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Análise: Ao lado de Meirelles e Alckmin, Lula faz mercado acreditar no “dream team” fiscal
Sem assumir nenhum compromisso, sem divulgar qualquer medida econômica e sem anunciar nomes de sua possível equipe, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) transformou nesta segunda-feira (19) o ato suprapartidário em que recebeu apoio de ex-candidatos a presidente da República numa simbólica “carta de intenções” ao mercado financeiro.
Faltando 12 dias para o primeiro turno da eleição, o petista posou para foto circundado por Geraldo Alckmin, vice na chapa e cotado para uma posição de destaque no possível terceiro mandato, e Henrique Meirelles, ex-banqueiro que dirigiu o Banco Central na gestão do PT.
O ex-governador paulista, próximo de economistas como Pérsio Arida e André Lara Resende, é tido como avalista de uma política econômica mais ortodoxa e moderada. Meirelles, egresso do projeto presidencial de João Doria, que desistiu da candidatura, entra no time de apoiadores de Lula com status de “resolvedor” de problemas.
Ainda que esse “namoro” com Meirelles tenha, por ora, mais entusiasmo por parte do ex-ministro do que do ex-presidente, Lula politicamente acerta ao deixar fluir a mensagem de “equilíbrio” na formulação econômica. Trata-se de uma sinalização que converge com o mutirão que ele vem convocando para arrebatar o voto útil ainda no primeiro turno e pode representar votos preciosos para atingir a maioria simples no dia 2 de outubro.
Apetite
Depois da passagem pelo governo de Michel Temer, no qual foi protagonista para a classe política e para o mercado, mas não ajudou o ex-presidente a capitalizar eleitoralmente seus feitos, Meirelles vinha trabalhando no governo de São Paulo como secretário da Fazenda.
Ele se desincompatibilizou do cargo em março, trocou o PSD pelo MDB e depois migrou para o União Brasil, atuando politicamente para ser escolhido vice na chapa do governador Rodrigo Garcia (PSDB) à reeleição. Antes, chegou a cogitar uma candidatura ao Senado em Goiás, seu estado de origem, mas desistiu. Preterido por Garcia, buscou uma reaproximação com Lula.
Pediu várias reuniões com o ex-presidente, mas nenhuma delas aconteceu. Conversou, então, com interlocutores próximos, que alinharam a manifestação pública de apoio. As pontes, segundo fontes, teriam sido Alckmin e Aloizio Mercadante, coordenador do programa de governo lulista e um dos intermediários do convite que o guindou à presidência do BC, em 2003.
Até a noite de domingo, contudo, a presença de Meirelles no ato desta segunda não estava totalmente confirmada. Um telefonema de Alckmin selou a participação.
Um dos mentores do “teto de gastos”, quando ministro do governo Temer, Meirelles acreditou que poderia ter chances eleitorais em 2018. Lançou então uma campanha das mais caras da história do país, mas acabou com menos de 1% das intenções de voto.
Sua projeção midiática durante a campanha, todavia, alavancou sua popularidade nas redes com os memes calcados na expressão “Chama o Meirelles”, construída para solidificar a imagem de “resolvedor” de problemas na área econômica.
Ao anunciar seu apoio a Lula, Meirelles destacou o tempo em que atuou no BC e os números de sua gestão. “Neste período, mais de dez milhões de empregos foram criados no Brasil. Isso é um fato inquestionável. Quarenta milhões de pessoas saíram da linha da pobreza, o que mudou a vida do país por um longo tempo. Tivemos no país um crescimento médio de 4%, que é relevante — e o último ano, em 2010, foi de mais de 7%.”
Lembrou ainda que assinou o cheque que permitiu ao Brasil “dar adeus ao FMI” e conquistar sua “independência financeira”.
Veja bem
Apesar do clima amistoso do evento e das palavras que denotam as aspirações políticas de Meirelles, Lula não conversou com seu ex-ministro sobre ocupação de cargos e tampouco sobre diretrizes.
A única convergência pública do petista com Meirelles até aqui é a adoção do tripé “previsibilidade, estabilidade e credibilidade” nos discursos, entrevistas e debates. São expressões recorrentes do glossário do ex-ministro e que foram incorporadas à retórica lulista para tranquilizar os investidores.
Lula tem afirmado a interlocutores que não poderá cometer nenhum erro, caso eleito, que caracterize eventual “estelionato eleitoral”. “Chamar o pai do teto de gastos e o mentor da reforma trabalhista para a principal posição do governo depois de uma campanha prometendo acabar com o teto e rever a reforma é um risco. Pode ter custos de popularidade muito rápidos. E Lula sabe que as condições de governabilidade serão infinitamente mais adversas que as de 2003”, diz uma fonte do QG petista ao JOTA.
Ainda nessa linha, Lula tem dito que o figurino do seu ministro da Fazenda, caso triunfe nas urnas, será mais político. Além de Meirelles e Alckmin, que aparecem no radar da campanha, outros nomes são cogitados — Fernando Haddad, caso perca e eleição em São Paulo, é o primeiro da lista. Alexandre Padilha, ex-ministro da Saúde, também tem se reunido com representantes do sistema financeiro. O ex-presidente do Bradesco Luiz Carlos Trabuco, e o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, também aparecem na bolsa de apostas, embora não sejam políticos de carreira.
Desafios
Em artigo publicado no “Estadão” em julho, Meirelles disse que “tudo indica” que 2023 será um ano “tão desafiador para o governo” quanto 2003, quando tomou posse no BC. Segundo ele, a semelhança entre os dois períodos é a alta inflação e “a diferença é a causa do fenômeno”. Meirelles escreveu que “a inflação atual, que estará em vigor em 2023, é causada pela política fiscal frouxa somada à desorganização das cadeias produtivas”.
No mesmo texto, citou como conquistas recentes da economia o acúmulo de reservas, a criação do teto de gastos e de um sistema de metas de inflação e a maior independência do Banco Central.
“Parte deste arcabouço foi desorganizada nos últimos 2 anos, inicialmente para combater os efeitos da pandemia e finalmente com finalidades eleitoreiras”, afirmou, acrescentando que “isso terá de ser restaurado em 2023, com especial ênfase na área fiscal”.
Segundo o ex-ministro, há risco de o Brasil repetir a crise vivida em 2016, causada “pelo descontrole fiscal do governo Dilma”. Esse descontrole, disse o ex-ministro, não resulta em crescimento, mas em retração e desemprego.
(Por Fábio Zambeli, analista-chefe do JOTA em São Paulo)
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