Aumento do consignado gera cautela entre bancos
O aumento dos limites do crédito consignado, contido na lei sancionada na noite da quarta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), ainda está sob análise bancos, mas prevalece entre eles um tom de cautela com a medida num momento delicado para a economia.
Com a criação do cartão de benefício consignado, a margem total consignável pode chegar a 45% no caso de aposentados e pensionistas, ou seja, comprometendo quase metade da renda do tomador. Nos bastidores, algumas instituições demonstram receio com esse aumento do limite, e devem colocar o novo cartão na prateleira de produtos, mas sem oferecê-lo ativamente aos clientes. Já a possibilidade de oferecer crédito consignado atrelado a benefício sociais é rechaçada pela maioria dos bancos privados. Assim, a modalidade tende a ser operada só pelos públicos quando a regulamentação do Ministério da Cidadania for publicada.
As medidas, de acordo com o governo, têm o objetivo “de atenuar os efeitos da crise econômica que atingiu as famílias brasileiras durante o período de pandemia”. No entanto, também são vistas como parte do rol de iniciativas para ajudar na reeleição de Bolsonaro.
Entre as maiores instituições financeiras, há cautela sobre a possibilidade de ampliar a margem para 45%. O apetite, no primeiro momento, vem dos bancos públicos. Hoje, o crédito consignado no país soma R$ 535,4 bilhões, sendo R$ 301,1 bilhões só para servidores públicos. A inadimplência no consignado é de 2,5%, ante uma taxa de 3,5% nos recursos livres em geral.
O Banco do Brasil informou ao Valor que avalia a possibilidade de aumentar a margem por meio do cartão de crédito consignado e do cartão benefício, pois já opera com margem ampliada de 35% para empréstimos consignados a beneficiários do INSS. A Caixa disse que a viabilidade financeira e operacional do cartão benefício está em avaliação.
Nos grandes bancos privados, a oferta ainda é vista com resistência. O Itaú disse que não trabalha com cartão consignado/benefício, e que não tem perspectiva de oferecê-lo. “Portanto, seguirá com a margem de até 35%”, comentou, por meio da assessoria de imprensa. O Santander disse que ampliará a margem do consignado “como manda a Lei”. O Bradesco só afirmou que vai “operar de acordo com a regra”.
Já nos bancos de médio porte, há uma divisão sobre o cartão de benefícios. Instituições que somente oferecem o crédito, ou seja, na qual o tomador não é também um correntista, tendem a implementar o produto, que em tese terá uma função diferente do consignado tradicional.
Entretanto, o receio é que acabe acontecendo o mesmo que se viu no o cartão de crédito consignado. Criado como uma espécie de financiamento ao consumo, com a possibilidade de sacar o limite no caixa, ele acabou virando um empréstimo. O cartão de benefícios não poderá ser o mesmo do cartão de crédito consignado. As instituições terão de emitir outro plástico, com design distinto. Nele, será preciso oferecer benefícios, como seguros, descontos em farmácia, assistência funeral etc.
O executivo de um banco de médio porte, que tem o consignado entre seus principais produtos, disse que o consignado tradicional responde hoje por mais de 95% do volume total, enquanto o cartão consignado fica com o restante. “Temos esse produto, mas não ficamos empurrando para o cliente. E a mesma coisa deve acontecer com o cartão de benefícios”, afirmou.
Uma fonte de outra instituição média ponderou que o cartão de benefícios pode ser um bom produto. “Temos interesse nesse produto sim, independentemente de aumentar ou não a margem consignável. Agrega valor para o cliente, traz benefícios. Vamos respeitar as regras de mercado, cumprir as leis de superendividamento.”
Na avaliação da economista Julia Braga, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), o novo crédito tem poder de “dinamizar” a atividade econômica. “Para algumas famílias, pode ficar difícil no futuro pagar a dívida. Mas, para outras, pode ser uma oportunidade de rolar uma dívida antiga ou mais cara, feita numa linha de crédito fora do consignado.”
Isabela Tavares, economista da consultoria Tendências, avalia que há riscos no aumento da margem para 45%. “Mesmo que os juros dessa modalidade sejam mais baixos pela garantia que oferece aos bancos, isso ainda pressiona o orçamento familiar, comprometendo uma parcela que poderia ser diretamente destinada para consumo de bens essenciais em um momento de pressões inflacionárias no orçamento”, disse.
Em relação ao consignado nos benefícios sociais, a maioria dos bancos privados não vai aderir a essa linha neste momento. Muitos executivos dizem que vão deixar a Caixa começar a operar primeiro para ver o que acontece. Eles apontam que há muitos riscos, como o reputacional – de passar para a sociedade a imagem de que o banco está “explorando” pessoas que vivem na linha da miséria -; o jurídico, com a probabilidade de tomadores entrarem na Justiça e conseguiram a desconsignação, alegando que precisam da renda para subsistência; e mesmo de continuidade, levando em conta que o Auxílio Brasil de R$ 600, por exemplo, vale só para este ano.
Isso sem contar o risco de crédito em si. Os beneficiários de programas sociais, além de não terem como comprovar outras fontes de renda, muitas vezes são sub-bancarizados, ou seja, os bancos não possuem dados sobre seu histórico de crédito. “O risco de crédito é muito grande, o que significa que, para a operação valer a pena para o banco, seria preciso cobrar uma taxa de juros enorme. Isso é impraticável. O que acontece se a pessoa perde o benefício? É muito controverso”, diz uma fonte do setor.
Apesar disso, alguns bancos de médio porte já oferecem em seus sites a possibilidade de simular o consignado para quem recebe benefícios sociais.
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