BC reconhece avanço na condução do arcabouço fiscal, mas não dá pista sobre fim do ciclo de aperto monetário

Analistas veem aceno ao governo, mas divergência sobre juros se mantém

O comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom), após a decisão que manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano, reconheceu o avanço da discussão em torno do arcabouço fiscal, mas não indicou com clareza quando será iniciada a reversão do ciclo de aperto monetário.

O Banco Central voltou a falar em “paciência e serenidade” na condução da política monetária, mesma expressão que usou no comunicado da decisão de março.

“A autoridade monetária seguiu reconhecendo como alto o nível de inflação, além de considerar o mercado de trabalho mais persistente do que o esperado. Assim, o BC segue sem espaço para cortes de juros no curto prazo”, diz Luca Mercadante, economista da Rio Bravo.

O Copom anunciou no início da noite de quarta-feira (3), a manutenção da Selic em 13,75% pela sexta reunião consecutiva. O patamar de juros se mantém estável desde agosto de 2022. “O Comitê entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2024”, diz o comunicado do Copom.

Apesar de a inflação estar perdendo força, as expectativas para a inflação estão acima da meta, “e a manutenção da taxa de juros poderá garantir a convergência da inflação para a meta”, diz Pedro Raffy, professor da faculdade de Economia e Mercados da Universidade Mackenzie.

Sem cortes em junho

“A leitura do comunicado divulgado pela Autoridade Monetária e que manteve a taxa básica em 13,75% sugere que o colegiado do Copom não deve cortar os juros na reunião de junho, mas apenas no segundo semestre”, diz o economista André Perfeito.

Para ele, alguns pontos chamaram a atenção, como “a perspectiva que a aprovação do Arcabouço Fiscal não gera automaticamente corte de juros, o que era óbvio, mas contrasta com elogios iniciais à proposta do Ministério da Fazenda”, diz Perfeito.

Ativos de risco devem sofrer

Para Perfeito, a decisão do Banco Central de não sinalizar um corte na taxa de juros “deve bater no mercado de capitais”, com os investimentos em renda variável e o restante da economia “com uma bola de ferro no pé”.

Bruno Komura, da Rio Preto Investimentos, diz que o tom do discurso foi “bastante duro”, o que indica uma manutenção das taxas no patamar atual por mais tempo. “Isso acaba prejudicando os ativos de risco, porque causa desaceleração na economia”, avalia. O analista vê corte nos juros apenas em dezembro.

“Desconforto no governo”

Igor Barenboim, sócio e economista-chefe da Reach Capital, diz que O BC “decidiu manter a linguagem dura” ao dizer que pode retomar a alta de juros. “Esse posicionamento vai causar desconforto no governo, agravado pela pauta do projeto de decreto legislativo revogando o decreto sobre saneamento”, diz o economista.

Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil, se surpreendeu com a possibilidade de manutenção dos juros por mais tempo, “pegando o mercado meio que na contramão, em um momento em que havia a esperança de um corte de juros no curto prazo”, avalia.

Cortes podem vir somente em abril de 24

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, diz que há a necessidade de que a Selic permaneça elevada por mais tempo que o sugerido pelo Boletim Focus, que contempla cortes a partir de setembro de 2023. “Deste modo, reafirmamos nossa perspectiva de que a Selic ficará inalterada em 13,75% até abril de 2024”, avalia.

Lula e as críticas públicas ao BC

Isso indica a manutenção de tensões entre o Banco Central e o governo Lula. O presidente da República voltou a criticar o nível da taxa básica de juros em evento no feriado do Dia do Trabalho. Segundo Lula, os juros altos seriam “parcialmente responsáveis” pelo desemprego no país.

“Não podemos viver em um País onde a taxa de juros não controla a inflação. Ela controla, na verdade, o desemprego, porque ela é responsável por uma parte da situação que vivemos hoje”, afirmou Lula durante o evento.

Inflação ainda pesa

Apesar de a inflação estar perdendo força, as expectativas para a inflação estão acima da meta, “e a manutenção da taxa de juros poderá garantir a convergência da inflação para a meta”, diz Pedro Raffy, professor da faculdade de Economia e Mercados da Universidade Mackenzie.

‘Custo’ econômico

O professor avalia que o impacto de uma taxa de juros elevada se dá diretamente sobre a atividade econômica: taxas de juros elevadas prejudicam a atividade econômica, ao passo que reduções na taxa de juros poderiam estimular a economia.

Entretanto, entende-se que preços estáveis são importantes para um crescimento econômico sustentado e, diante disso, “busca-se primordialmente o controle da inflação, ainda que isso acarrete custos indesejáveis de curto prazo em termos de redução do crescimento econômico”, diz Raffy.

BC reconhece inflação alta, mas se mantém firme

Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, analisou a postura do BC: “Sem acenar ao governo, o Copom se manteve firme mais uma vez. A autoridade monetária seguiu reconhecendo como alto nível de inflação, além de considerar o mercado de trabalho mais persistente do que o esperado. Nos resultados do modelo a autoridade monetária vê pouco alívio, inclusive no cenário mais pessimista. Assim, o BC segue sem espaço para cortes de juros no curto prazo. Mantendo o tom duro o Copom seguiu vendo a possibilidade de retomada do ciclo, ainda que agora reconhecendo a menor probabilidade”.

Para Luca, no parágrafo referente ao balanço de riscos, no qual o governo gostaria de ver uma sinalização positiva sobre o arcabouço fiscal, o BC fez pouco aceno ainda colocando como uma pressão de alta a recepção do arcabouço e seu impacto nas expectativas. “De forma geral, o tom se manteve bastante hawkish, entretanto, nas últimas decisões vimos uma suavização do discurso na Ata, que será divulgada na semana que vem”, afirma Luca.

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