CVM questiona nove varejistas e atacadistas sobre ‘risco sacado’
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está questionando pelo menos nove varejistas e atacadistas de capital aberto para entender como lidam com o “risco sacado”, centro das questões que envolvem as “inconsistências contábeis” da Americanas.
As empresas foram consultadas pela área técnica da autarquia, apurou o Valor. Segundo especialistas, o objetivo é entender quais são as práticas do mercado e se há chances do problema se repetir, ainda que em proporções menores.
As operações de “risco sacado”, também conhecidas como “forfait”, em geral decorrem de uma triangulação entre a empresa (compradora), fornecedores e bancos. Essas operações usam os recebíveis de clientes para alavancar a companhia com financiamento nos bancos e com a garantia da própria empresa.
As operações, não necessariamente, são representadas no balanço como passivos financeiros em razão da especificidade de cada transação. A prática do “forfait” é aceita no mercado e vai além do varejo.
Em nota, a autarquia confirma que a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) encaminhou consulta a companhias a respeito do tema e afirma que, sempre que necessário, realiza interações com os participantes do mercado de capitais a fim de solicitar informações importantes para trabalhos de análise e supervisão.
Um dia depois da Americanas ter divulgado o rombo de R$ 20 bilhões, que motivou as renúncias do então presidente Sérgio Rial e do diretor financeiro André Covre, o Valor informou que algumas varejistas estavam em reuniões com bancos e seguradoras de crédito para esclarecer dúvidas sobre a contabilidade de risco sacado.
A CVM jogou luz sobre o tema em 2016 por meio de ofício circular em que alertou sobre a necessidade das empresas avaliarem essas operações. A recomendação foi a de que se houver o entendimento de que a operação se trata de dívida bancária deve ser reclassificada no balanço como tal. Esse ponto de atenção tem se repetido anualmente no documento desde então.
“O ofício circular de 2016 não era prescritivo. Pode ser que a CVM tenha orientações mais claras a partir do próximo ofício, e peça critérios de classificação das companhias. Acho que serão mais explícitos na forma que querem que essas operações sejam tratadas”, afirma a advogada e professora da FGV, Luciana Dias.
Em novembro de 2021, o Iasb realizou audiência pública para que as companhias façam mais divulgações sobre tais operações. O Iasb é uma organização que publica e atualiza o IFRS (as normas de contabilidade internacionais). Há também uma interpretação do IFRIC, comitê que interpreta as normas do IFRS, segundo a qual é necessário avaliar a essência da operação ao registrá-la no balanço.
Ainda assim há uma zona cinzenta regulatória, na visão do professor da Fecap, Ahmed El Khatib: “Essa questão não definida faz com que cada um entenda a seu modo como fazer as coisas”. Se a empresa não classifica as despesas financeiras de forma correta, haveria uma distorção generalizada: o lucro pode ser maior do que realmente é, o que tem impacto sobre distribuição de dividendos maiores, fluxo de caixa e patrimônio líquido.
“Há a possibilidade de não ser uma fraude da Americanas, mas um jeito de contabilização usado por outras empresas. Se é isso, mais empresas podem ter prejuízos embutidos que ninguém sabe. A CVM quer ter uma fotografia do mercado para mostrar que o balanço das empresas é confiável”, diz o professor do Insper, Alexandre Chaia.
Em 2000, o escândalo da Enron gerou inseguranças em relação à contabilização de operações com derivativos e subsidiárias nos Estados Unidos.
Como resposta, dois anos depois foi lançada a lei Sarbanes-Oxley (também conhecida como SOX), buscando proteger sobretudo investidores de erros contábeis e fraudes. “O que a Enron fazia era o que todo mundo fazia. A SOX é consequência da desconfiança do mercado. Essa lei serve como referência para qualquer empresa que opera no mercado internacional”, lembrou Chaia.
Por Juliana Schincariol
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