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Como Edmond Safra construiu seu império bancário
Edmond Safra fundou e controlou bancos em quatro países de três continentes e se valeu, nessa trajetória, de princípios que destoam da imagem estereotipada que se tem dos banqueiros.
Sua principal base era uma rede de contatos formada principalmente por familiares ou por membros da comunidade judaica ou por pessoas originárias da mesma região onde ele nasceu, na Síria. Gradualmente, essa cadeia de contatos foi se expandindo, mas ele não deixou de lado esses primeiros “aliados”.
Edmond dizia que só se deveria dar empréstimo para quem o banqueiro ou seus funcionários conhecessem bem, olhando nos olhos do tomador. Ele não seguia o modelo “moderno” de conceder financiamentos com base em fórmulas matemáticas ou algoritmos. Quando um dos seus bancos perdia dinheiro por causa do calote de um cliente, Edmond perguntava a seus funcionários: “Você olhou nos olhos da pessoa [quando foi conceder o empréstimo]? Vocês se sentaram um na frente do outro? Como você empresta dinheiro para uma pessoa se não a conhece de jeito nenhum?”.
Também defendia “os direitos” dos clientes dos seus bancos — era melhor que ele, Edmond, perdesse dinheiro do que quem confiara na sua instituição financeira. Numa das poucas vezes em que deu entrevista, no caso para o “Financial Times”, ele disse: “O dever de um banqueiro é proteger o que os clientes lhe confiaram. Ele recebe as confidências do cliente, às vezes é um amigo. Ele é o guardião dos segredos das pessoas. E os nossos clientes mostram a sua confiança entregando-nos o seu dinheiro. Investimentos com prudência porque não é nosso dinheiro”.
Edmond não escondia que tinha suas superstições. Carregava sempre um amuleto de um olho azul, para afastar o mal. Quando estava negociando a venda dos seus bancos (para o HSBC), ele queria que o preço fosse de US$ 72 por ação por uma simples razão: 72 tinha um significado especial para ele por corresponder a 4 vezes 18, o valor numérico da palavra hebraica “chai”, que quer dizer vida.
Outro princípio fundamental na sua vida e no exercício da sua função de banqueiro era a filantropia. Ao longo de pouco mais de cinco décadas de trabalho (ele começou aos 16 anos, a serviço do seu pai), ajudou centenas de pessoas que migraram de regiões conflagradas, como da própria Síria, ou a encontrarem empregos, muitas vezes nos seus bancos, repetindo, de certa forma, a história da sua própria família, que teve que mudar de país várias vezes até encontrar refúgio no Brasil.
Pouco se sabia sobre a vida e mesmo sobre o estilo de comando de Edmond Safra, que ao longo da sua vida muito raramente falou com a imprensa e, apesar da fortuna que amealhou, manteve um padrão de discrição excepcional. É curioso, portanto, que muitos dos “segredos” sobre ele estejam sendo revelados em um livro que contou com mais do que a ajuda da sua família, principalmente da viúva, Lily Safra (que faleceu neste ano), e da fundação que leva seu nome. De fato, a obra surgiu da iniciativa deles. Depois do seu falecimento, em 1999, a Fundação Edmond J. Safra promoveu entrevistas com amigos, religiosos com quem ele conviveu, dirigentes dos bancos que fundou, outros banqueiros, professores e familiares sobre o que pensava e como atuava Edmond (neste texto, trato-o pelo primeiro nome para não haver confusão com outros Safra, como seus irmãos, Joseph e Moise).
Além disso, Edmond manteve durante décadas um arquivo de documentos — cartas, passagens de aviões, calendários, relatórios financeiros, itinerários de viagens, recortes de jornais, informes de analistas etc. — em árabe, hebraico, português, italiano, francês, alemão, espanhol e inglês (o banqueiro era fluente em seis desses idiomas).
Todo esse material mais as entrevistas foram repassadas para o jornalista e escritor Daniel Gross por Lily Safra, em 2017. Ela lhe disse que “alguém tinha que contar a história”, como Gross contou em uma palestra promovida pela Harvard Book Store em 21 de outubro.
Descendente de uma família de judeus sírios, assim como os Safra, Gross tem um longa carreira escrevendo sobre finanças e negócios. Trabalhou na Bloomberg, no “The New York Times” e na “Newsweek”, entre outros, e escreveu oito livros sobre economia, tendo estudado nas universidades de Cornell e Harvard. O fato de uma das suas antepassadas ter nascido na mesma cidade de origem da família Safra, Aleppo, ajudou Gross a ser convidado a escrever o livro e também a entender melhor as motivações e os anseios de Edmond.
