Entrevista Luiz Barsi: ‘Ações são mais seguras e garantidas do que a renda fixa. Acredito em dividendos’

Os melhores setores para investir, as ações descontadas que pagam bons dividendos e os papéis que são ‘conto do vigário’, segundo o maior investidor individual da Bolsa

Empresas citadas na reportagem:

Luiz Barsi não fica na Wall Street paulista, a avenida Faria Lima, que abriga boa parte dos bancos de investimento e gestoras do país. Em vez disso, o investidor, com fortuna estimada em mais de R$ 4 bilhões, recebe a reportagem do Valor no escritório da Boa Vista Investimentos no centro de São Paulo, polo financeiro de décadas atrás.

No ambiente de estilo austero, com diversos quadros e recordações do pregão viva-voz da antiga Bovespa, quem chega primeiro é a filha de Barsi, a empreendedora Louise Barsi, que alça voos próprios no segmento de educação financeira por meio da plataforma Ações Garantem Futuro (AGF).

É ela quem resume quais são, pela metodologia dos dois, os melhores setores para se investir em ações. “Existe um acrônimo que se chama BESST: bancos, energia, saneamento, seguros e telecomunicações.”

Luiz Barsi, de 83 anos, é um histórico defensor do investimento em ações de empresas que pagam bons dividendos com o objetivo de obter ganhos de longo prazo. E o método se paga. Só em 2021, o investidor diz ter recebido R$ 300 milhões em proventos.

Hoje, as novas apostas do megainvestidor são a elétrica Auren, a companhia do setor sucroalcooleiro Cosan, a Vibra Energia, dona das redes de postos BR, e o Banco Mercantil.

Conquanto a maioria dessas posições esteja em linha com sua clássica estratégia de buscar ações descontadas de empresas que paguem bons dividendos e tenham receitas previsíveis, alguns racionais foram atualizados. Na Auren, por exemplo, o viés de energias renováveis foi um diferencial. “A Tesla vendeu mais de 350 mil carros nos Estados Unidos em 2021, então há uma tendência forte das matrizes fósseis terem menor potencial no futuro.”

O investidor só vai ganhar dinheiro a médio e longo prazo. Comprei Eletrobras a R$ 3,80, hoje está a R$ 40.”

Luiz Barsi, de 83 anos, investidor com fortuna estimada em mais de R$ 4 bilhões

Polêmico, critica a recomendação apaixonada que influenciadores nas redes sociais fazem de uma carteira de dividendos focada em fundos de investimento imobiliário (FII). Para ele, FII é um “conto do vigário”. Barsi também reclama dos especuladores que vendem ações a descoberto e diz ainda acreditar na recuperação dos papéis do ressegurador IRB Brasil, que caem mais de 90% desde a máxima, atingida em janeiro de 2020.

As recomendações e análises de bolsa são frequentemente pinceladas com essas críticas, que também recaem sobre banqueiros e algo que ele chama de tentativa de transformar o Brasil em uma “nação de agiotas”.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O senhor começou sua carreira identificando os setores que tinham mais chance de perdurar. Na época eram alimentos, saneamento, energia, mineração e financeiro. Agora em 2022, se fosse refazer essa análise, quais setores enxerga com essa capacidade de perdurar e crescer?

Luiz Barsi: Não mudou muito. Dentro desses setores há muita coisa de necessidade vital, como alimentos.

Louise Barsi: Existe um acrônimo que se chama BESST: Bancos, Energia, Saneamento, Seguros e Telecomunicações. São os melhores setores para começar a filtrar.

Luiz: Eu estou comprando hoje as ações de três empresas: Auren [resultado da fusão entre os ativos de energia da Votorantim e da controladora da Cesp ], Cosan e Vibra. A Auren carrega dentro de si um componente interessante, que é continuar investindo em uma matriz energética solar. Ela já tem matriz energética hídrica e é dona de uma usina grande, a Porto Primavera, que era da Cesp.

Ser uma empresa com esse componente de investir em energia solar e outras matrizes renováveis é importante para o senhor?

Luiz: Estamos olhando para o que o mundo está olhando, que é energia limpa. Estivemos recentemente em Miami e andamos várias vezes de carro elétrico. Há uma tendência forte das matrizes fósseis terem um desempenho de menos potencial no futuro.

Vocês podem abrir um pouco a carteira de investimentos de vocês dois?

