CVM orienta sobre investimentos em SAF: atenção ao risco da abertura de capital de clubes de futebol

Falta o mercado parar de vender falsas expectativas e começar a apontar e discutir os riscos de se investir nos times

Nesta semana a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) publicou o Parecer de Orientação nº 41, cujo objetivo é orientar o mercado a respeito do tema SAF (Sociedades Anônimas do Futebol). E veio bem a calhar. Muito tem se falado a respeito de abertura de capital por parte das SAFs como forma de levantar capital para os clubes. Na esteira da chegada da figura dos “donos de clubes”, soa tentador para uma série de stakeholders difundir a ideia de que é possível abrir o capital de clubes de futebol em Bolsa de Valores. Especialmente para quem vê nisso uma possibilidade de fazer dinheiro através da cobrança de fees disso e fees daquilo sem, contudo, conhecer o funcionamento da indústria, nem pensar minimamente nos riscos. Afinal, o que importa é a receita.

Por que a decisão da CVM é importante?

A Orientação nº 41 da CVM veio em boa hora por uma série de aspectos. Primeiro, porque efetivamente coloca um olhar técnico sobre o tema, de forma a indicar os passos e adaptações necessárias para que uma SAF abra capital.

Vale lembrar que o processo de IPO (Initial Public Offering) não é simples, nem fácil, e muito menos barato para nenhum negócio.

E ainda demanda inúmeros ajustes fiscais, legais e contábeis. Para o futebol, tão avesso a controles e organização, é um obstáculo e tanto. Transponível, mas um obstáculo.

Fica muito claro no material quais os passos e necessidades de adaptação de uma SAF para se adequar às regras de uma companhia de capital aberto. Trata-se de governança, classes de ações, oferta pública de ações, possibilidades de financiamentos e constituição de fundos de diversos tipos.

O que é debenture-fut?

Quando falamos em financiamento, tratam também das debenture-fut, que são instrumentos de dívida criados especificamente para as SAFs.

Assim, o material da CVM coloca uma série de temas que comparam a Lei da SAF com suas regras, de forma a esclarecer possíveis dúvidas em relação a uma debênture comum.

Um dos aspectos mais interessantes do material é reforçar que qualquer prospecto de oferta de valores mobiliários de SAFs demandam explicações detalhadas sobre os riscos, visto que o futebol é uma atividade associada diretamente à paixão, e esta costuma cegar.

Ou seja, poder-se-ia ignorar riscos relevantes em nome da vontade de ser dono de seu clube do coração, ou emprestar dinheiro para contratar aquele atleta caro. Porém, muito cuidado nessa hora.

O risco de abrir o capital de clubes de futebol

E daí chegamos ao ponto que costuma voltar sempre quando falamos em abrir capital de clubes ou emitir dívidas: pouca gente entende realmente dos riscos da indústria, e pela tentativa quase surtada de fazerem acreditar que abrir capital de clubes é uma ótima oportunidade, esses riscos estão claramente sendo negligenciados nas análises.

Quais são os ricos no futebol?

Clubes de futebol têm risco de:

  • performance,
  • rebaixamento,
  • contusão de atletas.

Além disso, o comportamento de receitas de bilheteria e de sócios-torcedores é incerto e altamente dependente da performance.

Não é uma atividade para ter lucro, conceitualmente falando. Tem que lidar com a fúria de torcidas organizadas que foram criadas e sustentadas por gestões amadoras das associações.

Temos que lembrar que custos são fixos e receitas, variáveis; investimentos em atletas podem dar em nada. Esse ponto é diferente de qualquer outra indústria, cujo capex é uma questão de operacionalizar a instalação, em boa parte dos casos – e, portanto, trata-se de uma indústria de elevada incerteza de desempenho.

Tanto é que fazem um esforço danado para encontrar clubes de capital aberto que tiveram bom desempenho em termos de valorização das ações.

São raros mesmo. E só há uma forma de fazer sentido abrir capital de um clube: abrir parte do capital para que o torcedor seja dono de fato.

Ainda assim é uma operação complexa, cara, que coloca em risco o capital muitas vezes suado do torcedor. Ninguém fala nisso, porque o que importa são os fees de estruturação.

Alerta ao financiamento a clubes de futebol

Quando falamos em financiamento a clubes de futebol, fica o mesmo alerta: não basta termos um instrumento se o tomador do crédito não tiver capacidade de pagamento, ou se a estrutura de garantias e sua formalização não forem impecáveis.

Financiar clubes de futebol demanda conhecimento de crédito, e risco, e essencialmente, conhecimento da indústria.

O que dá para fazer e o que não dá; quais clubes são bons pagadores e quais são aqueles que sabidamente deixarão dor-de-cabeça na hora da cobrança.

Se o risco é bom, é possível financiar clubes de futebol, independente do instrumento. Se for ruim, não adianta dizer que há Debênture-Fut, porque a provisão para perdas será inevitável.

A CVM presta um ótimo serviço ao futebol ao divulgar seu Parecer de orientação relacionado às SAFs.

Falta agora o mercado parar de vender falsas expectativas e começar a fazer o trabalho justo, que é apontar e discutir os riscos de se investir em clubes de futebol.

Todos querem bater o sino da B3, mas ninguém aparecerá na hora do write-off dos ativos.

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