A obra resultante das pesquisas e do arquivo — “A Banker’s Journey: How Edmond J. Safra Built a Global Financial Empire” (A jornada de um banqueiro: Como Edmond J. Safra construiu um império financeiro global, sem edição em português) — é fiel ao seu título. Edmond de fato fundou e controlou uma potência bancária: dois dos seus bancos, Republic National Bank of New York e Safra Republic Bank, ambos com sede nos Estados Unidos, foram vendidos para o HSBC por US$ 10 bilhões em 1999.
O Brasil teve papel importante na vida e na ascensão profissional de Edmond — e de outros membros da família, inclusive seu pai, Jacob, que morreu em São Paulo. Foi aqui, em 1954, que eles ganharam cidadania e encontraram um lugar para morar e para desenvolver seus negócios depois de saírem da Síria e terem passado pela Europa. No início da sua vida no Brasil, Edmond não trabalhava com finanças — ele até tirou uma carteira de trabalho brasileira que o identificava como comerciante, o que ele de fato foi por uns tempos, exportando inicialmente algodão e importando, um pouco mais tarde, máquinas e produtos químicos.
Com a abundância de material cedido a ele pela fundação criada por Edmond, acrescido das suas próprias pesquisas, Gross traça um retrato até agora inédito do banqueiro. Ao Valor, por e-mail, ele respondeu se calculou quanto Edmond doou. Quando morreu, em 1999, ele tinha cerca de US$ 3 bilhões provenientes da venda dos bancos americanos, além de imóveis, obras de arte e outros investimentos que valiam muito. Em seu testamento, ele deixou provisões para Lily e a família dela e para suas irmãs. Boa parte dos seus bens foi encaminhada para a Edmond J. Safra Philanthropic Foundation, com sede em Genebra. “Metade do que recebeu pelos bancos seria cerca de US$ 1,5 bilhão. Isso foi em 1999. Nos anos seguintes, os recursos foram investidos de forma conservadora. Acho que devem ter se valorizado. A Fundação deve operar perpetuamente — o que significa que gasta uma pequena parte dos seus ativos a cada ano. Se eu tivesse que adivinhar quanto ele gastou com filantropia, diria que foram centenas de milhões de dólares, mas não tenho documentos sobre isso.”
Edmond também enfrentou, evidentemente, problemas gigantescos, um deles a campanha difamatória promovida no fim dos anos 1980 por dirigentes da American Express, que havia comprado pouco antes do próprio Edmond o Trade Development Bank, com sede em Genebra. Tempos depois, o próprio presidente da American Express, que havia comprado pouco antes do próprio Edmond o Trade Development Bank, com sede em Genebra. Tempos depois, o próprio presidente da American Express pediu desculpas a Edmond pela divulgação de mentiras e pagou uma indenização de US$ 8 milhões para instituições filantrópicas indicadas por ele.
O fim da vida de Edmond foi marcado por desentendimentos e tragédias. Gross relembra um comunicado emitido pelo Republic em 1998 sobre o diagnóstico de mal de Parkinson e sobre como seria a sucessão nos bancos no caso de impedimento por causa da doença e na sua morte: está explícito na nota oficial que seu irmão Joseph, então com 60 anos, teria um papel importante na condução dos negócios de Edmond. “De fato, Joseph está reorganizando sua agenda para ser possível a ele empenhar ainda mais tempo para me ajudar na gestão do Republic New York Co e Safra Republic.” Isso acabou não acontecendo. Joseph continuou se dedicando ao Banco Safra no Brasil e a outros negócios. Segundo Gross apurou, as condições que ele tinha imposto para assumir mais responsabilidades nos bancos americanos não foram cumpridas. Edmond acabou decidindo pela venda das duas instituições financeiras.
A maior tragédia foi, claro, a morte de Edmond, no fim do ano de 1999, em seu apartamento em Monte Carlo, provocada por um dos seus cuidadores que, em busca de maior reconhecimento e melhor salário, fingiu que a residência havia sido invadida por bandidos e colocou fogo numa dependência. Edmond e uma enfermeira morreram sufocados pela fumaça.
O livro é claramente parcial a Edmond no sentido de que suas ações beneméritas são tratadas de forma elogiosa e Gross não esconde sua admiração pelo banqueiro. Não é só ele quem reconhece os feitos de Edmond — a apresentação da obra traz o depoimento de personalidades muito diversas entre si como Michael Bloomberg, que ressalta “o senso de responsabilidade para com os outros” de Edmond, e o ator Michael J. Fox, que sofre de mal de Parkinson há muitos anos, a mesma doença que prejudicou os últimos anos da vida de Edmond.
Apesar desse tom favorável ao banqueiro, o livro é essencial para quem quer conhecer melhor um dos banqueiros mais importantes do século passado globalmente falando. Por enquanto, segundo Gross, não há previsão de sua publicação no mercado brasileiro.
Por Célia de Gouvêa Franco
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