.

Os filhos que até então não duvidavam da inocência do pai passaram a se questionar. Dentre eles, a filha biológica de Elizabeth, Margaret, interpretada por Sophie Turner (a Sansa de “Game of Thrones”). O elenco também inclui Patrick Schwarzenegger, Rosemarie DeWitt e Juliette Binoche como a documentarista francesa e futura companheira de Petterson, Sophie Brunet.

Em parte, “A Escada” é um exercício de metalinguagem, uma vez que a narrativa compreende o período e os bastidores da realização do documentário “The Staircase”, lançado na Netflix em 2004. Do mesmo diretor de “Assassinato Numa Manhã de Domingo”, documentário vencedor do Oscar, o filme original acompanhou as atribulações do processo, tal como seu efeito sobre a família Peterson.

Algumas das cenas e falas são fielmente reproduzidas nesta adaptação de oito episódios, que também põe em foco a perspectiva dos documentaristas e suas hesitações ao longo do caso. Toni Collette chegou a afirmar que a minissérie é até mais verdadeira que o documentário.

A Escada

• EUA, 2022 – Criador: Antonio Campos – Onde: HBO Max /AA+

• AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média / BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco

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