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No Brasil, queda das ações leva empresas que fizeram IPO a buscar fusão
Empresas citadas na reportagem:
Uma parte das empresas que fizeram abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) no ano passado iniciou conversas com assessores financeiros para buscar aporte privado ou mesmo se unir a rivais, apurou o Valor. Das 45 companhias que foram à bolsa em 2021, apenas nove estão com ações negociadas acima do preço de listagem – o restante registra queda, com a grande maioria operando muito abaixo do Ibovespa, de acordo com levantamento do Valor Data.
“Houve uma correção [dos preços das ações] muito forte. Quando isso acontece, você acaba trazendo para algumas empresas um foco renovado na criação de valor via M&A [fusão e aquisição, na sigla em inglês]”, diz uma fonte de mercado financeiro. “A oferta subsequente de ações [“follow-on”] acaba saindo da mesa porque o mercado está fechado para isso e, principalmente, porque é muito punitivo para os controladores por conta da diluição.”
Diante desse cenário, o caminho natural é olhar para o lado e conversar com as empresas rivais, ver as alavancas de sinergia e tentar explorar essa rota, diz essa mesma fonte. Pelo menos 14 das 45 empresas estão em conversas para tentar buscar um investidor, financiamento com futura conversão em ações ou viabilizar uma fusão de seus negócios.
Contudo, mesmo para as empresas que estão dispostas a sentar para negociar a entrada de um sócio, aporte e até fusão, a equação não é tão simples, considerando que na mesa de negociação as discussões têm esbarrado na precificação dos ativos, afirmam fontes ouvidas pelo Valor.
Tecnologia e educação
Companhias ligadas aos setores de tecnologia e educação estão entre as que se movimentam nesse sentido, segundo pessoas familiarizadas com o assunto.
As empresas de e-commerce de móveis e decorações Mobly e Westwing são exemplo de grupos que já tentaram se aproximar. No entanto, as conversas não avançaram, disseram duas fontes a par do assunto. Uma delas informou que a Mobly está aberta à entrada de investidores e pode discutir controle. Enquanto as ações da empresa acumulam queda de 86,5% desde o IPO, as da Westwing caem 82%. Ao Valor, o presidente e fundador da Mobly, Victor Noda, disse, em nota, que não comenta rumores de mercado, mas reafirma que a companhia está capitalizada e segue os planos de investimento alinhados com investidores.
As empresas desse setor passam por uma reestruturação. A Etna, da família Kaufman (dona da Vivara), está encerrando gradativamente as operações de suas lojas – a companhia tentou sem sucesso, nos últimos anos, buscar um investidor para o negócio. A concorrente Tok&Stok também percorreu o mesmo caminho e estaria conversado com concorrentes, segundo fontes. No início do ano passado, a Tok&Stok desistiu de ir à bolsa diante das incertezas do mercado.
No setor de educação, rivais também estão conversando entre si. Depois de levantar cerca de R$ 1,2 bilhão em bolsa em fevereiro de 2021, a empresa de ensino superior Cruzeiro do Sul deu início a conversas com o grupo Moura Lacerda, com sede em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, para adquirir seu controle. As negociações, contudo, não se concretizaram – a companhia anunciou em fato relevante em março deste ano que havia desistido do negócio.
Desde sua listagem, as ações da companhia de educação tiveram desvalorização de 72,7%. Fontes afirmam que o grupo está conversando com concorrentes, entre elas a Ânima Educação, também de capital aberto. O Valor apurou, contudo, que a Ânima quer focar em cursos de medicina, que têm um tíquete maior, e não interessa à companhia uma união com a Cruzeiro do Sul, segundo uma pessoa a par do assunto.
Com isso, a companhia, dona das faculdades Positivo e Braz Cubas, busca sinergias com outros grupos com foco em ensino a distância (EAD) – a Yduqs é apontada como potencial alvo para discutir uma união. “Nesse setor, todo mundo está conversando com todo mundo”, diz um assessor financeiro, que preferiu não se identificar.
O movimento de consolidação envolvendo empresas que fizeram IPO em 2021 começou no ano passado – em outubro, o banco Pan, do BTG Pactual, comprou a empresa de tecnologia Mosaico, dona das marcas Bondfaro, Buscapé e Zoom. Dois meses depois, foi a vez de a Eneva adquirir a Focus Energia. As ações da empresa de energia deixaram de ser negociadas em março, pouco mais de um ano após estrear na bolsa. Em janeiro, a XP comprou o banco Modal – a operação envolveu troca de ações. À época do IPO, em abril de 2021, a ação tinha sido precificada a R$ 20. No dia do anúncio da aquisição, 7 de janeiro, o papel tinha atingido sua mínima histórica: R$ 8,35.
As empresas ligadas a tecnologia estão entre as mais afetadas na bolsa, dentro e fora do país. No caso da empresa de programa de fidelidade Dotz, que foi à bolsa há quase um ano, os papéis recuam 80%. A companhia, diz uma fonte, estaria aberta a se unir com um concorrente. Roberto Chade, presidente da companhia, nega esse movimento. “Estamos sempre olhando oportunidades, mas nenhuma conversa chegou até a página 2.”
