Previsões para juros, PIB e IPCA derraparam em 2023. Será que os analistas vão errar de novo em 2024?

Veja também os fatores na economia, na geopolítica e até no clima que podem fazer tudo mudar... mais uma vez

Prever os rumos da economia é uma dura atividade a qual se dedicam centenas de profissionais todos os dias no Brasil e no mundo. São muitos fatores e variáveis que impactam os resultados finais e devem tentar serem previstos pelos especialistas. Para este novo ano, por exemplo, qual é a previsão para o PIB, a inflação e a Selic em 2024? O que pode frustrar as expectativas e o que pode surpreender?

Surpresas acontecem – e, no último ano, aconteceram. As previsões feitas por agentes de mercado no final de 2022 estimavam que nós terminaríamos 2023 com a inflação mais alta, a taxa Selic mais alta e um resultado bastante mais tímido para o crescimento do PIB. De acordo com o boletim Focus, esperava-se um crescimento de 0,80% para a economia brasileira no último ano e o salto, no final, deve ficar na casa de 3,00%.

Para o novo ano, o mesmo relatório prevê que tenhamos uma queda substancial da Selic em 2024, de 11,75% para 9,00%, que a inflação perca mais força e fique em 3,90% ao ano e que o PIB brasileiro cresça 1,59%

Para entender o que aconteceu e o que podemos esperar de 2024, a Inteligência Financeira conversou com João Piccioni, gestor de fundos da Empiricus Gestão; e Marcos Piellusch, professor da FIA Business School.

O que aconteceu em 2023?

Para compreender as diferenças entre as previsões e o resultado final, os especialistas apontam para a agropecuária. O resultado positivamente surpreendente das safras no Brasil contribuiu, explicam, tanto para aumentar a atividade econômica quanto para controlar a alta dos preços.

“A questão da política monetária mais restritiva e o mundo em um momento de preocupação com a inflação fez com que as previsões fossem de um nível de atividade econômica menos intenso”, explica Marcos Piellusch.

“O principal indicador que teve diferença foi mesmo o PIB. A atividade agrícola superou muito as expectativas, provocando essa diferença entre o que estava previsto e o que foi realizado”, completa o professor. “Ao mesmo tempo em que contribuiu para aumentar a atividade econômica, também ajudou a controlar a inflação, uma vez que uma oferta maior de alimentos ajuda a controlar a alta dos preços”.

Para João Piccioni, da Empiricus, “o agro acabou surpreendendo no ano, mas quando a gente olha para a ótica do consumo, o Brasil ficou devendo à beça”. Portanto, a alta da agropecuária mudou o resultado final mas, na visão dele, os fundamentos não terminaram tao diferentes do que se esperava.

“O agro mascarou muito o que foi a nossa atividade. Tanto assim é que o processo desinflacionário acabou surpreendendo até o Banco Central, e isso acaba sinalizando que no final das contas a economia não veio tão bem assim”, diz o especialista. Piccioni também atribui a um preço menor do petróleo no mercado internacional o fator de termos tido uma inflação mais controlada do que a esperada.

“Esperávamos um 2023 muito melhor que 2022 e isso não veio. Por outro lado, as empresas vieram fazendo o dever de casa, reorganizando suas contas, seus balanços. As empresas começaram a melhorar seus balanços”, avalia

O que vai acontecer com bolsa, inflação, juros e Selic em 2024?

Marcos Piellusch recomenda um olhar atento para o ritmo das quedas da Selic em 2024. O professor da FIA acredita ser possível um crescimento do PIB acima do estimado pelo mercado, na faixa de 1,6%. “Eu estou um pouco mais otimista, acredito que esse ritmo de queda na taxa Selic pode contribuir para que o consumo cresça mais do que a expectativa”, afirma.

Por outro lado, as chances de repetirmos o PIB de 2023 seriam mais baixas, uma vez que o resultado acima da média do agro não deve se repetir. “Há efeitos climáticos que fazem prever que a safra de 2024 não seja tão boa quanto a desse ano. E assim, o PIB da agropecuária vai crescer um pouco menos, o que deve contribuir negativamente para o resultado”, afirma Piellusch.

Para João Piccioni, da Empiricus, “o mercado americano é a chave de tudo”. “A economia americana está nitidamente desacelerando, não à toa o Fed sinalizou com a aceleração da queda [das taxas de juros]. Parece que não vai ser uma desaceleração brutal, mas vai trazer alguns incômodos e levar a posição do Fed a ser um pouco mais frouxa”, afirma.

O gestor prevê que tenhamos um pulso de liquidez na economia a partir das decisões do banco central americano. “Se o Fed baixa os juros mesmo, uma parte desses recursos vai para ativo de risco”, afirma. “Bolsa americana vai surpreender o mercado, vamos ver uma reprecificação”.