Luiz: Eu não compro ações para vender amanhã, eu tenho ações do Banco do Brasil que comprei a R$ 0,60, tenho ações da Klabin que eu comprei a R$ 0,17, tenho da Suzano, que paguei em torno de R$ 2,00 ou R$ 3,00, da Unipar, que comprei a R$ 0,25 e hoje está R$ 100. Tenho também da Taurus. Fora isso, tenho Transmissão Paulista, Taesa e Cemig. Então são papéis que eu não vou vender, mas que prosseguem distribuindo bons proventos. Além disso, eu tenho comprado um pouquinho de ações do Banco Mercantil por questão estratégica. Eu compro a R$ 10 e ele paga um dividendo maior do que o do Itaú, da Itaúsa e do Bradesco. Só que é difícil comprar as ações. Não tem praticamente liquidez. Quando aparece um vendedor você tenta espremê-lo até o seu preço.

Meu maior legado será fazer as pessoas investirem na geração de riqueza, não em emprestar dinheiro.”

Luiz Barsi

E você, Louise?

Louise: Depende, porque conforme o valor de mercado vai se modificando a sua carteira vai ganhando um peso diferente. Hoje, por alguns movimentos que fiz na carteira, acredito que 30% está em seguros: BB Seguridade, Caixa e IRB Brasil. A segunda maior fatia está em bancos, e aí uma parte distribuída igualmente em energia e saneamento. Em energia eu tenho boa posição em AES, Cosan e Eletrobras.

Eletrobras eu também tenho, mas comprei a R$ 3,80, hoje ela está a R$ 40,00.

Como o senhor vê o “value investing” hoje? Há alguma diferença com relação a como era antigamente? Porque hoje, quando olhamos as bolsas americanas, vemos o fenômeno da Tesla e cada vez mais as teses de “growth” [crescimento] indo melhor do que as de ‘value’ [valor no longo prazo]. O senhor acha que esse cenário mudou?

Luiz: Veja bem, são empresas que a gente não compra. Elas já alcançaram um patamar que você só consegue convencer um investidor de um país desenvolvido a comprar, não o de um país como o Brasil. No Brasil, dos que operam na bolsa não deve haver 1% de investidores. A maioria quer comprar e vender o tempo todo. É muito interessante para a bolsa ter especuladores e não investidores. A bolsa quer corretagem, emolumentos. É claro que ela não vai dar preferência para quem compra e guarda. A maioria não fala isso, mas é importante falar. Um país, quando opta por ter um mercado de valores, e disponibiliza um lugar para se negociar, ele tem que fazer de forma que os valores se encontrem de forma natural, que não haja pressões para formação de preços. Aqui no Brasil, como em outros países, a bolsa permite que os cidadãos aluguem ações e vendam elas no mercado. Assim, você cria uma pressão vendedora sobre determinados papéis e o preço que se faz não é natural, é forjado. Há empresas que estão com mais de 13% da base acionária alugada.  Não temos uma estrutura de investidores capaz de suportar uma pressão dessa natureza. Isso vai fazendo com que aquele papel assuma uma condição que não é a realidade.

É o caso do IRB?

Luiz: O Instituto Brasileiro de Resseguros tem um setor de atividade parecido com energia elétrica. Essa empresa, que deveria ter uma situação diferente da que tem hoje, tem dois grandes acionistas, o Itaú e o Bradesco. Então, eles têm a obrigação de reerguer a empresa. Você contrata um seguro no Bradesco ou no Itaú, e esse contrato de seguro não é bom. Por que o banco manteria esse contrato e não passaria para o IRB? O IRB hoje é uma instituição em que se pode confiar. São pessoas que se acredita que nunca fariam algo como o que foi feito anteriormente [a maquiagem de resultados denunciada pela gestora Squadra em 2020]. É por isso que estamos brigando e discutindo. Eu sei que IRB não vai ser boa para daqui a dois dias, mas será boa para daqui a um tempo.

Uma pergunta para os dois. O que acham de criptomoedas?

Luiz: Criptomoeda é uma fantasia.

Louise: Eu acredito muito na tecnologia por trás. Como investimento, assim como qualquer outra moeda, a gente não investe.

Luiz: Não é bom nem como investimento nem como aplicação. No meu interpretar.

Louise: Nada contra quem investe.

Luiz: Nada contra quem investe, mas quem investe vai perder. É uma questão de tempo.

E como o senhor enxerga as eleições deste ano? Há alguém que seja melhor para o mercado?

Luiz: Qual é o grau de instrução do Lula (PT)? Nem ele sabe. Qual é o grau de instrução do Bolsonaro (PL)? Ele foi deputado por muitos anos e é especialista em “rachadinha”. Se o [Sérgio] Moro (UB) for candidato, eu voto nele. Se ele não for candidato, eu não quero repetir tragédias. Eu prefiro não votar.

