Dólar volta a beirar os R$ 5: por que moeda americana subiu e o que pode chacoalhar o câmbio em 2024

Das taxas de juros às guerras pelo mundo, economistas fazem contas para tentar prever quantos reais valerá um dólar no Brasil

A cotação do dólar voltou a encerrar dias de negociações acima da simbólica marca de R$ 5 nesta semana, algo que não acontecia desde outubro de 2023. Na segunda (18) e na terça-feira (19), após a alta do dólar, a moeda americana terminou cotada, respectivamente, a R$ 5,02 e R$ 5,03. De quarta em diante, a cotação voltou a ceder, mas não foi para menos dos R$ 4,97.

Mas o que explica esse novo repique do dólar? O que podemos esperar para os próximos meses? A Inteligência Financeira consultou especialistas e traz essas respostas. Ou, ao menos, o que se sabe até agora e quais os pontos de atenção que investidores e viajantes devem ter sobre a moeda americana.

Sérgio Brotto, diretor da corretora Dascam, cita a célebre frase de Edmar Bacha. Um dos pais do Plano Real, Bacha afirmou certa vez que “Deus inventou a taxa de câmbio para humilhar os economistas”. Ou seja, que a saga dos especialistas que lidam com o câmbio seria um eterno esforço em fazer previsões sem muita esperança em acertá-las.

Seja como for, o fato é que tanto economistas quanto os interessados em fazer negócios em dólar seguem se esforçando nas previsões. Um ponto importante para chegar lá, para especialistas, é entender por que está no preço atual e de onde podem vir as surpresas.

Alta do dólar: por que a moeda americana voltou aos R$ 5?

Para especialistas, alguns fatores explicam a recente alta do dólar em comparação com o real. Destes, contudo, dois se destacam: as expectativas para os rumos das taxas de juros no Brasil e nos Estados Unidos; e os holofotes nas relações entre o governo brasileiro e algumas das principais empresas da bolsa brasileira.

Vamos entender mais cada um desses pontos.

Diferencial de juros

Para os especialistas, o mercado já precificou com antecedência a perspectiva de que o Fed adiaria mais uma vez a queda dos juros nos Estados Unidos e que o Copom concretizaria nova queda de 0,50 ponto na Selic.

“Esse menor diferencial acaba trazendo mais atratividade para a saída de dinheiro do Brasil, com a relação risco-retorno dos dois países”, avalia Thiago Avallone, especialista em câmbio da Manchester Investimentos. “São basicamente fatores externos. O mercado americano segue aquecido e, mantendo-se assim, o Fed precisa manter a taxa de juros no patamar atual, adiando a expectativa de queda e causando desvalorização do real perante o dólar”, diz Douglas Ferreira, head de FX Desk na Planner Corretora.

Relação do governo com a Petrobras (PETR4)

De acordo com fontes ouvidas pela Inteligência Financeira, a queda recente nas ações da petroleira teve impacto no câmbio. Isto porque a Petrobras (PETR4) possui grande participação no mercado brasileiro e a queda de mais de 12% nas ações desde o dia 7 intensificou a saída de capital estrangeiro.

Aliás, no último dia 7, a Petrobras anunciou que reteria o pagamento de R$ 43,9 bilhões em dividendos extraordinários. Como afirmou o CEO Jean-Paul Prates, a decisão foi orientada pelo presidente Lula. A possibilidade de interferência política na petroleira e em outras grandes empresas das quais o Estado é acionista, em especial a Vale (VALE3), entrou no radar de investidores externos.

“Tivemos a queda forte de alguma empresas no Brasil, em especial da Petrobras (PETR4), com a questão dos dividendos extraordinários, que até o presente momento não foi indicado que serão pagos aos acionistas. Além disso, temos a própria Vale (VALE3), com a questão da queda forte do minério de ferro”, avalia Lucas Carvalho, head de research da Toro Investimentos.

Vamos ver o dólar em alta por mais tempo?

Nesta mesma semana já vimos o dólar ceder do patamar de R$ 5. Na quarta-feira (20), a moeda americana fechou em R$ 4,97 e na quinta-feira (21) foi um pouco além, para R$ 4,98.

Essa retração veio associada a um dos fatores que provocaram a queda, a equação entre os juros no Brasil e nos EUA. Isso uma vez que o presidente do Fed, Jerome Powell, reforçou a intenção de fazer três cortes nas taxas neste ano enquanto, por aqui, o Copom reduziu o horizonte de cortes antevistos ao mercado apenas para a próxima reunião.

Fontes do mercado ouvidas no Boletim Focus previram que o dólar encerre 2024 cotado a R$ 4,95 e 2025 cotado a R$ 5. Portanto, a média do mercado não considera que a moeda americana siga se valorizando no curto prazo.

Sérgio Brotto, da Dascam, projeta um cenário em que a moeda americana continue em torno dos R$ 5, em um intervalo de até 2% para mais ou para menos. Ou seja, entre R$ 4,90 e R$ 5,10. Lucas Carvalho, da Toro, afirma que até agora o dólar tem oscilado a partir de um suporte de R$ 4,93, tendo dificuldade de passar de R$ 5,05.

Por outro lado, Douglas Ferreira, da Planner, é um dos especialistas que enxerga essa possibilidade. Na visão do analista, a combinação da economia americana aquecida com as dificuldades fiscais do Brasil, torna “provável uma valorização gradativa nos próximos meses, acima de R$ 5”.

O que está no radar para a tendência do dólar em 2024

Como dissemos no início desta reportagem, uma das únicas certezas é que o cenário atual pode sofrer alguma alteração caso o atual cenário passe por uma mudança significativa. Por exemplo, em caso de agravamento dos atuais conflitos bélicos pelo mundo, na Faixa de Gaza e no Leste Europeu.

Thiago Avallone, da Manchester, cita a perspectiva das eleições nos Estados Unidos, com a provável disputa entre o presidente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump em alguns meses. “Com a disputa entre Biden e Trump, podemos ver maior volatilidade no segundo semestre”, diz Lucas Carvalho, da Manchester.

Do ponto de vista de um dólar mais baixo que esse intervalo atual temos o desempenho do agronegócio no Brasil. No ano passado, a boa safra foi um dos fatores citados para justificar o crescimento do PIB brasileiro acima do esperado. “Nosso agro é muito bom, muito forte, mas a perspectiva é que não repita o ano passado”, avalia Sérgio Brotto.

Para Carvalho, contudo, a balança comercial brasileira traz uma segurança contra grandes elevações. “Temos uma balança comercial estruturalmente mais forte, com uma safra que deve ser bastante volumosa. Assim, conseguimos ter um real mais apreciado”, diz.

O que quem vai viajar deve fazer com a alta do dólar?

Viajantes, não esquecemos de vocês. As notícias de que o dólar chegou a casa dos R$ 5 preocupam quem tem viagem para o exterior nos próximos meses. Como dissemos, a perspectiva da maior parte do mercado é de que o dólar continue próximo ao intervalo atual, sem grandes alterações.

No entanto, em termos de estratégia, a recomendação de Sérgio Brotto é a mesma que vale para quase qualquer situação: compre aos poucos e diminua o risco de oscilações. “Vá comprando um pouco por mês. Você vai ter um bom preço médio e não vai ter um desgaste grande. Não se apavore com os R$ 5. No dia que você receber compre um pouco, mês a mês, até o dia da sua viagem”, propõe.