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‘A razão do nosso atraso é essa captura do poder’, diz economista Marcos Lisboa
O economista Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica e atual diretor-presidente do Insper, está pessimista em relação ao Brasil. Na semana passada, o governo entregou ao Congresso a proposta de Orçamento para 2023 com R$ 38,7 bilhões reservados para emendas parlamentares, o maior valor da História. Para Lisboa, o quadro institucional piorou com o que chama de “captura dos recursos do Estado”. Em entrevista com O GLOBO, ele diz não ver saída para a armadilha do baixo crescimento.
Política pública ineficaz
“O Brasil está numa armadilha de baixo crescimento há quatro décadas. Temos uma ineficiência da política pública muito grande. Se você compara o Brasil com os outros países, os gastos que o setor público realiza e o que a população recebe em troca é menos do que nos demais países. O que o país gasta com educação era para ter um aprendizado muito melhor, a mesma coisa no saneamento, infraestrutura.
Há um descuido muito grande não só com a gestão, mas também com o resultado da política pública. Como se apenas realizar o gasto fosse necessário. Há um desprezo pela regulação e pela maneira como o setor público interage com o setor privado. Há descuido com a regulação de energia, de combustíveis.
Uma sociedade que parece estar no voluntarismo, achando que o Estado vai intervir e baixar os preços na marra. Só que isso tem consequências a longo prazo.”
Baixo crescimento
“Descuidamos de outros detalhes do desenho da política pública. Fica um debate muito polarizado sobre temas que mobilizam corações e mentes, mas um desprezo absoluto pela técnica. Por exemplo, discute-se aumentar a progressividade do sistema tributário. Vamos tributar ricos, ótimo. E o desenho da tributação sobre consumo? O mundo há muito tempo migrou para o valor adicionado.
No Brasil é diferente. Aprendeu-se há décadas que você não quer que imposto sobre consumo leve a produzir bens de forma ineficiente, com baixa produtividade e baixo crescimento. É difícil explicar o sistema tributário brasileiro, porque é diferente de qualquer coisa no mundo.”
Castas de organização
“A última razão do nosso atraso é essa captura do poder público por pequenos grupos de interesse. O Orçamento brasileiro é completamente capturado por organizações de servidores, interesses privados, políticas protecionistas que auxiliam empresas. Temos o Judiciário mais caro entre os países com dados disponíveis. Custa 1,8% do PIB (Produto Interno Bruto). Nos demais países é 0,3% ou 0,4%.
Há incentivos e benefícios tributários para uma quantidade imensa de produtos. Depois de 60 anos de Sudene, houve convergência da renda do Nordeste com a do Sudeste? O Sistema S é um tributo que incide sobre a folha salarial, quem paga são os trabalhadores. E subsidia as federações patronais. Mais uma benesse para um feudo. São castas de organização de interesses privados.
Toda vez que você fala ‘vamos arrumar o sistema’, vêm associações de empresas, de bens de capital, Zona Franca de Manaus, interesses setoriais e regionais e falam: peraí, mexe com todo mundo, mas comigo, não. E a sociedade não consegue avançar em coisas básicas que outros países já resolveram há muito tempo. Estamos condenados a ser um país de baixo crescimento.”
Orçamento capturado
“Do ponto de vista econômico, estamos melhor que em 2015. Ali, a situação já estava muito deteriorada, a recessão veio de forma pesada. Muita distorção setorial, investimento público que deu errado, descontrole fiscal, inclusive com falta de transparência. Agora a situação econômica está um pouco melhor, o emprego formal recuperou bem depois da pandemia, fizemos a reforma da Previdência e a trabalhista, que está mostrando seus reflexos agora, e o marco do saneamento.
Mas quando analisamos o que está contratado de desordem institucional, o quadro piorou muito. Você consolidou as emendas parlamentares, apareceu a emenda do relator (mecanismo do chamado orçamento secreto), e começou-se a capturar o Orçamento numa velocidade e voracidade que nunca vi. Intervém na tributação aqui, mexe no auxílio acolá. A Presidência da República está muito fragilizada.
Quem quer que ganhe a eleição, ou não vai querer governar, como é o caso do atual (presidente), que delega, terceiriza a gestão para o Congresso, que faz política pública sem avaliação de impacto, pegando recursos da sociedade e entregando a grupos de interesses paroquiais, ou vai ter uma batalha dura para reconstruir a capacidade de governar.
E o pior, você solapou a democracia nesse processo. O princípio básico da democracia no país foi evitar uso da máquina pública em ano eleitoral, foi todo um aperfeiçoamento democrático. Jogou-se fora isso. Um descontrole institucional grave aconteceu.”
Voluntarismo do Estado
“A produtividade no Brasil aumenta bem menos que a de outros países. Razão pela qual o Brasil ficou para trás desde os anos 1980. Primeiro, a qualidade da educação que não avança. Aumentamos o gasto com educação, botamos as crianças na escola, mas o aprendizado básico de português e matemática não aconteceu.
Há voluntarismo de governos, com intervenção no setor elétrico, de combustíveis, as medidas de distorção tributária e o favoritismo que aconteceu no país. É um país imediatista.”
País de ‘velhos cartéis’
“Crescimento da produtividade e ganho contínuo da renda estão associados a competição e inovação. Nos países desenvolvidos, a imensa maioria das empresas que aparecem fracassa e quebra. Algumas criam um método de gestão que vira ganho de produtividade para toda a sociedade. Concorrência e inovação são parte importante do crescimento dos países.
O que evita que esse processo aconteça é a proteção de empresas ineficientes. Parte relevante do nosso atraso é por essa sociedade cartelizada, que reduz a concorrência. Fica um país atrasado. É um país de velhos cartéis que envelhece.”
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