E em um eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, hoje líderes nas pesquisas?

Luiz: Não voto em nenhum deles nem no primeiro e nem no segundo. A visão que eu tenho do político é a pior que se possa imaginar. Um cidadão que trabalhou muito e faz muito é o Tarcísio de Freitas (Republicanos). Eu vou votar nele para governador [de São Paulo]. Vejo nele uma pessoa que quer fazer com que o país cresça. O brasileiro precisa aprender a a votar ainda. Sempre nos foi proporcionado não votar no melhor, mas no menos pior. O problema é que desta vez não tem nem um menos pior no pleito presidencial.

Como o senhor enxerga o Brasil em termos de capacidade de atrair investimento considerando que dos Brics só sobraram praticamente Brasil e Índia como viáveis?

Luiz: O dinheiro que entra aqui é especulativo. O dólar caiu agora porque muitos dólares vieram para o Brasil, mas o camarada está investindo aqui para pegar o juro a 12% ao ano. O nosso governo tem uma capacidade gestorial extremamente comprometida. Há menos de um ano nossa taxa básica era menos de 3% e hoje é 12%, o que gera oportunidades para os outros e não para nós.

O senhor sempre foi um grande defensor da tese de investir em ações para ganhar dividendos e reinvestir esses dividendos. Mas esses grandes sites de investimento agora olham mais para essa estratégia tratando de fundos imobiliários (FIIs) do que de ações. Acha que ações ainda são melhores para montar uma carteira de dividendos do que FIIs?

Luiz: Fundo imobiliário é um conto do vigário. Assim como fundos em geral. A previdência privada é outro conto do vigário. Fuja dos fundos. Você enriquece os donos de fundo. Eles te cobram taxa de administração, taxa de êxito, taxa de performance, e não conheço ninguém que ganhou dinheiro com fundo além do banqueiro.

Que dica o senhor daria para um investidor que está começando agora a investir?

Luiz: Se ele for comprar ações agora no mercado, a primeira coisa que tem que fazer é estabelecer um foco, uma diretriz na qual atente para saber que só ganhará dinheiro a médio e longo prazo. A outra coisa é criar critérios. O meu critério mais importante é o de prioridade. Se alguém chegar para mim dizendo que quer me vender uma Mercedes, eu vou dizer não, porque não é a minha prioridade. Minha prioridade é fazer crescer a minha carteira de renda mensal. Eu vou exorcizando tudo aquilo que não é minha prioridade. Eu não faço nada por impulso. Não é a tudo que você impõe essa regra, mas a coisas supérfluas sim.

O senhor, quando começou a investir, percebeu que o INSS iria quebrar e não era uma forma válida de se olhar para a sua renda no futuro?

Luiz: O Estado não tem competência de gerir os recursos provenientes da Previdência para ela ser sempre positiva. O brasileiro prefere continuar a acreditar que alguém como o Lula é um grande gestor e que o INSS funciona. Nós temos uma carga de aposentadoria vergonhosa. O cidadão antigamente se aposentava como executivo e depois de dez anos era um indigente. O brasileiro até hoje não olhou para isso.

O senhor continua a não acreditar na Previdência, apesar da reforma que foi feita em 2019?

Luiz: Essa reforma foi voo de galinha. Ela vai suprir um ou dois anos. Daqui a três ou quatro anos terá que ser feita novamente. Há 30 anos você ia na Volkswagen, tirava uma fotografia da empresa e tinha 15 mil funcionários trabalhando lá. Hoje você tem mil robôs. Robô não contribui com o INSS.

Como foi a sua primeira poupança e como foi o processo de começar a poupar sabendo que o senhor começou a trabalhar como engraxate?

Luiz: Isso de ser engraxate era quando eu não era ninguém, era um garoto sem cultura. Eu não podia fazer outra coisa. Mas depois eu estudei, arrumei emprego e descobri que não era isso que eu queria. Passei a investir de forma a assumir riscos. Eu não sou um economista que correu atrás do holerite.

Mas como foi investir na sua primeira ação?

