Mercado de crédito privado ensaia recuperação após três meses parado

Anbima e gestores veem aumento nas consultas e operações não só para refinanciamentos mas também investimentos

Depois de secar entre fevereiro e abril, o mercado de crédito privado começa a dar sinais de recuperação. Os spreads, que haviam aumentado muito no primeiro quadrimestre, pararam de subir, e as emissões voltaram ao radar das empresas. Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o número de consultas para captações no mercado primário subiu neste mês. “A gente já enxerga uma retomada”, diz Guilherme Maranhão, presidente do Fórum de Estruturação de Mercado de Capitais da instituição.

Debêntures e Certificados de Recebíveis do Agronegócio

A Anbima registra quatro novas operações de emissão de Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e debêntures que somam quase R$ 3 bi (ofertas em análise e em andamento, sem considerar as de rito automático, em geral de emissores frequentes e voltadas a investidores sofisticados). Uma é a da Celg, da Equatorial Energia, de R$ 1 bilhão, já com prospecto lançado. Não parece muito diante do volume já visto de captações via debêntures no mercado brasileiro, mas Luis Gustavo Pereira, diretor da Guide Investimentos, contextualiza: “É significativo porque não estávamos vendo grandes empresas emitindo, e a atividade voltou”.

Pereira cita a movimentação, além da Celg, de Cemig e Iguá Saneamento, em fase de “road show”. “Parece que estamos chegando ao ponto de inflexão, tanto nas debêntures incentivadas, que têm isenção de Imposto de Renda, quanto no institucional. Começamos a ver companhias voltando para a mesa e planejando refinanciamentos e investimentos. Um ‘pipeline [operações em preparação] de mais qualidade”, completa Maranhão. O ensaio de retomada é puxado, principalmente, pela perspectiva de início dos cortes de juros no Brasil e pela apresentação do arcabouço fiscal.

O ano passado foi de abundância, com R$ 270 bilhões captados via debêntures (alta de 8% frente a 2021) e um volume mensal que chegou a R$ 35 bilhões (dezembro). Entre bancos, o crédito livre para pessoas jurídicas alcançou R$ 1,4 trilhão, expansão de 9,9% no ano, de acordo com dados do Banco Central. Em janeiro, a virada aconteceu depois da descoberta do rombo no balanço da Americanas, que precedeu uma sequência de más notícias. BRK Financeira, Oi e Light em recuperação judicial, Marisa, Renner, Tok&Stok, Grupo Petrópolis e CVC em dificuldades.

O impacto foi pesado. Entre janeiro e abril, o volume de debêntures emitidas (R$ 43 bilhões) ficou 41% abaixo do mesmo período de 2022 (R$ 73,3 bilhões) e 52% menor frente ao quadrimestre imediatamente anterior (R$ 88,933 bilhões). Nos bancos, os números do primeiro trimestre também são claros: Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco do Brasil tinham, juntos, um saldo de R$ 678,7 bilhões em empréstimos e financiamentos a grandes companhias no fim de março. O volume é 1,4% inferior ao apresentado no fim de 2022.

Nos bancos médios, as variações são mais expressivas. No Safra, a carteira de crédito encolheu 14% (de R$ 149,9 bilhões para R$ 127,3 bilhões), conforme balanço da instituição. No Daycoval, a queda para empresas foi de 8,7% (de R$ 41,5 bilhões de outubro a dezembro para R$ 37,9 bilhões no primeiro trimestre). No BTG Pactual, recuo de 0,6% (de R$ 144,3 bilhões para R$ 143,4 bilhões), também segundo o mais recente balanço.

Custos elevados de captação

A linha mais afetada foi a de capital de giro, principalmente as modalidades ligadas à antecipação de recebíveis, que abarca o risco sacado – epicentro do rombo da Americanas e que no trimestre cai até 22%, segundo dados do último Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central (BC). Portas fechadas nos bancos, custos altíssimos para captar via mercado de capitais. No mercado secundário, os spreads chegaram a 1,5 ponto percentual entre janeiro e abril, desencorajando quem queria fazer emissões primárias.

