Qual o papel de Haddad na crise entre Planalto e Banco Central? Entenda
Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faz repetidas críticas à autonomia e à política monetária do Banco Central, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, atua para tentar distensionar a relação do Palácio do Planalto com Roberto Campos Neto. Embora a atual taxa de juros de 13,75% também o desagrade, Haddad tem adotado falas menos incisivas e um tom mais moderado ao tratar da tensão.
Um dia depois de Lula dizer que a atual taxa juros é uma “vergonha”, Haddad classificou como “amigável” a ata do Copom divulgada nesta terça-feira sobre as políticas adotadas pelo governo petista. Na ata, o BC avalia que as medidas de Haddad, anunciadas em janeiro, com foco na alta da arrecadação, “atenuaria os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação”.
Antes, no entanto, o próprio Haddad havia ficado frustrado com o comunicado do Copom, divulgado na quarta-feira passada, que previa manutenção dos juros a 13,75% até meados de 2024. O ministro esperava que depois do seu pacote de ajuste fiscal e do compromisso de apresentar até abril a reforma tributária e a nova proposta de arcabouço fiscal, o Banco Central sinalizaria com uma redução dos juros.
Manteve-se em silêncio sobre o assunto até a noite de segunda-feira, quando, instantes antes de deixar o Ministério da Fazenda, decidiu descer e falar com a imprensa. Antes de entrar no carro, afirmou que a nota do BC “poderia ter sido generosa” com as medidas que o governo já tomou.
Auxiliares de Lula avaliam que está precificado a Haddad o papel institucional de compreender o peso das suas palavras frente à retórica política adotada pelo presidente da República. Enquanto Lula terá uma fala mais política e enfática, caberá a Haddad contemporizar, tentando garantir um ambiente econômico mais tranquilo e previsível possível.
Ao chegar ao posto de ministro da Fazenda com certo descrédito junto ao mercado, Haddad pode, na visão de aliados, conquistar espaço pela ponderação e capacidade de composição em um governo que ainda está se assentando, tentando ganhar ritmo.
Mais discreto que Guedes
Por essa avaliação, Haddad é considerado um ministro que em quase 40 dias à frente do cargo, foi menos falastrão e mais discreto do que seu antecessor, Paulo Guedes, que colecionou falas polêmicas, como quando afirmou que com dólar a R$ 1,80 “empregada doméstica” estava indo pra Disneylândia, “uma festa danada”.
Em conversas com o presidente, Haddad se colocou como a pessoa do governo que faria a interlocução com o Banco Central, em uma espécie de anteparo entre Lula e Campos Neto. Ainda durante a transição, Haddad pediu a Lula 90 dias, a partir do momento que tomasse posse, para articular o que enxerga como prioritário para a política econômica.
Entre as medidas iniciais, está o pacote anunciado em 12 de janeiro para melhorar as contas públicas, a articulação da reforma tributária e o novo arcabouço fiscal, além da realocação do Coaf para seu ministério.
Ao discursar contra a política de juros do Banco Central na posse de Aloizio Mercadante no BNDES, Lula citou que “tem muita gente” que fala para Lula não tratar sobre o assunto.
“Tem muita gente que fala ‘pô, mas o presidente não pode falar isso, o Presidente da República não pode falar’. Olha, se eu que fui eleito não puder falar, quem é que eu vou querer que fale?”
Integrantes da equipe econômica interpretaram como um recado a Haddad. O ministro e Lula teriam o primeiro encontro público após a escalada de tensão o Planalto e o BC na manhã desta terça-feira em um evento de gestores da Caixa Econômica Federal em Brasília.
Conversas entre Haddad e Campos Neto
Depois de confirmar presença, Lula não foi ao evento e mandou o ministro da Casa Civil, Rui Costa, para representá-lo. Há expectativa que ambos se encontrem nos próximos dias.
Haddad e Campos Neto conversam desde a transição do governo, falaram bastante especialmente no começo de janeiro e mantêm uma relação cordial. Conversam por telefone e WhatsApp. Em uma dessas trocas de mensagens, o presidente do BC chegou a elogiar Haddad pelo recado que passou ao mercado nas primeiras entrevistas dadas pelo ministro.
De sexta-feira, quando Lula elevou o tom das críticas contra Campos Neto, até hoje, o ministro e o presidente do BC se falaram pelo menos uma vez.
Ao fazer críticas reiteradas a Campos Neto, Lula quer forçar uma mudança de postura do presidente do banco e pressionar a instituição a baixar a Selic. Segundo aliados, Lula enxerga Campos Neto como um bolsonarista que não conhece os esforços do governo para tentar organizar a situação econômica do país.
Juros em patamar elevado
Além da taxa de juros em si, o que trouxe mais incômodo ao Planalto foi o comunicado do Copom não indicar tendência de baixa futura e a manutenção dos juros em um patamar elevado.
No argumento de petistas, o governo já pontuou suas prioridades na área econômica, tem tratado de responsabilidade social e fiscal, estabeleceu prazos para envio da reforma tributária e fiscal e “reorganizou” o orçamento antes mesmo da posse, aprovando a “PEC da Transição”.
Por outro lado, veem certo excesso de tolerância na postura de Campos Neto diante da conduta do ex-presidente Jair Bolsonaro que durante a campanha eleitoral, quando expandiu o gasto público, estourou o teto de gastos e prometeu Auxílio Brasil de R$ 600 sem haver previsão no Orçamento.
A irritação de Lula com Campos Neto escalou ainda mais após a divulgação da informação de que ele participava, pelo menos até o começo de janeiro, de um grupo de WhatsApp com o nome formado por ex-ministros do governo Jair Bolsonaro.
Por Jeniffer Gularte e Sérgio Roxo
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