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Pacote fiscal deixa ambiente mais perigoso, diz a economista Zeina Latif
Especialista afirma que pacote de corte de gastos é tímido e discussão sobre Imposto de Renda é precipitada
Os agentes do mercado financeiro receberam mal o pacote fiscal detalhado pelo governo na quarta-feira (28). O dólar superou o patamar de R$ 6 pela primeira vez na história. A bolsa caiu 2,4%. E as taxas longas de juros abriram novamente 40 pontos-base, com os investidores precificando a Selic perto de 15% no ano que vem.
Para a economista Zeina Latif, uma das mais influentes do país, esse comportamento não é exagerado, “pelo menos é compreensível”. Segundo ela, o pacote cai como mais um episódio dentro de uma série de descompromissos do atual governo com o fiscal.
“O dinheiro não aceita desaforo. A gente foi tendo uma percepção mais clara de um compromisso muito frouxo do governo com a disciplina fiscal. E isso, obviamente, bate no preço dos ativos”, afirma.
Para ela, o pacote “é muito tímido à luz da deterioração da credibilidade do governo”. E como resultado, deixa o ambiente mais perigoso para a economia, com possíveis impactos na trajetória dos juros básicos da economia. Confira abaixo os principais trechos.
Eu diria que pelo menos é compreensível. Não é que de repente o mercado ficou de mal humor. A gente foi tendo uma sequência longa de notícias preocupantes do fiscal. Ainda lá perto da transição, em 2022. Com muita frequência, a gente vê notícias que preocupam, que elevam o risco fiscal. De aumento de gastos, da rigidez do orçamento. A gente tem um orçamento público em que 93% das despesas são obrigatórias. O governo aumentou ainda mais essa rigidez. Por exemplo, quando adota uma regra de salário mínimo que corrige pela inflação, mais o crescimento do PIB. Impactando mais de 50% dos gastos da União.
Quando o governo, no ano passado, anunciou o arcabouço fiscal, já era muito claro os problemas do desenho desse regime fiscal. (Mas) o mercado recebeu bem. O dinheiro não aceita desaforo. A gente foi tendo uma percepção mais clara de um compromisso muito frouxo do governo com a disciplina fiscal. E isso, obviamente, bate no preço dos ativos.
Parece muito claro que a reação dos mercados hoje está muito associada às medidas no lado da arrecadação. Não é só por conta do pacote fiscal que ele decepcionou os mais otimistas. Acho que é mais do que isso, (é por ter) trazido de novo essa questão de aumento de carga tributária para os números.
O pacote é muito tímido à luz da deterioração das expectativas, da deterioração da credibilidade do governo. Vai ter que ter mais coisa. Tem algumas iniciativas que até vão na direção correta. Como, por exemplo, avançar sobre a questão da previdência dos militares, que é um tema difícil, ainda que o impacto seja pequeno. A gente está falando de déficit superior a R$ 50 bilhões por ano, para um grupo pequeno de pessoas.
Mas, depois, têm medidas para flexibilizar a regra do abono salarial. O abono salarial não é uma boa política pública. Mas seria irrealista imaginar que ele simplesmente seria cortado. Nenhum presidente anterior conseguiu fazer isso. Então, de fato, começar a flexibilizar, mesmo que não tenha ganhos no curto prazo, é uma iniciativa importante. Só que o conjunto é muito pouca coisa para garantir o cumprimento da meta em 2025, 2026.
Eu acho que agora a gente tem que olhar (para) 2025 e 2026. Nada impede que um próximo (presidente) chegue e fale: ‘Não, eu vou mudar aqui e ali’. Essa conta de olhar para o longo prazo, ela pouco ajuda.
Tem uma coisa muito concreta aqui. A preocupação de o quanto o governo está comprometido com a própria meta de resultado fiscal. E com o seu arcabouço fiscal. A gente já viu mudanças de meta, dificuldade de atender aos requisitos do arcabouço fiscal. Então, o objetivo é tão amplo, (é) o orçamento do ano que vem, é o orçamento de 2026. Parece que o nível de impacto fiscal tende a ser menor. E, mesmo que seja esse volume, ele é insuficiente. Vai ter que ter algum tipo de contingenciamento de gasto discricionário e novas medidas.
