Crise de confiança gera pânico nos mercados e dólar encosta em R$ 5,60 com risco local em alta

Sem sinais concretos do governo quanto a medidas de contenção de despesas e com discursos bastante duros do presidente Lula ao longo da semana, o mercado doméstico sofreu duras perdas, com reflexo na dinâmica do câmbio

Não foram triviais os movimentos do mercado financeiro doméstico na última semana. No momento em que crise de confiança sobre os rumos da política econômica tem afetado o humor dos agentes, a desvalorização dos ativos brasileiros teve continuidade e chegou a níveis vistos, até então, como bastante improváveis.

Sem sinais concretos do governo quanto a medidas de contenção de despesas e com discursos bastante duros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao longo da semana, o mercado doméstico sofreu duras perdas, com reflexo na dinâmica do câmbio: em apenas uma semana, o dólar subiu mais de 2% e encostou em R$ 5,60.

O mercado abandonou de vez os fundamentos e, nas últimas semanas, passou a trabalhar em cima dos riscos e das perspectivas futuras, que parecem cada vez mais sombrias. O aumento da desconfiança dos agentes em torno da política econômica ganhou força em abril, com a revisão das metas de resultado primário de 2025 e 2026, mas se agravou neste mês e, em particular, na semana que passou.

Participantes do mercado se mostram incomodados, em especial, com a sensação de falta de urgência do governo em tratar a questão fiscal, apesar da deterioração vista nos ativos domésticos.

Nesta semana, a crise escalou, na medida em que declarações do presidente Lula assustaram investidores, que esperavam algum sinal em torno de um maior compromisso com a sustentabilidade das contas públicas. Sem esse sinal e diante da percepção de isolamento da equipe econômica em torno das ideias de ajuste fiscal, a perda de ancoragem dos ativos domésticos prosseguiu.

Assim, nem mesmo as boas notícias da semana, como a unidade do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central vista na ata da decisão e o IPCA-15 de junho foram suficientes para amenizar o estrago nos ativos domésticos.

Com o dólar próximo a R$ 5,60, as discussões sobre a possibilidade de uma retomada de um ciclo de elevação da Selic voltaram a dar as caras e tiveram efeito deletério nos juros futuros, que subiram com força ao longo da semana. A taxa do DI para janeiro de 2027, por exemplo, encostou em 12%, ao subir de 11,505% na semana anterior para 11,97% — um salto bastante expressivo.

“O mercado está esperando um posicionamento bem mais forte e mais claro do presidente Lula em relação ao fiscal. Não basta apoiar o [ministro da Fazenda Fernando] Haddad; é preciso apoiar o plano. Estamos em um ponto em que o próprio Congresso deveria abraçar o plano da equipe econômica. O Brasil está sendo colocado em xeque pelos investidores, e não são apenas os locais”, diz Roberto Elaiuy, gestor de renda fixa da Kinea Investimentos. Para ele, enquanto uma resposta convincente a esse cenário não aparece, “o mercado vai continuar testando os limites”.

O pessimismo, de fato, não fica concentrado somente entre os investidores locais. Como o Valor mostrou no início da semana, a aposta dos estrangeiros contra o real, via derivativos de câmbio (dólar futuro, swap cambial, cupom cambial e dólar mini), alcançou máximas históricas e se aproxima de US$ 80 bilhões, de acordo com a B3.

Além disso, traders de moedas têm notado uma piora do “risk reversal”, uma estratégia envolvendo opções, o que pode indicar que os investidores têm buscado maior proteção contra uma desvalorização ainda mais intensa do real. Há, assim, uma indicação de que a probabilidade do real depreciar ainda mais tem aumentado.

Para o responsável pela área de macroeconomia da Vinci Partners, José Carlos Carvalho, “o ruído político tem sido muito alto” e tem atrapalhado até mesmo a melhora do fluxo cambial em junho.

“O Banco Central até foi conservador na ata, mas os ruídos políticos sugerem que, no próximo ano, os juros serão baixados à força. Se, no futuro, a queda dos juros for excessiva, pode haver uma saída grande de dólares do país. E isso faz com que as pessoas comecem a fazer ‘hedge’ para se proteger desse cenário futuro de desvalorização do câmbio”, diz.

O problema dessa espiral de valorização do dólar, na visão de Carvalho, é o fato de a pressão cambial alimentar a inflação e isso se refletir na dinâmica dos juros, o que gera um círculo vicioso.

“A maior parte do mercado já estava projetando a inflação a 4% ao ano, só que rapidamente o dólar foi de R$ 5,00 para R$ 5,50. Sabemos que o câmbio tem um peso de 10% na composição da inflação, então imagino que as projeções do IPCA sejam revisadas para cima, caminhando para perto de 5%”, explica o executivo da Vinci.

Um pouco desse movimento já começa a ser visto. Ainda na sexta-feira, a consultoria Buysidebrazil elevou sua projeção para o dólar no fim deste ano de R$ 5,20 para 5,40, enquanto a expectativa para o IPCA deste ano subiu de 3,8% para 4,1%. Já a estimativa para a inflação de 2025 avançou de 3,5% para 3,7%, em um contexto que abarca o dólar a R$ 5,30 no fim do próximo ano.

O alerta em relação aos efeitos da desvalorização cambial também é feito pelo sócio e diretor de investimentos (CIO) da Parcitas, Marcelo Ferman, para quem há um abismo entre as expectativas do mercado para as entregas do governo e as soluções ventiladas para a questão fiscal até o momento.

“O mercado está precisando de algo para se ancorar, do ponto de vista de expectativa. Acredito que o governo notou, mas não está conseguindo oferecer soluções à altura. Enquanto há esse abismo, o mercado local fica desancorado.”

“Vamos supor que essa deterioração no câmbio aconteça por mais tempo, puxando as expectativas de inflação. Se isso permanecer, começa a ficar difícil de achar que o Banco Central vai conseguir ficar parado. Assim, mesmo que o governo ofereça uma solução viável lá na frente, o meio do caminho pode ser pior. Há um custo em se trabalhar com esse abismo”, diz Ferman. “O mercado começa a piorar meio que sem motivos claros. Ele quer se segurar em alguma coisa, mas não tem nada. Entra semana e sai semana e a dinâmica continua piorando.”

Já na visão do sócio da Panamby Capital e ex-diretor de política monetária do BC, Reinaldo Le Grazie, a medida correta para interromper essa dinâmica negativa dos ativos locais é anunciar algum tipo de corte de despesas. “Não acredito que o Banco Central deveria intervir no câmbio porque o ruído é local e se trata de um ajuste de preços ao novo cenário macroeconômico”, aponta.

Ele avalia que é mais provável que o movimento ruim dos ativos locais só seja interrompido caso medidas do governo para conter o avanço das despesas sejam anunciadas. “A lógica é que, seguindo a situação atual de gastos, sem a receita adequada, há uma pressão dos preços para cima e a inflação acaba subindo. Simples assim”, diz.

Com informações do Valor Econômico