Luiz: Eu pensei: quem é que tem uma renda mensal digna e permanente? O empresário. Aí falei: quero ser um empresário. Mas não tinha dinheiro nenhum para isso. A primeira coisa que eu pensei era que queria ser dono do Banco do Brasil, mas eu nunca vou ser dono do Banco do Brasil. Aí percebi que poderia me tornar um pequeno dono por meio da compra de ações. Se você comprar ações permanentemente, talvez possa chegar a uma situação factível de ter uma renda mensal. Quanto tempo um camarada leva para se aposentar? 30 anos? E se eu comprar 1.000 ações por mês durante 30 anos? Era possível fazer isso na Cesp, por exemplo, que pagava dois dividendos ao ano estatutariamente e tinha dividendo mínimo prioritário para as ações preferenciais, além de pagar uma bonificação de 10% ao ano quando ainda possuía no seu estatuto ações com valor nominal de R$ 1,00. Eu pensei: e se eu comprar 1.000 ações da Cesp por mês durante 30 anos? Pus no papel e depois que fiz aquilo eu estava convicto de que quem fizesse o mesmo seria bem sucedido em termos de carteira mensal. Chamei esse trabalho de “Ações Garantem o Futuro”. Se eu fizesse o mesmo hoje chamaria de “Ações Garantem um Ótimo Futuro”. Eu segui religiosamente esse trabalho.

Qual o senhor acha que será seu maior legado no mercado financeiro?

Luiz: Meu maior legado será fazer com que as pessoas invistam na geração de riqueza e não sejam agiotas. O cidadão que empresta dinheiro é um agiota. Se põe dinheiro na poupança é um agiota.

O que vocês têm de principal objetivo ou meta nesse trabalho de educação financeira?

Louise: Acho que uma pequena sementinha foi plantada mais recentemente com a taxa de juros nos 2%, o que fez com que o brasileiro despertasse para a tomada de risco. Temos que desmitificar esse conceito de que ações são um investimento muito arriscado. Só será arriscado se você não souber o que está fazendo. Mas é possível se arriscar em renda fixa também e perder dinheiro.

Luiz: Sabia que ações são mais seguras e garantidas do que a renda fixa? Em 1989, o [ex-presidente Fernando] Collor, quando mudou a estrutura de moeda, cassou tudo quanto era recurso que estava na renda fixa, mas não cassou ações. Se ele vai atrás das ações, ele estatiza todas as empresas do país. Então, as ações, no meu modesto interpretar, são mais seguras e garantidas do que a renda fixa? Em 1989, o [ex-presidente Fernando] Collor, quando mudou a estrutura de moeda, cassou tudo quanto era recurso que estava na renda fixa, mas não cassou ações. Se ele vai atrás das ações, ele estatiza todas as empresas do país. Então, as ações, no meu modesto interpretar, são mais seguras e garantidas do que qualquer aplicação de renda fixa. Eu batalhei para que se implante a cultura do investimento.

E quais são os principais desafios nesta meta?

Louise: Não se cria uma cultura do dia para a noite. Estive em Israel para estudos, e é um país que tem uma história muito recente, com uma terra extremamente hostil para agricultura e cercado de vizinhos não amigáveis, então a necessidade se tornou a mãe das invenções lá. O país investiu em tecnologia militar para se defender dos vizinhos. Se não tem uma terra agricultável, buscou tecnologia para dessalinização e irrigação. Assim, tornaram-se uma ‘startup nation’. No Brasil, é difícil fazer essa revolução porque você não tem necessidade de desenvolver o mercado de capitais. Aqui, com pouco esforço o rentista consegue ganhar dinheiro. É um trabalho muito geracional. Uma geração anterior à minha começou a perceber que tem que investir no futuro, não pode contar com o INSS. Precisamos que esses frutos sejam passados às gerações seguintes. Muitos pais vão atrás de nós pedindo dicas sobre como fazer uma carteira previdenciária para os filhos. É importante que os pais passem isso para as futuras gerações. É um trabalho de longo prazo, não tenho problema que meus objetivos sejam também para horizontes mais distantes. E olhando a curva de CPFs no mercado percebemos que esse avanço de influenciadores de finanças tem ajudado.

Luiz: Foi acima do esperado, porque cada vez mais surgem pessoas que dizem que começaram a operar no curto prazo e só perderam. Talvez isso possa ser uma experiência desagradável, mas vai produzir em você um ensinamento de que no mercado você só vai ganhar se não tiver a característica de se considerar um acionista minoritário. Considere-se um pequeno do dono, porque o acionista minoritário pode vender as ações, o pequeno dono não venderá, porque o dono maior também não vende. Em 1970-71 eu achei que deveria ser o dono do Banco do Brasil. Hoje eu não sou o dono, mas sou o maior acionista pessoa física. Foi o critério. Esse é o ensinamento que gostaria de deixar.

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