Dívida mais barata: juros caem, mas especialistas recomendam o uso em situações pontuais

Por outro lado, cheque especial e cartão aumentaram as taxas
Pontos-chave:
  • Além da Selic, as taxas de inadimplência, as estratégias definidas pelas instituições e os custos do banco definem os juros cobrados

Quando a Selic começa a subir, os empréstimos e financiamentos também encarecem. Afinal de contas, essa é uma das formas de se controlar o consumo e, consequentemente, a inflação. Com a Selic no patamar de 13,25% ao ano, e ainda em trajetória de alta, o momento não é nada oportuno para a tomada de crédito. Porém, cinco das oito principais linhas de empréstimo pessoal estão mais baratas agora do que em maio de 2015, quando a taxa básica de juros também estava no mesmo patamar. O lado negativo, no entanto, é que as linhas mais caras subiram (e muito!) de preço.


Segundo um levantamento do Valor Data, as taxas de juros médias das linhas “Aquisição de outros bens”; “Crédito pessoal não consignado”; “Consignado do setor privado”; “Consignado do setor público” e “Consignado do INSS” estavam mais baratas em junho deste ano do que em maio de 2015.

Além das taxas de juros que baratearam nesse período, houve linhas que encareceram. E foram justamente as que têm juros maiores: o cheque especial e o parcelado do cartão de crédito. No caso do cheque especial, a taxa média superou estava em 129,29%, em agosto de 2020, quando a Selic estava em 2% ao ano, para 144,37% ao ano. O crédito para aquisição de veículos ficou praticamente no mesmo patamar, com 25,34% de taxas em maio de 2015 e 25,64% em junho de 2022.

Por que alguns créditos estão mais baratos?

É bem verdade que a Selic não é a única coisa que influencia na taxa praticada pelos bancos e instituições financeiras. Luciana de Aguiar Barros, diretora de produtos de crédito para pessoas físicas do Santander, explica que além dela, entram nessa conta as taxas de inadimplência (ou seja, quantas pessoas deixam de pagar seus empréstimos e quanto o banco precisa cobrar “a mais” das outras para não sair no prejuízo) e as próprias estratégias definidas pelas instituições financeiras. Os próprios custos do banco, como suas despesas e impostos, entram nessa conta.

Novas tecnologias derrubam os custos bancários

Segundo a executiva, uma das coisas que justifica o barateamento de algumas linhas de crédito é o avanço do uso de novas tecnologias que “sofisticam mais a gestão de risco”, que possibilitam um maior conhecimento do comportamento daqueles tomadores e, assim, uma “precificação mais sofisticada e ajustada ao risco de cada cliente”. “Essas tecnologias aumentam a eficiência interna e permitem ainda a criação de novas opções de produtos, especialmente com garantia”, afirma.

Concorrência entre bancos diminui as taxas

Ricardo Rochman, professor de finanças da FGV EAESP, destaca que o próprio cenário do mercado é diferente hoje, com a chegada de fintechs e outras instituições financeiras. “A gente vê alguma concorrência. Não é enorme, mas alguma concorrência fez com que as taxas para essas linhas permanecessem abaixo das vistas naquela época”, diz. Segundo Luciana, do Santander, no entanto, atualmente as fintechs só têm 5% da carteira de crédito do país.

Juros maiores em todo o mundo

Rochman lembra que o contexto econômico também é diferente, uma vez que em 2015 as taxas vinham crescendo gradativamente e a principal crise, à época, era interna. Atualmente, por outro lado, a alta nos juros acontece não só no Brasil, como em todo o mundo, em resposta à inflação generalizada, deixada como herança não só da pandemia como também da guerra entre Rússia e Ucrânia.

“A Selic hoje está igual à de 2015, mas o patamar de onde ela saiu foi diferente. De 2020 pra 2022 vimos os juros saírem de 2% ao ano para 13,25% ao ano. Foram 11 pontos em um período muito mais curto. Ou seja, uma elevação muito rápida devido a essa crise, à inflação. O patamar pode ser o mesmo, mas o ponto de origem é totalmente diferente”, diz.

Crise global pode aumentar os juros

E isso justifica também o receio que o professor tem em relação ao futuro. Para ele, justamente por conta da crise ser global, os juros (e o crédito) podem subir de forma mais considerável. “Agora não depende só do Brasil. Vimos o movimento de fintechs, outras instituições financeiras surgindo e oferecendo crédito mais competitivo, mas ainda assim estamos em um patamar de crédito bastante alto. Uma linha que custava 25% ao ano e agora custa 22% ao ano continua sendo muito cara”, afirma.

Cenário de incertezas

Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper, destaca que, embora o cenário atual seja de muitas incertezas, outras questões importantes já estão no radar do mercado e não trazem tanta dúvida. Até por isso, as taxas de juros não subiram tanto em relação ao período de agosto de 2020, quando a Selic estava a 2% ao ano.

“Temos fatores de incertezas, mas as coisas estão voltando ao normal. Tanto que se olharmos, as taxas subiram de 2020 pra cá, mas em relação à alta da Selic, subiram menos”, afirma.
Ele explica que em 2020, quando a Selic chegou a 2% ao ano, as taxas do crédito pessoal poderiam ter caído mais, mas na ocasião, como o cenário era muito incerto, as instituições estavam reticentes em emprestar.

“Os bancos não estavam tão a fim de emprestar. Uma coisa que esquecemos é que os bancos emprestam o nosso dinheiro e não o deles, então eles têm que ter juízo. Em 2020, no auge da pandemia, muitas empresas fecharam, muitas pessoas físicas ficaram endividadas. O ambiente não era propício para emprestar, por mais que a Selic estivesse baixa. Justamente porque as incertezas em relação ao pagamento eram altas”, afirma o professor.

Por que as taxas que já eram caras subiram ainda mais?

Segundo o professor Rochman, da FGV, embora as taxas do cartão de crédito e cheque especial tenham subido em relação ao ano de 2015, em relação a julho de 2016, quando a Selic chegou ao topo de 14,25% ao ano, elas baratearam significativamente. Ele explica, porém, que como o nível de endividamento das famílias subiu e a inadimplência aumentou, esses produtos acabam encarecendo porque são algumas das linhas mais usadas pelos consumidores.

“Não pode achar que as taxas de 2022 devem ser iguais a de 2015 só porque a Selic está no mesmo patamar. Relativamente, a Selic subiu muito mais de 2020 até 2022 do que de 2013 para 2015. As taxas do cheque especial e do cartão parcelado são algumas das mais usadas pelas pessoas físicas, e em 2022 o nível de endividamento e inadimplência das famílias brasileiras está muito mais elevado do que 2015, por isso as taxas desses produtos estão mais altas mesmo que a Selic esteja no mesmo nível”, afirma.

Rocha, do Insper, concorda. Ele afirma que essas linhas devem estar sendo mais demandadas agora, mas destaca que as duas linhas de crédito só devem ser usadas em casos emergenciais. “Os juros dessas linhas têm que ser altos porque se não as pessoas abusam. Já abusam mesmo assim. Eles devem ser usados apenas em situações pontuais, porque são muito caros e viram uma bolsa de neve”, afirma.