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Pressão dos investimentos brasileiros no exterior sobre o câmbio entra no radar do Banco Central
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Diretor do BC cita busca maior dos brasileiros por diversificação internacional
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Investidores nacionais teriam três vezes mais em criptoativos do que possuem em ações de empresas americanas
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Dinâmica de expansão aumenta a demanda por dólares
O crescimento paulatino de brasileiros investindo em ativos no exterior gerou um componente novo de pressão sobre o câmbio, que entrou no radar do Banco Central. O tema tem sido mencionado por representantes da autoridade monetária em seus apontamentos sobre a dinâmica recente do real. Especialistas consultados pelo Valor, no entanto, avaliam que, embora crescente em importância, essa tendência ainda tem impacto pequeno sobre a cotação do dólar no momento — em especial, diante de um cenário de expectativas fiscais cada vez mais deteriorado como o que o Brasil vive.
Segundo os dados mais recentes do Banco Central, o investimento dos brasileiros no exterior nos últimos 12 meses até setembro chegou a US$ 26,19 bilhões. Destes, US$ 20,33 bilhões são investimentos em carteira e US$ 5,86 bilhões em criptoativos, que são contabilizados no Balanço de Pagamentos em outra linha, como uma importação de bens. O número fica, dessa forma, ligeiramente abaixo dos US$ 27,54 bilhões registrados em agosto, que foi o recorde histórico.
Ao comentar o mercado de câmbio em sua última participação em um evento público, há duas semanas, o diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra, notou que o volume de envio de recursos de brasileiros para o exterior “segue acelerando”, mesmo com o câmbio depreciado. “Essa dinâmica de diversificação de investimentos no exterior talvez tenha vindo para ficar”, disse. O dirigente afirmou ainda que os brasileiros já têm potencialmente US$ 50 bilhões em criptoativos, aproximadamente três vezes mais do que possuem em ações de empresas americanas.
Os comentários de Serra ocorreram em um momento de pressão para o câmbio — mesmo antes da deterioração adicional das expectativas causada pela intenção do governo de furar o teto de gastos —, quando o Banco Central começou a realizar novas intervenções no câmbio, seja através de swap cambial, seja através de vendas no mercado à vista.
“Quando começa a aparecer em power point do BC, é porque eles estão de olho”, diz Alexandre Vasarhelyi, sócio e gestor da BLP Asset Management, que criou o primeiro fundo de criptoativos do mercado brasileiro. “Não sei se já tem tamanho para afetar o câmbio, mas hoje existem muito mais produtos para brasileiros no exterior. E definitivamente, no caso dos criptoativos, este é um fluxo que não existia quatro anos atrás.”
Nos últimos anos, a combinação de Selic em queda, mudanças na regulação que permitiram maior acesso a produtos no exterior e popularização dos investimentos em carteira no país resultou em um volume crescente de investimentos de brasileiros no exterior, desde pessoas físicas, qualificadas ou não, até fundos de pensão. Investimentos que significam, na margem, maior demanda por dólares.
Daniel Weeks, economista-chefe da Garde Asset, chama atenção para o fato de que a participação dos investimentos de brasileiros no exterior em relação ao PIB ainda é muito baixa na comparação com outros países emergentes. “No final de 2020, essa relação ficava em 3% para o Brasil, contra 5,8% do México, 7,3% da Rússia, 25,4% da Colômbia e até 77% no Chile”, nota. “Isso sugere que esse processo ainda tem muito a percorrer.”
Para o novo responsável pela tesouraria do Citi Brasil, Eduardo Miszputen, os investimentos em carteira ainda representam um componente específico do processo de formação da taxa de câmbio. Em sua avaliação, outros fatores mais estruturais acabam gerando pressão sobre o real no momento.
“Um deles é a importante deterioração fiscal que estamos vendo, bem como a dúvida sobre como o governo vai atuar sobre essa questão no médio prazo”, diz o executivo. “Um ponto interessante é que se quebrou a correlação entre preços de commodities e a moeda brasileira. Acho que o que ocasionou isso foi justamente a percepção negativa sobre o risco fiscal.”
Além disso, continua Miszputen, existem as pressões externas, em especial a aceleração global de inflação não apenas nos EUA, o que sinaliza para um aperto das condições financeiras e crescimento menor. “Houve também o evento da Evergrande na China. É difícil saber se é um caso isolado, mas o fato é que a China representa hoje 30% das nossas importações. Um ambiente de crescimento chinês menor, de mais inflação e juros penaliza moedas emergentes, e o Brasil acaba sofrendo mais por causa desse estresse fiscal”.
“Os dados do Balanço de Pagamento mostram como que é o centro de gravidade do câmbio. Mas este é apenas uma variável auxiliar para se ter noção do quanto ele está fora do lugar. Se fosse por esses números, o dólar tinha que estar perto de R$ 4,50 no Brasil”, diz o economista-chefe da Kairós, Marco Maciel. “Mas se você pegar esses R$ 4,50 e aplicar os 16% de volatilidade implícita que se tem hoje, chega nos R$ 5,60 em que estamos.”
Vale notar, por outro lado, que a entrada de investimentos estrangeiros em portfólio também acelerou em 2021. Nos últimos 12 meses até setembro, chegou a US$ 42,676 bilhões, mais de uma vez e meia do que o que saiu no período.
“Por mais que ocorra essa saída mais intensa na margem, o fluxo ainda é muito positivo no ano. Então não é o mercado spot que está puxando, mas a percepção de maior risco fiscal e político”, diz Iana Ferrão, economista do BTG Pactual. A profissional pondera, por outro lado, que a a alta da Selic pode fazer com que a saída de recursos de investidores brasileiros desacelere nos próximos meses. “Não é apenas uma questão de mudança de regulação. Com uma Selic perto de 2%, muitos fundos de pensão, que trabalham com metas de rentabilidade, acabaram impelidos a buscar melhores oportunidades lá fora”, diz.
Esta possível desaceleração das saídas causada pela Selic, no entanto, ainda não aparece nos números do Balanço de Pagamentos, prossegue Iana. “Talvez porque houve alta de juros, mas, ao mesmo tempo, uma incerteza muito grande com relação ao futuro das contas públicas”, diz.
Vasarhelyi, da BLP, avalia que a demanda por criptoativos deve continuar crescendo. “Bitcoin não conversa com ativos como juros, não reage automaticamente aos ativos brasileiros nem aos americanos, tem sua dinâmica própria. Isso pode ser importante por causa do cenário eleitoral”, diz. “Se o brasileiro esse ano perdeu se colocou dinheiro em NTN-B e empatou se aplicou em bolsa, ganhou se colocou em criptomoedas”.
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