Segundo Chade, a Dotz comprou recentemente a fintech de crédito Noverde e deverá fechar a aquisição de outra “tech company” complementar ao negócio “em breve”. Desde o ano passado, a gigante chinesa Ant, braço financeiro da Alibaba, é acionista minoritária da empresa de fidelidade.
Na GetNinjas, plataforma digital que conecta profissionais de variadas áreas aos clientes, o valor de mercado da companhia, de R$ 185 milhões, é bem inferior ao que a empresa tem em caixa (cerca de R$ 290 milhões). Fontes afirmam que a companhia não descarta conversas com concorrentes, mas estaria encontrando dificuldades. Uma pessoa próxima à à empresa afirmou que conversas com rivais para parcerias são naturais, mas não há negociação nesse sentido.
Há poucas semanas, a Infracommerce, companhia de serviços para comércio eletrônico, bateu na porta de grandes fundos de private equity (que compram participação em empresas) em busca de recursos para financiar o seu caixa, conforme o Valor mostrou em abril. Nas conversas em andamento, a empresa, cujas ações caem 73,25% desde o IPO, também não não descarta levantar recursos por meio de dívida e depois converter esse financiamento em ações no futuro.
Ações de saúde
No setor de saúde, a consolidação também continua firme, mas esse movimento tem sido intenso nos últimos anos. E, apesar de acumular queda de 45,75% desde seu IPO, a mineira Mater Dei segue firme no seu plano de expansão – desde a oferta, a empresa fez seis aquisições, incluindo hospitais e uma empresa de tecnologia da informação.
Na Oncoclínicas, que tem o banco Goldman Sachs como principal acionista, os planos eram usar os recursos captados no ano passado para expansão. Contudo, como o setor no qual atua é muito especializado, faz sentido neste momento em que as ações estão com forte queda a empresa ser parte de um grupo maior, disse um assessor financeiro.
Quando foram à bolsa no ano passado, as companhias não contavam com o cenário de juros altos – o que resultou no aumento das despesas financeiras. O ambiente de inflação alta e incertezas política e econômica também contribui para a maior volatilidade do mercado de ações.
Daniel Wainstein, sócio-presidente da Seneca Evercore, vê muitas semelhanças entre o movimento de IPO de 2021 com o boom de abertura de capitais entre 2006 e 2007, período marcado pelo ida de incorporadoras e bancos médios à bolsa.
“Existe uma crença generalizada de que o mercado público de ações é o ambiente mais favorável para as empresas se capitalizarem”, diz. Wainstein observa, contudo, que muitas das empresas que foram à bolsa não tinham uma história diferenciada nem tamanho suficiente para ter seus papéis listados.
Das 19 empresas de real state que fizeram IPO entre 2006 e 2007, a grande maioria está avaliada no mercado abaixo do seu patrimônio líquido. Dos dez IPOs de bancos médios, seis fecharam o capital, três permanecem listados e um foi liquidado judicialmente, segundo levantamento da Seneca Evercore a partir de dados públicos na bolsa.
Com as ações de boa parte das companhias desvalorizadas, é mais complicado precificar ativos para uma transação privada, segundo o banqueiro.
“Precificar ativos fica mais difícil em um ambiente onde o câmbio oscila de R$ 5,70 a R$ 4,60 e a taxa Selic sai de 2,0% para 12,75% em questão de meses e os preços das ações de companhias oscilam 10% ou 15% em um único dia”, afirma o executivo Fábio Medeiros, responsável pela área de banco de investimentos do banco Morgan Stanley.
Momento de incerteza
Para ele, essa volatilidade no cenário macro, reforçada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, atrapalha também no micro. “Traz insegurança ao empresário na tomada de decisão”, diz.
“Ninguém gosta de precificar uma transação num momento de grande incerteza”, diz Ricardo Lacerda, sócio e presidente do BR Partners. O banco de investimento também fez listagem na bolsa no ano passado e suas units registram ligeira queda de 1,75% desde a ocasião.
Lacerda observa que a janela para oferta de ações segue fechada. “Empresas maiores têm encontrado algumas janelas [para “follow-on”], mas vai depender até onde vai o movimento de juro.”
Os M&As também desaceleraram no acumulado do ano até o dia 10 de maio. Dados da Dealogic mostram que o total de operações em valor somou US$ 20,7 bilhões, uma queda de 43% em comparação ao mesmo período do ano passado.
Procuradas, Ânima, Cruzeiro do Sul, Goldman Sachs, Oncoclínicas, Yduq e Westwing não comentam. Nenhum porta-voz da Etna foi encontrado pela reportagem. A Infracommerce não se manifestou até o fechamento desta edição.
Em nota, a Tok&Stok informou que não comenta rumores de mercado em relação ao movimento de consolidação. “A companhia confirma que deu continuidade aos planos de expansão e desenvolvimento, de forma independente ao processo de IPO que vinha conduzindo.”
Em comunicado, a Mater Dei disse que vem seguindo a tese apresentada desde a abertura de capital – de definições de hubs regionais em áreas-chave, por meio de crescimento orgânico e inorgânico. Referente à performance das ações, a empresa entende que “se trata muito mais de reflexos conjunturais e que seu plano é de médio e longo prazo, (…) e tem entregado com crescimento eficiente e autossustentado para gerar valor a todo seu ecossistema”.
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