Quem pôde se segurou com o caixa que tinha ou, no caso das varejistas, queimou estoque, afirma José Eduardo Daronco, analista da Suno Research, que explica que, dessa forma, perderam na margem mas ganharam capital de giro. “As grandes conseguiram se segurar mais tempo para esperar os spreads baixarem. Tinham fôlego. As médias não puderam e acabaram captando com custo alto. Agora, com o início da estabilização do mercado, as grandes também estão vindo ao mercado”, analisa Maranhão, da Anbima.

O quadro fica claro nos números. De janeiro a abril, de acordo com dados da entidade, as operações de capital de giro predominaram, com 32,1%, enquanto as de refinanciamento de passivo foram 31,6% do total, contra 19,2% no fim de 2022. E as empresas de capital fechado recorreram mais ao mercado de capitais, representando 71% do número total de emissões de debêntures, uma fatia 10,2% maior do que no mesmo período do ano anterior, quando foram responsáveis por 48,93% do volume total emitido.

Pereira, da Guide, explica que os spreads ainda estão próximos às máximas históricas, mas “pararam de piorar”, e o mercado permanece seletivo. “A rolagem de dívida não necessariamente pode ter uma taxa pior agora.” Além de seletivo, está demandando mais garantia e mais liquidez, destaca Ricardo Aragonés, um dos fundadores da Aeté Capital. “É um trinômio estabelecido. Mas quando consegue atendê-lo, a empresa obtém prazos maiores e carência para dar mais prazo para as empresas fazerem caixa. Mesmo que seja mais cara, é melhor.”

O perfil da correção do papel também mudou e agora a demanda pelo CDI é maior do que pelo IPCA, sendo que a correção pela inflação até o ano passado era bastante frequente, sobretudo em empresas com avaliação de risco triplo A. Por sua vez, o prazo caiu: 27,8% das emissões nos primeiros quatro meses do ano tiveram até três anos, um aumento de 12,1% frente ao mesmo período do ano anterior, mas as com prazo de quatro a seis anos caíram 11,5%, mostram dados da Anbima. “Ou seja, investidores querem prazo mais curto, CDI e ‘high grade’ [bom perfil de crédito], sendo que hoje em dia ninguém mais sabe o que é isso, porque Americanas tinha essa classificação”, resume Pereira.

A demanda de compra hoje está vindo basicamente de fundos e dos próprios bancos, de acordo com Maranhão, da Anbima, numa conta mais equilibrada e diferente de 2022, quando a maior parte ficou com as assets. A procura das gestoras tende a retornar nos próximos meses, segundo Aragonés, da Aeté, diante da proliferação de fundos de crédito independentes. “Esses fundos têm um mandato de crédito e necessidade de emprestar para empresas e remunerar o capital de seus investidores. Nos últimos meses houve uma espécie de pausa por causa da crise, mas o dinheiro não pode ficar parado, tem que voltar”, comenta.

Para Aragonés, os bancos ainda vão permanecer retraídos porque têm alternativas para usar o capital, como tesouraria, negando principalmente operações fora do padrão, mais alavancadas. Ele ressalta que as empresas estão com endividamento alto porque se beneficiaram dos juros baixos na pandemia, além de terem antecipado captações no ano passado, aproveitando a janela de juros ainda em patamares mais baixos que os atuais e antes do novo governo. “Então, o que está todo mundo precisando, mais do que tomar novos empréstimos, é rolar as dívidas passadas, alongando. Mas vejo um cenário de crédito ainda restrito por mais um ou dois meses.”

Maranhão, da Anbima, enxerga um segundo semestre bem mais forte. Mas ainda há expectativa de alguns solavancos, como resumiu Alexandre Muller, head de Crédito da JGP Asset Management, em evento no Rio na semana passada: “Já estamos sentindo estabilização na parte das grandes empresas, enquanto na de pequenas e médias empresas ainda pode aparecer um corpo boiando”.

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