Campos Neto vê fantasmas na economia dos Estados Unidos e com possíveis sustos no Brasil

Para o chefe do BC, fragilidades da economia americana ainda não estão precificadas nos preços dos ativos de maior risco

A economia dos Estados Unidos tem fraquezas importantes ainda não precificadas pelo mercado e que podem ter consequências globais, inclusive para o Brasil.

O alerta veio nesta quarta-feira (3) e foi feito pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, no Brazil Investment Forum.

“Isso não chegou nos mercados ainda”, disse Campos Neto no evento organizado pelo Bradesco BBI.

Em sua apresentação, o mandatário do BC apontou que a dívida pública dos Estados Unidos, como percentual do PIB, cresce de forma contínua desde a pandemia.

E a tendência é de que o índice, hoje ao redor de 100% do PIB, siga em ascensão nos próximos anos.

O próprio presidente do Fed, Jerome Powell, disse em fevereiro que a situação fiscal do país é “insustentável”, à medida que o peso da dívida aumenta.

Nesse sentido, o custo de rolagem da dívida norte-americana praticamente triplicou nos últimos cinco anos.

Campos Neto: inflação pode ser gatilho

Por ora, disse Campos Neto, essa deterioração não está nos preços dos ativos, em parte porque as condições de liquidez monetária são saudáveis.

Isso permite, por exemplo, que as ações negociadas nas bolsas de Wall Street gravitem em torno de máximas históricas, mesmo com o juro do país na faixa de 5,25% a 5,5% ao ano, o pico em mais de 20 anos.

Este cenário se dá diante de apostas de que o Fed (banco central dos EUA) começará a cortar o juro básico do país a partir de junho.

Porém, isso depende de a inflação dos Estados Unidos dar sinais adicionais de desaceleração.

Nesse sentido, a divulgação de um importante índice de preços, na semana que vem, pode ser um divisor de águas, avaliou Campos Neto.

Na próxima quarta-feira, o Departamento do Trabalho divulga o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) referente a março.

No acumulado em 12 meses até fevereiro, o índice estava em 3,2%, acima da meta perseguida pelo Federal Reserve, de 2%.

Se o indicador não mostrar melhora em relação ao mês anterior, os investidores podem elevar apostas de que o Fed começará a cortar juros mais adiante.

Ativos de risco podem perder atratividade

Consequentemente, o peso do serviço da dívida cresce. Aí, os Estados Unidos teriam que oferecer taxas de longo prazo maiores.

Como os títulos do Tesouro norte-americano ainda gozam da avaliação de que são o investimento mais seguro do mundo, a tendência seria o país absorver uma parte maior dos investimentos pelo mundo, saindo portanto de mercados mais arriscados, como o do Brasil.

“Se o corte não for em junho, como as pessoas estão esperando, vai ter implicações para todos os ativos de risco”, disse Campos Neto.

Com o juro dos Estados Unidos demorando mais para cair, um cenário cada vez mais presente no mercado é a de que a Selic também diminua nos próximos meses menos do que se esperava.

A taxa atualmente está em 10,75% ao ano.

A previsão mais recente do Boletim Focus do BC com economistas é de que ela caia para 9% até dezembro.

Mas algumas instituições, como o Bank of America, estimam que esse nível pode ser de 9,5%.

Sucessão de Campos Neto

Questionado sobre o processo de sucessão no comando do BC, Campos Neto afirmou querer fazer o processo “da forma mais suave possível”.

Seu mandato como presidente da autoridade monetária termina em 31 de dezembro de 2024.

Campos Neto considerou que seria adequado que a sabatina no Senado do próximo indicado pelo governo para sucedê-lo aconteça neste ano.

O chefe da autarquia rebateu críticas de que o chamado juro de equilíbrio no Brasil esteja elevado.

“Na América Latina, o Brasil tem a taxa neutra de juros mais frouxa de todas”, afirmou, mostrando gráficos comparativos.

O chefe do BC ainda disse que o país tem condições de fazer um resultado fiscal melhor do que o mercado prevê no momento, mas que o cenário para 2025 é mais desafiador.