Lembrando que uma parte relevante está associada a emendas parlamentares. Que já foram negociadas, minimamente acertadas no Congresso. Mas a gente sabe que quando o ajuste fiscal cai no colo do Congresso, óbvio que a dificuldade política é maior.
Do lado econômico, não era a hora de trazer esse tema. Neste momento, o foco deveria ser as medidas para contenção do crescimento das despesas obrigatórias. É isso que o mercado, os analistas estavam esperando há várias semanas.
Há risco do Congresso não aprovar o pacote completo, ou seja, só fazer a correção da tabela do IR para quem ganha até R$ 5 mil e não fazer a segunda perna, a compensação. Os sinais do Congresso têm sido muito claros de serem refratários ao aumento de tributação para os grupos, mesmo que em nome de uma suposta neutralidade desse impacto. O risco fiscal subiu de novo. E essas medidas do governo não contribuem para diminuir o risco.
Rigorosamente, se você eleva a capacidade de consumo da população próxima da base da pirâmide, supostamente pode aumentar a propensão a uma intenção de consumir. E isso tem, portanto, mais efeitos sobre a demanda. Do outro lado, não tem o mesmo impacto. Apenas pode diminuir a taxa de poupança desses grupos mais privilegiados. O efeito líquido pode ser mais expansionista num primeiro momento.
É difícil dizer porque a gente está em dias muito nervosos. Lá fora não ajuda. Os riscos já estavam assimétricos, usando o jargão do Banco Central, no sentido de alta (do câmbio). Certamente a gente vai continuar tendo muita volatilidade. Vale aquela máxima: reputação quando perde, é difícil recuperar. O governo vai ter que se esforçar muito. Vamos estar muito vulneráveis a pressões adicionais.
Eu acho que é possível. Mas apesar de tudo, eu acho que ainda não é o cenário mais provável. Seria pouco eficiente. A origem do problema é uma questão fiscal. E a alta dos juros, não é ela que vai conseguir conter a alta do dólar. A tendência seria o Banco Central aguardar, não tomar a decisão em momentos de grande volatilidade. Agora, eu não digo isso para você com toda a convicção do mundo, não. Eu acho que o ambiente ficou mais perigoso.
Eu não gosto de muita manipulação em taxa de juros. Quando cai para 2%, eu fui crítica. Quando sobe muito, eu também sou um pouco crítica. Eu acho que a política monetária precisa ser mais suave. Mas, entre puxar bastante e, simplesmente, depois demorar para cortar, eu prefiro a segunda opção. Eu prefiro uma trajetória mais suave. Para o setor produtivo também é melhor. E do ponto de vista da relação custo benefício para ancorar a inflação, para ser honesta, eu também acho que o balanço final é melhor assim. Vamos ver como será a cabeça do próximo presidente do Banco Central. Se ele vai ser mais ativista na política monetária ou não.
Agora, tem um ponto concreto. É verdade que o Gabriel Galípolo entra com um déficit de credibilidade. Não por ele, mas só por ter sido indicado pelo Lula. O tempo todo o presidente politizou a política monetária. Que a meta de inflação era muito baixa, criticava o atual presidente. Então, possivelmente, ele só escolheu o Galípolo porque ele pensa como ele é. De tal forma que o Conselho Monetário não muda a meta, mas, na prática, a meta de fato é 3,5%.
Então, quando a gente vê no Boletim Focus a expectativa inflacionária de 3,5%, no fundo é isso. Olha, não é três a meta. Para o Galípolo a meta é 3,5%. É um presidente que começa enfraquecido. Daí você fala, bom, já que ele está enfraquecido ele tem de dar um choque de juros? É possível que se faça essa leitura. Mas, de novo, a gente pode até ter uma percepção de piora. Um choque de juros significa piorar a dívida pública.
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