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As mudanças na economia chinesa e efeitos sobre o Brasil
Desde o ano passado, a China tem sido o centro do noticiário econômico, não pelas expressivas taxas de crescimento apresentadas na última década, mas pelas mudanças na política econômica que serão implementadas nos próximos anos. As medidas regulatórias, inicialmente concentradas nas empresas de tecnologia e financeiras, foram ampliadas e chegaram ao setor de educação, commodities e, mais recentemente, no setor imobiliário. Os eventos, que inicialmente pareciam isolados, escondiam uma profunda mudança na estratégia econômica chinesa, que terá implicações relevantes para a economia global, em especial para os mercados emergentes.
O atual regime econômico chinês já vinha demonstrando sinais de esgotamento. A China é um país centralizado, orientado para exportação e dependente de elevada poupança doméstica, sem mercado de capitais desenvolvido para absorvê-la. O elevado crescimento nas últimas duas décadas, acima de 10% ao ano, produziu também efeitos colaterais negativos, como elevação da dívida (pública e privada) e poluição, duas consequências que começaram a ser controladas nas medidas regulatórias deste ano.
A transição de uma economia fortemente concentrada em investimentos em capital fixo para uma de maior participação do consumo é a forma encontrada pelo governo para manter o crescimento elevado nas próximas décadas. A “prosperidade comum”, termo comumente usado para descrever um dos principais aspectos da nova política econômica chinesa, não é novo. A ideia de um crescimento mais distributivo e de estímulo ao consumo surgiu ainda em meados do século passado.
Desaceleração PIB
O foco no longo prazo, contudo, levará a uma desaceleração no curto prazo. O PIB do terceiro trimestre cresceu somente 0,2% na comparação trimestral, impulsionado principalmente pelo consumo privado. A principal surpresa, contudo, foi um crescimento mais baixo da indústria e dos investimentos em capital fixo, que evidenciaram parte dos efeitos das medidas regulatórias deste ano. Somente em setembro, a construção de novas residências retraiu-se cerca de 13% na comparação anual. Nesse mesmo período, a produção de aço também perdeu 21% na comparação anual. As metas para redução da alavancagem das incorporadoras e da emissão de poluentes, os dois pilares das medidas deste ano, foram as principais razões para essa desaceleração.
O cumprimento das metas estabelecidas no último plano de 5 anos tem implicações relevantes para os mercados emergentes e exportadores.
Um primeiro efeito negativo já foi sentido neste ano. As metas de redução de poluentes e e a desaceleração do mercado imobiliário levaram a uma queda de 42% no preço do ferro em 2021, um dos principais componentes da exportação brasileira. Apesar de perder no front industrial, o Brasil pode se beneficiar no caso de um crescimento estrutural do consumo, através do aumento da demanda por alimentos. A China compra cerca de 70% das exportações de soja atualmente, dependência que pode aumentar se a nova política econômica se confirmar.
Apesar de os efeitos se mostrarem negativos no curto prazo, há ainda dúvidas se o governo chinês irá de fato tolerar essa desaceleração. Um exemplo recente foi a crise energética gerada pela redução na produção de carvão como consequência das metas de redução de poluentes. O governo se retraiu da estratégia e retomou a produção integral para evitar problemas de suprimento e uma desaceleração econômica ainda mais profunda. A retração no mercado imobiliário e o congelamento do crédito para incorporadoras, como consequência da crise da Evergrande, levou o Banco Central chinês a elevar o grau de estímulo monetário e evitar uma crise de crédito mais ampla.
Essas são algumas evidências que mostram que essa transição econômica será atribulada, com consequências para os mercados de todo o mundo. O objetivo final dessa tentativa de mudança de rumo é vencer a armadilha da renda média, o que não é uma meta fácil, ainda mais com a demografia piorando rapidamente, em parte fruto de anos de controle populacional (política do filho único).
Outro fator que pode afetar negativamente o crescimento no longo prazo é o aumento do controle e a participação do estado na economia. Maior participação do consumo privado envolve maior autonomia às pessoas e mudanças nos incentivos para os governos locais. Há evidências que apontam a importância da inovação para o crescimento econômico no longo no longo prazo, especialmente em países em estágio intermediário de desenvolvimento, como a China. Os objetivos políticos do Partido Comunista parecem dificultar o atingimento das metas econômicas.
Artigo escrito para o Valor Econômico por Evandro Buccini, sócio e diretor de renda fixa e multimercado da Rio Bravo Investimentos, e João Leal, economista da Rio Bravo Investimentos.
O artigo reflete as opiniões dos autores, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.
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