Reforma tributária precisará de novas leis para entrar em prática; entenda

Governo precisa regulamentar aproveitamento de créditos tributários e repartição de receitas, dizem especialistas

O retorno da reforma tributária à Câmara dos Deputados, onde deverá passar por votação final dos parlamentares, abriu discussão sobre as leis que serão necessárias para regulamentar alterações na cobrança de impostos no Brasil.

Para especialistas ouvidos pelo JOTA, a PEC 45/2019, que modulou a reforma, traz apenas a base estrutural do novo sistema de tributação. Permanecem em aberto questões tributárias específicas. Essas pendências devem ser resolvidas por leis fiscais complementares, que também deverão passar pelo Congresso.

“Como esse projeto de reforma tributária abrange e envolve alterações substanciais em diversos aspectos do sistema tributário, certamente vai exigir mais leis para regulamentar adequadamente essas mudanças. Isso ocorre porque diferentes aspectos da reforma, como a unificação de impostos, a redução de alíquotas, a revisão de isenções fiscais e a simplificação de obrigações tributárias, podem requerer legislações específicas”, afirma o advogado Mozar Carvalho.

O que é a reforma tributária

A PEC 45/2019 substitui cinco tributos considerados “disfuncionais” pelo governo federal (ISS, ICMS, PIS, Cofins e IPI) por um IVA dual, formado pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), no âmbito dos estados e municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS), na esfera da União.

Como a redação da PEC que havia sido aprovada pelos deputados em julho foi alterada pelos senadores, a proposta agora retorna à Câmara para votação final. A expectativa é que as mudanças sejam promulgadas até o fim deste ano.

Para que as novas regras possam sair do papel, contudo, é necessária a regulamentação de aspectos tributários alterados pela reforma, dado que o texto recebeu cerca de 830 emendas durante a discussão no Senado, sendo que cerca de 300 foram acolhidas, segundo o Ministério da Fazenda.

De acordo com a versão aprovada pelos senadores, há cerca de 90 menções a leis complementares a serem criadas para detalhar questões como os novos impostos a serem criados, alíquotas, regimes especiais para setores específicos da economia, as regras de transição, os créditos acumulados, dentre outros.

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, afirmou que serão necessárias entre três e cinco leis complementares para a regulamentação de todas as mudanças promovidas pelo projeto.

Appy afirmou ainda que o Ministério da Fazenda já trabalha na elaboração dos três primeiros textos, sendo que um deles deverá tratar dos novos tributos do modelo de IVA dual criado. Outra lei complementar abordará o funcionamento do Comitê Gestor responsável por gerir o IBS. Outra deve regulamentar o Imposto Seletivo, conhecido como imposto do pecado, por taxar bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Opinião de especialistas

Especialistas, contudo, apostam que serão necessárias mais normas do que apenas cinco leis complementares.

Para a advogada tributária Amanda Nadal, em razão da substancial mudança promovida para os tributos relativos aos bens e serviços, somada à dinâmica e à realidade da política brasileira, serão necessárias mais do que cinco leis para regulamentar a nova ordem tributária.

“São muitos pontos a serem tratados, como a forma de repartição das receitas oriundas desses tributos entre os entes Federativos, alíquotas a serem instituídas, definição dos conceitos trazidos pela Emenda Constitucional, dentre outros. Assim, tendo em vista a pluralidade de assuntos e essencialidade de cada um, possivelmente serão definidos em instrumentos legislativos apartados, de modo que há a impressão de que três ou cinco não seriam suficientes”, disse.

Jean Paolo Simei e Silva, doutor em Direito Tributário pela PUC/SP, também acredita que a quantidade de emendas faz com que o número de leis complementares seja muito superior.

“Cada uma delas demanda um universo de detalhes e regulamentações que seguramente não podem ser apreendidas em três ou mesmo cinco leis complementares. Nada impede, claro, que um único bloco legislativo trate todas essas matérias sensíveis, mas existe em cada um desses pontos a necessidade de análises minuciosas com pluralidade de debates, cuja tentativa de tratamento conjunto poderá resultar numa Babel tributária, cenário não desejado por nenhuma das partes envolvidas”, afirma.

Quais deverão ser as principais leis

De acordo com especialistas, de forma geral, o governo deverá promulgar rapidamente uma lei que estabeleça os princípios e diretrizes gerais da reforma, definindo as mudanças específicas a serem implementadas no sistema tributário; uma lei específica para estabelecer as regras e os procedimentos de aplicação do novo IVA; outra necessária para definir as novas alíquotas e como elas serão aplicadas e a que irá revisar as isenções e incentivos fiscais existentes.

Para Amanda Nadal, além dessas regulamentações urgentes, há também outros pontos a serem discutidos até a efetividade de fato do novo sistema de tributos.

“Por exemplo, a redação da PEC 45 estabelece a isenção de itens destinados à cesta básica nacional e a criação da cesta básica estendida, porém não há definição pela PEC de quais bens devem fazer jus a essa isenção, o que ficará a cargo da lei complementar. E mais, o mecanismo de cashback, que prevê a devolução de parte do tributo pago para o contribuinte em situação financeira vulnerável, também exige a edição de lei que definirá seu funcionamento”, disse.

Outro ponto de dúvida atual é: como ficará a lei que regula os créditos acumulados? Isso porque a reforma assegura o ressarcimento desses créditos gerados pelos atuais tributos, como PIS e Cofins, mas não há ainda lei prevista por parte do governo.

“A reforma tributária altera a não-cumulatividade até então experimentada pelo contribuinte brasileiro, substituindo-a por um IVA dual. O novo sistema evidencia regras novas em relação ao aproveitamento de créditos, que inclusive determina a necessidade de lei complementar para tratar sobre os créditos acumulados. De modo que o aproveitamento também ficaria condicionado à regulamentação por lei complementar, mais um tema que demandaria tratamento minucioso a ser discutido e debatido no âmbito do Congresso Nacional”, afirma Jean Paolo Simei e Silva.

Vinícius Pereira, repórter freelancer