Piccioni acredita que a posição do Fed também possa levar o Banco Central a ampliar queda dos juros. “Esse próprio discurso do Fed vai abrir espaço para Roberto Campos Neto e a equipe dele baixar mais do que o esperado. Acho que a Selic vai para baixo dos 8,50% ao ano. Olhando para a ótica do juro real”.

Expectativas para bolsa e bitcoin em 2024

Para João Piccioni, temos uma combinação de fatores que permitem um otimismo com o mercado de ações brasileiro neste próximo ano.

“O caixa das empresas brasileiras vai estar em melhores condições. As empresas fizeram ajuste de caixa, cortaram funcionários. Só reduzindo o custo de capital dado, o cenário que o mercado está projetando. Esses 130 mil pontos já guardam uma previsão para o ano. Se a gente simplesmente mexer essa taxa de desconto, juro americano cai, Risco Brasil diminui, Selic vem pra baixo, a gente caminha para uma taxa de desconto menor”, avalia.

“Só isso já pode levar o Ibovespa de 135 mil para 165 mil. Se você simplesmente mexer a taxa de desconto e esperar que as empresas venham um pouco melhor do que o mercado está esperando, só isso já seria suficiente para levar para acima dos 170 mil pontos”, completa Piccioni.

O gestor afirma também que os olhos neste ano devem estar voltados para as criptomoedas, que serão um indicador potente dos rumos da economia. “O bitcoin vai ser um lead indicator. Começou a andar em outubro e a gente viu o fluxo para as demais classes depois. Talvez seja um ponto chave de 2024.”

Quais são os riscos em 2024?

Os especialistas citam as perspectivas menos otimistas para o agronegócio esse ano como um ponto de atenção. “O pessoal do agro tem sido bem vocal sobre a safra de soja, no sentido de que as colheitas tão sendo bem menos produtivas que no ano passado, e os preços das commodities tem caído”, diz João Piccioni.

“Tivemos um ciclo de altas e agora estamosem um ciclo mais estável. Tem sim um risco de a gente ter quebra de safra e isso trazer o PIB para baixo, tendo em vista que o PIB foi muito forte”, avalia. Por outro lado, isso pode contar a favor de mais quedas na Selic. “Uma balança comercial mais fraca tiraria ainda mais a pressão do BC manter juros”, afirma.

Para o professor Marcos Piellusch, pesa contra o crescimento em 2024 também que a resiliência do endividamento das famílias pode frustrar as perspectivas de volta do consumo.

“Hoje temos taxas de juros ainda altas, então quem está endividado hoje está carregando um fardo muito pesado. Se as pessoas conseguirem reduzir esse endividamento isso pode contribuir positivamente para que em abril, maio, tenhamos um retorno desse consumo. Se não houver, o varejo e os serviços podem sofrer um pouco mais”, avalia.

Riscos da inflação e a queda da Selic em 2024

Para a inflação, fica também no radar a expectativa de uma safra agrícola pior, o que pode diminuir a oferta de alimentos e levar a um aumento nos preços, além das questões geopolíticas.

“A gente tem conflitos armados em praticamente todos os continentes. Temos um conflito armado no Oriente Médio, na Europa com Ucrânia e Rússia, temos algo possível na Ásia com a China, na América do Sul com o Maduro”, afirma o gestor da Empiricus.

“Um desdobramento dos conflitos geopolíticos, guerras, podem acarretar aumento de preços, como por exemplo aumento de preços de petróleo tem um impacto muito intenso em todas as áreas. Embora eu não acredite que vá ter aumento de preços de petróleo, a situação desses conflitos parece relativamente controlada, sempre pode acontecer”, diz o professor Marcos Piellusch.

Do ponto de vista da queda de juros, a política fiscal segue no radar, como é de praxe. “Tudo que é política fiscal que transfere muita renda acaba gerando inflação”, diz Piccioni, que não acredita em um descontrole dos gastos neste ano.

“O [ministro da Fazenda Fernando] Haddad está brigando pelo déficit nominal zero. Vai ter algum déficit, natural, mas esperamos que não seja estrondoso”, afirma. “Não teve muito investimento [em 2023], não gastaram, não ultrapassaram aquela média. Se isso se mantiver está preservado. Se não for, temos esse risco”, completa.

As previsões para PIB, inflação e Selic em 2024

A última edição do boletim Focus, que compila as expectativas dos agentes de mercado, lista as seguintes previsões:

  • IPCA: 3,90%
  • Crescimento do PIB: 1,59%
  • Câmbio: R$ 5,00 por dólar
  • Selic: 9,00% ao ano