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‘Bolsa não tem catalisador para rali de curto prazo’
O cenário de bastante incerteza, sobretudo em relação à dinâmica da economia e das questões fiscais e políticas domésticas, faz com que o Credit Suisse prefira apostar em ativos mais seguros. Isso se traduz em uma expectativa de queda do prêmio no mercado de juros local e também em uma alocação de renda variável “metade na bolsa local, metade lá fora”. “Diante de tantas incertezas, preferimos, em vez de tentar antecipar eleição, pensar em equilibrar carteira, usar bem esses juros mais altos ano que vem”, afirma o diretor de investimentos do banco suíço no Brasil, Luciano Telo, ao Valor.
Em sua avaliação, a bolsa brasileira é o ativo mais penalizado pela última rodada de piora no cenário doméstico. Ainda assim, não vê recuperação rápida. “Não vemos nenhum catalisador de curto prazo para um rali rápido. Se me perguntar qual dos ativos será melhor para uma realização mais rápida de ganhos, acho que, acho que são os juros prefixados. Quando o mercado perceber que se tratou corretamente a inflação e está bem encaminhado, esses ativos serão os primeiros a reagir”, diz. Confira, a seguir, os principais pontos da entrevista:
Valor: Este ano começou com expectativas e muitas delas não se realizaram? O que mais surpreendeu o senhor em 2021?
Luciano Telo: O ano de 2021 era o ano da reabertura, tivemos as notícias sobre vacinas já no fim do ano passado e a discussão toda era aceleração de atividade e, em menor grau, sobre eventualmente quando isso ia bater na inflação. A gente achava que ia ter desempenho muito bom dos ativos, principalmente para as bolsas. De fato, isso ocorreu com americanas europeia. A surpresa foi que não só bolsa brasileira não acompanhou como descolou pra baixo. Embora o Brasil tenha realizado um programa de vacinação bem feito, com nível de imunização hoje até acima de alguns europeus, de fato não conseguiu acompanhar. Os principais fatores foram dois: a inflação muito mais alta que o esperado, o que fez com o que os juros também subissem mais intensamente, e a percepção de risco fiscal, que aumentou muito, principalmente no fim do ano.
Valor: Quais serão os principais temas de investimento em 2022?
Telo: O primeiro ponto é que sabemos que o Brasil vai entrar em 2022 com juros muito altos e que o Banco Central está disposto a fazer esse ciclo de ajuste monetário importante para convergir a inflação ao longo do tempo. A taxa de juros deve atingir um patamar restritivo no ano que vem, com a Selic atingindo provavelmente 12% ao ano e uma inflação projetada por nós (para 2022) em 6%. Isso significa uma mudança grande em termos de alocação com mais prêmio para a renda fixa. O segundo ponto é que o ambiente global ainda é de baixa aversão ao risco. As bolsas seguem renovando recordes lá fora. Claro que temos que considerar que o Federal Reserve deve elevar os juros em 2022, e, apesar de ter acelerado o processo de retirada dos estímulos e provavelmente ter que elevar os juros mais do que o mercado projeta, tem feito uma comunicação boa e bem recebida. O ano que vem poderá ser benigno para ativos de risco, a grande questão é a velocidade na qual o Fed elevará os juros.
Valor: O atual ciclo de altas da Selic projetado pelo BC não é exagerado, ameaçando aprofundar a recessão em 2022?
Telo: O BC realmente precisa atuar, está reagindo com o as ferramentas que tem. Nossa projeção é de contração de 0,5% do PIB em função do aperto de juros. Mas isso é parte do regime de metas de inflação. Apesar do sacrifício no primeiro ano, ao longo do tempo é benéfico. A gente acha que chega a 12,25% no fim desse ciclo, então, se estamos falando de inflação a 6% no fim do ano que vem, mercado em algum momento vai começar a se preocupar quando ela vai cair.
Valor: Qual ativo brasileiro mais penalizado e com maior chance de recuperação?
Telo: O ativo que descolou mais em relação à expectativa é a bolsa. Só que imaginamos que ela tem potencial mais gradual de se recuperar, não vemos nenhum catalisador de curto prazo para um rali rápido, a incerteza fiscal juros e os juros seguirão altos. Ainda assim, continuamos alocados em parcela de bolsa porque o valuation está descontado. Mas, se me perguntar qual dos ativos será melhor para uma realização mais rápida de ganhos, acho que são os juros prefixados e ligados à inflação. Quando o mercado perceber que se tratou corretamente a inflação e está bem encaminhado, esses ativos serão os primeiros a reagir.
Valor: E o real vai conseguir se valorizar?
Telo: Nossa perspectiva de alguns meses atrás era que o real devesse ganhar um pouco mais de espaço frente ao dólar, porque a moeda brasileira tem muita correlação com commodities. O que aconteceu é que o cambio flutuante não reflete só melhora da balança comercial, mas também o risco, então acaba sendo impactado por esse cenário fiscal. O real ainda pode se apreciar porque o preço das commodities segue em patamares altos e a remuneração de juros no Brasil agora é uma dos maiores do mundo. Ainda tem oportunidade, mas é complexo, porque existe muita incerteza no radar, tem a eleição no fim do ano, o Fed iniciando alta de juros. A melhor chance para o real é nos próximos meses, mas acaba refletindo muitos tipos de risco diferentes, e a gente não acha que essas incertezas vão desaparecer.
Valor: O ciclo eleitoral de 2022 já mobiliza o mercado financeiro?
Telo: Historicamente, o impacto mais direto, de pesquisas, começa a acontecer em março. Ainda é cedo para falar disso, as candidaturas ainda nem têm chapas definidas e as pesquisas não ainda não apontam qual será o tema maior do ano que vem. O maior impacto talvez seja sobre as reformas que podem ser feitas, o mercado imagina que vai demorar mais para acontecer.
Valor: Como navegar nos investimentos nesse cenário esperado para 2022?
Telo: Diante de tantas incertezas, preferimos, em vez de tentar antecipar eleição, pensar em equilibrar carteira, usar bem esses juros mais altos no ano que vem, talvez alguma oportunidade mesmo em ações indexadas, o que nos ajuda a lidar com uma incerteza que só vai acabar mesmo na véspera da eleição. No mercado de juros, existe um bom prêmio a ser colhido, mas na renda variável vemos um bom equilíbrio entre a alocação local e global, principalmente por diversificação de fatores de risco. É sempre bom lembrar que, enquanto prevemos um crescimento de 4,3% para o mundo ano que vem, no Brasil estamos discutindo crescimento negativo.
Valor: Nesse contexto, o que privilegiar na bolsa local
Telo: Quando a gente pensa no Brasil, pensa em commodities, mas também em ativos que estão indo bem aqui, ganhando market share, como operadoras de saúde, teses mais resilientes de quem está ganhando espaço no Brasil. Já no exterior, são teses mais de longo prazo, como tecnologia, saúde e varejo.
Valor: O coronavírus seguirá sendo um tema de atenção?
Telo: Acredito que sim. A variante ômicron já teve consequência para os preços de mercado. Ainda existe muita incerteza sobre se as vacinas atuais vão funcionar. A questão é que o momento da saída da pandemia voltou a ficar sem definição mais clara e isso adia a conclusão sobre o caráter da inflação, se é transitória ou não. A inflação causada por restrições nas cadeias de produção pode perdurar mais tempo.
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